A paisagem do planalto catarinense e do Vale do Itajaí está mudando. As regiões, que há cerca de dez anos eram repletas de bracatingas, árvore típica dos Estados do sul do país, estão sendo tomadas por plantações de espécies como o pínus e o eucalipto, que podem causar contaminação biológica.
Usada tradicionalmente como fonte de lenha na agricultura familiar --especialmente entre grupos de baixa renda-- devido a sua abundância e alta capacidade de regeneração, a bracatinga (Mimosa scabrella) está sendo gradativamente substituída por espécies estranhas ao ecossistema do Estado.
Segundo Lúcia Sevegnani, professora de engenharia ambiental da Universidade Regional de Blumenau, só no planalto catarinense cerca de metade das áreas em que a árvore ocorre --a floresta de araucária ou ombrófila mista, subtipos de mata atlântica-- foi tomada por espécies exóticas. Ela e outros pesquisadores afirmam que a legislação sobre o uso da bracatinga tem sido responsável por intensificar a diminuição de suas áreas de ocorrência.
Ela explica que a lei inviabiliza o uso da espécie por parte de agricultores familiares, uma vez que limita a exploração a apenas 40% das árvores presentes na área e impõe uma série de custos e burocracias.
A norma a que a professora se refere é a resolução nº 310 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), de julho de 2002.
Letra morta
Pínus e eucalipto vêm ocupando cada vez mais terreno porque são sujeitos a uma regulamentação mais branda e têm custo menor. Para plantar e explorar essas espécies exóticas numa área de até 50 hectares (cerca de 1/3 do parque Ibirapuera), o agricultor só precisa fazer o cadastro ambiental, que custa R$ 55, na Fatma (Fundação do Meio Ambiente), de Santa Catarina. Se quiser explorar bracatinga, terá de gastar cerca de R$ 1.100 pelos papéis para pedir a licença. Além disso, a autorização demora cerca de um mês para sair, contra apenas cinco dias no caso de espécies exóticas.
Arno Arendt, 47, morador de Petrolândia (SC), optou por deixar de cultivar a bracatinga como fonte de lenha há três anos. Produtor de fumo há duas décadas, ele diz ter sido orientado pela empresa fumageira com a qual tem contrato a usar lenha de eucalipto na secagem das folhas de fumo. Hoje, ele mantém apenas 1 hectare dos 5 de bracatinga que possuía.
O técnico agrícola que atende Arendt, Orli Goebel, disse que aconselhou o produtor a não usar a bracatinga por acreditar que ela é uma "mata ilegal", que não pode ser usada.
Além dos pequenos produtores, o ecossistema local também é prejudicado pelo avanço do pínus e do eucalipto. Espécies invasoras são a segunda maior causa de perda de biodiversidade, segundo levantamento do MMA (Ministério do Meio Ambiente), de 2002.
De acordo com Fernando Bechara, professor do curso de engenharia florestal da Universidade Tecnológica do Paraná, essas duas árvores --sobretudo o pínus-- dispersam suas sementes com facilidade e reduzem o espaço ocupado por espécies nativas.
"Ecologicamente, uma plantação nativa sempre será muito mais interessante do que uma plantação de exóticas, porque as nativas possuem relações fortes com a fauna, e as exóticas, não."
(Por Desireê Antônio, Folha online, 27/12/2008)