A extração e o comércio ilegais de torianita --minério radioativo que contém urânio, tório e um tipo de chumbo usado na montagem de reatores nucleares e bombas de nêutrons-- estão correndo livremente no extremo norte do país há dez meses, sem fiscalização.
O diagnóstico é de quem deveria coibir o contrabando. A Polícia Federal do Amapá, que investiga o comércio clandestino desde 2004 --ano da primeira apreensão de torianita no Estado--, diz que não tem onde guardar o material e, por isso, apesar de receber denúncias, não pode fazer apreensões.
"A investigação foi praticamente suspensa por estarmos de mãos atadas e não podermos apreender nem um quilo de minério", afirma o delegado da PF Felipe Alcântara. Toda extração de torianita é ilegal no país.
Alcântara preside o único inquérito ainda em andamento sobre o contrabando do minério, que, de acordo com a PF, é negociada na rede clandestina por até US$ 300 o quilo.
Outros cinco foram encerrados com o indiciamento dos intermediários, mas sem chegar aos destinatários, diz a PF. Todos os indiciados respondem a processo em liberdade por danos ambientais e nucleares.
No início das investigações sobre o contrabando, há quatro anos, havia participação até do Serviço Antiterrorismo da PF em Brasília. O delegado Ademir Dias Cardoso Júnior, ex-chefe do Serviço Antiterrorismo da PF, diz que a unidade "aportou recursos materiais e humanos para tentar investigar, tendo em vista a sensibilidade do tema e o interesse nacional".
No entanto, diz que a participação da unidade foi interrompida após o vazamento do inquérito a uma revista semanal, em 2006, e, desde então, a investigação é conduzida só pela Superintendência da PF no Amapá. Ele diz que nunca foi produzido relatório conclusivo sobre o destino da torianita.
Desde fevereiro, quando apreendeu cerca de 1,1 tonelada do minério, a PF não faz mais apreensões. O minério, escuro e com densidade alta (um copo de 250 ml de torianita pesa 2,5 kg), é encontrado nas margens de um afluente do rio Araguari, na região central do Amapá.
O delegado teve de recorrer à Justiça para que a Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) enviasse técnicos ao Estado para retirar o material e levá-lo a um laboratório do órgão em Poços de Caldas (MG).
O recolhimento só foi feito em setembro, mas a PF diz que o problema não foi resolvido. Alcântara quer que a Cnen construa um depósito no Amapá para armazenar o material. Ele já recorreu novamente à Justiça, que não se manifestou.
O responsável pelo recebimento da torianita pela Cnen, Antônio Luís Quinelato, afirma que não está entre as funções da comissão receber minérios apreendidos. Ele defende a construção de um depósito, mas diz que o assunto ainda não foi debatido na Cnen.
O material era armazenado provisoriamente em tonéis no Batalhão de Polícia Militar Ambiental, em Santana (22 km de Macapá). Mas o comandante do batalhão, coronel Sérgio do Nascimento, comunicou à PF que não quer mais torianita nas dependências do batalhão.
Segundo o coronel, a unidade abriga projetos sociais, e a presença de material radioativo poderia colocar em risco a saúde de quem circula por ali.
(Por BRENO COSTA, PABLO SOLANO, Folha Online, 27/12/2008)