A guerra civil em Darfur, no oeste do Sudão, já matou muita gente – pelo menos 200 mil pessoas, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). Agora, descobre-se também que ela está dizimando árvores. Os números da devastação são imprecisos. Mas as evidências da aniquilação de florestas na região são indiscutíveis. Um relatório concluído em novembro pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP, na sigla em inglês) conta que, em 2004, quem saia do campo de refugiados de Kalma, um dos maiores da região, atrás de uma árvore precisava andar 15 quilômetros. Hoje, a floresta mais próxima está a 75 quilômetros de distância.
No monte Marra, o ponto mais alto de Darfur, a densidade florestal era de 100 árvores por hectare na década de 1990. Em 2004, caiu para metade disso. Hoje, não passa de 20 árvores por hectare. Darfur, localizada no cinturão semi-árido do Sahel, zona de transição entre o Sahara e as florestas úmidas da África central, não é exatamente um lugar conhecido pela exuberância da vegetação. Mas até o início do conflito, em 2003, seus baobás, acácias e mognos africanos eram suficientes para o gasto da população. Em muitas localidades, nem mercado de madeira existia. A perda anual de cobertura florestal quase nunca ultrapassava cerca de um por cento.
A maior parte das necessidades da população por madeira, sobretudo lenha para cozinhar, era suprida com a colheita de galhos secos de árvores que morriam naturalmente. A guerra civil alterou essa equação. O fator da mudança foi a chegada de estrangeiros a Darfur. Eles aportaram por lá nas asas da ajuda humanitária internacional mobilizada a partir de 2004 para separar as facções em luta e reduzir o sofrimento dos 2,7 milhões de refugiados. Vieram como funcionários de ongs e de agências humanitárias, sob o guarda-chuva da própria ONU e, preocupados somente com a questão social, não enxergaram o impacto que sua presença poderia ter na Economia e na natureza regionais.
Essa falta de visão, diz o relatório da UNEP, produziu um desastre ambiental. As agências e ongs, por questões de segurança, concentraram seu pessoal nas quatro maiores cidades da região – Nyala, El Fasher, El Geneina e Zalingei. A presença dos estrangeiros atraiu refugiados para as áreas urbanas e, em pouco tempo, elas entraram em processo furioso de expansão. Para atender a súbita demanda em moradia nas cidades e a necessidade de construção de latrinas nos campos de refugiados, madeira virou mercadoria essencial.
No rumo da desertificação
O aumento da demanda fez o preço do produto aumentar, na média, 40%. Cheirando uma oportunidade de ganhar dinheiro, o mercado madeireiro explodiu. Antes da guerra, segundo a UNEP, não havia mais do que 43 comerciantes de madeira em toda a região. Atualmente, seu número ultrapassa 450. E eles são apenas os intermediários de um mercado que o estudo da UNEP diz envolver praticamente todo mundo que vive em Darfur. Os refugiados chegam a trocar suas rações de comida por madeira, para revendê-las aos comerciantes. As milícias civis de ambos os lados do conflito disputam o controle das florestas que sobram na região com os integrantes do exército federal sudanês.
O principal destino das árvores cortadas são as olarias que fabricam tijolos para atender o boom de construção civil nas cidades. A pesquisa de campo que escora o estudo da UNEP aponta que antes do início da guerra civil, havia em Nyala 300 fornos para fabricar tijolos. Em junho desse ano, já eram 700. Em Zalingei, saltaram de dez, no período pré-conflito, para mais de 200. “As conseqüências ambientais desse crescimento na produção de tijolos é devastadora”, diz o relatório. A UNEP calcula, numa estimativa conservadora, que 52 mil árvores precisem ser cortadas todos os anos, para manter os fornos existentes em atividade.
Não parece muito, mas a demanda, que contribuiu para esgotar os recursos florestais do norte de Darfur, avança sobre o que resta de árvores no Oeste e no Sul. A escassez, ao contrário de reduzir, aumentou o grau de devastação. As olarias, para enfrentar o problema, passaram a usar lenha verde, que queima mais lentamente e é obtida com a derrubada de árvores ainda jovens, com entre cinco e dez anos de idade. “A construção civil é a responsável direta pelos altos índices de desmatamento”, afirma o estudo da UNEP. Mas não é a única pressão que a repentina urbanização em Darfur exerce sobre as florestas da região.
“A produção de mobiliário para habitações, por outro lado, é responsável pela ameaça a espécies específicas, como o mogno africano, ideais para a fabricação desse tipo de mercadoria”, aponta a UNEP. Assustadas com as conseqüências de sua presença para as florestas de Darfur, as agências e ongs humanitárias estão tentando empregar materiais alternativos, feitos com metal, na construção das instalações em campos de refugiados. E lutando para convencer os engenheiros locais sobre a necessidade de usá-los nas habitações que continuam a subir nas cidades. Mas talvez seja tarde demais. Darfur está bem perto de tomar um caminho sem volta no rumo da desertificação.
O desastre florestal provocado pelo afluxo de estrangeiros em Darfur é mais uma face da maldição ambiental que há anos persegue a região. A atual guerra civil tem na sua origem a disputa pelo por recursos naturais. O conflito, que opõe tribos nômades de origem árabes e agricultores familiares africanos, começou em 2003, depois de um período prolongado de seca no Noroeste do Sudão. Sem ter como alimentar e dar de beber aos seus rebanhos, os árabes, com a benção do governo central em Kartoum, invadiram a tiros as terras mais florestadas ocupadas pelos africanos ao Sul. Pelo que diz o relatório da UNEP, em breve as facções em guerra não terão mais razão para se matar.
(Por Manoel Francisco Brito, OECO, 28/12/2008)