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trabalho escravo
2008-12-30

O que a fazenda de pecuária de um juiz do Maranhão, uma área de cultivo de abacaxi no Tocantins e outra de melão no Ceará, uma plantação de soja no Piauí, uma carvoaria no Mato Grosso do Sul, uma propriedade com gados de raça nobre no Paraná, um novo empreendimento sucroalcooleiro e uma localidade remanescente de quilombo, ambos em Goiás, podem ter em comum? Propriedades como essas foram incluídas na atualização semestral da "lista suja" do trabalho escravo - cadastro de infratores mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que agrega empregadores que foram flagrados cometendo esse tipo de crime.

Os empregadores da "lista suja" não têm acesso a financiamentos públicos e são submetidos a restrições comerciais por parte das empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O nome de uma pessoa física ou jurídica só é incluído na relação depois de concluído o processo administrativo referente à fiscalização dos auditores do governo federal.

O juiz Marcelo Testa Baldochi, integrante do Poder Judiciário do Estado do Maranhão, aparece entre os 19 novos componentes da "lista suja". Envolvido em diversos casos polêmicos, Marcelo é dono da Fazenda Pôr do Sol, no município de Bom Jardim (MA). O grupo móvel do MTE fiscalizou a área isolada, que fica a cerca de 170 km do centro de Açailândia (MA), em setembro de 2007 e encontrou 25 pessoas - um deles adolescente, com apenas 15 anos, que nunca freqüentara a escola - em condições análogas à escravidão.

Ninguém tinha carteira assinada, alguns haviam recebido apenas R$ 10,00 depois de três meses no chamado "roço de juquira" (limpeza do terreno para a formação do pasto); o grupo era mantido no local por meio de dívidas ilegais e normas trabalhistas básicas eram descumpridas. O juiz, que atuava na ocasião como titular da 2a Vara Criminal de Imperatriz (MA), cumpriu o pagamento de R$ 32 mil aos trabalhadores originários dos municípios de Alto Alegre do Maranhão (MA), Codó (MA) e Buriticupu (MA). Ele assinou também um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para a melhoria das condições na Fazenda Pôr do Sol.

Entradas e Saídas da "Lista Suja" do Trabalho Escravo
Entraram em 29/12/2008

Antônio José Assis Braide - Faz. Santa Rosa, Santa Luzia (MA)
Arilson Alves da Silva - Faz. Boa Esperança (Sto. Antônio), Arapoema (TO)
Benedito Neto de Faria - Faz. Sta. Teresa, São Félix do Xingu (PA)
Daniel de Paiva Abreu - Faz. Sta. Terezinha, Santa Terezinha (MT)
Ecofértil Agropecuária Ltda. - Faz. Ecofértil, Aracati (CE)
Eduardo Dall Magro- Faz. Cosmos, Ribeiro Gonçalves (PI)
Energética do Cerrado Açúcar e Álc. Ltda- Usina Itarumã, Itarumã (GO)
Fatisul Ind. e Com. de Óleos Vegetais Ltda- Faz. Fatisul - Dourados (MS)
Gilson Rocha de M. de Barreiras- Faz. Reunidas, Sta. R. de Cássia (BA)
Isaac Aguiar- Faz. Colônia, Ulianópolis (PA)
José Rodrigues dos Santos - Faz. Ilha/Veneza, Capinzal do Norte (MA)
Marcelo Testa Baldochi - Faz. Pôr do Sol, Bom Jardim (MA)
Marco Antônio Andrade Barbosa - Faz. Guanabara – Ananás (TO)
Odier Alves de Freitas - Faz. Caiçara III - Selvíria (MS)
Raimundo Nonato de Pinho Fº - Faz. São Carlos (Caçula) - Xambioá (TO)
Reflorestar Com. Atac. Prod. Flor. Ltda- Faz.Ouro Verde,Dois Irmãos(TO)
Romildo Contarini - Faz. Santa Luzia - Ipixuna do Pará (PA)
Sebastião C. Moreira Guimarães- Faz Sto Ant.da Laguna, Barro Alto (GO)
Valdir Bueno de Faria - Faz. Grandes Rios, Tijucas do Sul (PR)

Saíram em 29/12/2008

Alcides Rebeschini
Dione Pinho Mourão
Fazendas Reunidas Júlio Avelino S/A
Flávio Pinho de Almeida
Francisco Wagno de Souza
Geraldo Bernardino de Souza
Guilherme Palácio Bezerra
Jairo Carlos Borges
João José de Oliveira
Jorge Mutran Exportação e Importação Ltda.
Luiz Roberto da Silva
Márcio Peixoto Valadão
Maria dos Anjos Alchaar Costa
Modesto Pereira Prates
Oilon Jorge da Costa
Roberto do Carmo Trevisani (Bonifácio Francisco Ramão)
Roberto Gonçalves da Silva
Valdete Soares Castro de Oliveira
Wilson Duarte de Oliveira

O flagrante de escravidão nas terras de Marcelo Testa Baldochi gerou uma sindicância no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) e uma denúncia ajuizada em março de 2008 pelo Ministério Público do Estado do Maranhão. Apesar de já ter sido colocado em pauta por diversas vezes, o plenário do Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre o processo envolvendo Marcelo. Ele está na berlinda, entre o afastamento ou vitaliciamento no cargo público. Durante as oitivas do processo, ele contestou o relatório do grupo móvel sobre a fiscalização na sua propriedade e chegou até a questionar a legitimidade de desembargadores que estão julgando o seu caso e mantêm filhos na magistratura. O corregedor-geral do TJ-MA, desembargador Jamil Gedeon, é o relator do caso de Marcelo.

Paralelamente, o Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do Maranhão (Sindjus-MA) apresentou um pedido de providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em que solicita o posicionamento da instância acerca das denúncias sobre a ligação do juiz Marcelo Testa Baldochi com a exploração de trabalho escravo. O pedido do Sindjus foi distribuído ao conselheiro Técio Lins e Silva. Primeiramente, Técio indeferiu o pedido alegando que não cabia ao CNJ tratar de atos praticados por magistrados na vida privada. O Sindjus recorreu da decisão e houve um acerto para que a questão fosse levada à sessão colegiada do CNJ em 13 de maio de 2008, data que marcou os 120 anos da abolição da escravatura no Brasil. O próprio Técio, contudo, pronunciou novamente contra e a análise do caso não se concretizou.

Diante disso, o Sindjus protocolou um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o CNJ, órgão máximo de controle externo do Judiciário brasileiro, avalie o caso de Marcelo. "Esperamos que essa questão seja julgada em 2009", afirma Aníbal Lins, presidente do Sindjus-MA. Segundo o dirigente, a entidade continuará se dedicando ao caso, especialmente em solidariedade aos movimentos sociais do campo que denunciam a exploração do trabalho escravo contemporâneo.

A conduta do juiz deve entrar na pauta do CNJ por um outro motivo. O plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que o conselho, o Ministério Público e a Corregedoria Eleitoral investiguem a postura de Marcelo Testa Baldochi à frente da comarca de Pastos Bons (MA), com jurisdição sobre Benedito Leite (MA). Marcelo cancelou 400 títulos eleitorais e impugnou três registros de candidaturas a vereador que concorriam nas últimas eleições municipais em Benedito Leite (MA), descumprindo decisão do TSE. Acabou afastado do cargo e substituído pelo juiz Silvio Suzart dos Santos.

Para completar, o juiz Marcelo ainda emitiu outra decisão polêmica como substituto na Comarca de Senador La Rocque (MA). Ele determinou a mudança de instância de trâmite do processo em que o fazendeiro Miguel de Souza Rezende, um dos campeões na reincidência, é réu em mais um crime de escravidão. A promotora de Justiça Raquel Chaves Duarte Sales teme que a decisão do substituto cause "tumulto e prejuízo processual porque Miguel de Souza Rezende tem 76 anos de idade e há risco de que o crime prescreva" (nas próximas semanas, a Repórter Brasil publicará matéria sobre mais este caso envolvendo o juiz Marcelo Testa Baldochi). Um "detalhe" curioso: o advogado que defende Miguel é o mesmo que Marcelo escolheu para auxiliá-lo da acusação de trabalho escravo.

(Por Maurício Hashizume, Repórter Brasil, 30/12/2008)


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