A contratação de escritório de advocacia para estudo do marco legal do pré-sal resultaria no ferimento de 2 princípios constitucionais EMBORA equivocado, encontra-se disseminado na sociedade brasileira o (pre)conceito de que o serviço público agasalha uma parcela considerável de pessoas (servidores) descompromissadas, lenientes, ultrapassadas, sedentárias, sem grandes iniciativas e despreocupadas, em razão da estabilidade garantida pela Constituição Federal.
É possível que o ministro Edson Lobão (Minas e Energia), compartilhe dessa análise embaçada do serviço público. Sua Excelência se inclina a contratar um ou mais escritórios de advocacia privado para elaborar um estudo denominado "marco legal do pré-sal", vale dizer, da nova fronteira petrolífera descoberta nas profundezas do oceano Atlântico e sob jurisdição brasileira. Pretende contratar não obstante a existência de uma instituição constitucionalmente incumbida da defesa judicial e extrajudicial da União.
Fico a imaginar quanto custará a elaboração de um anteprojeto de lei de exploração de uma reserva petrolífera de algumas dezenas de bilhões de barris de petróleo. Deve valer ouro, ou melhor, "pré-sal".
Mas o ministro Lobão parece não se preocupar com essas questões (sic) "menores". O importante é que o país disponha, no médio prazo, de uma lei "muderna", como aquelas do velho continente, da Noruega ou da Rússia de Putin. E, para tanto, o Estado brasileiro, a União, irá contratar um escritório privado de advocacia. A se confirmar essa estratégia, restará, uma vez mais, rasgado o texto constitucional de 1988. A razão é simples: a vigente Constituição Federal criou a AGE (Advocacia Geral da União) e atribuiu-lhe a representação judicial e extrajudicial da União, sem restrições.
Instalada em 1993, a AGU tem proporcionado ao Estado brasileiro inúmeras vitórias judiciais, que se traduzem numa economia superior a bilhões de reais. Ela é também responsável, no âmbito do Judiciário, por fazer valer políticas públicas judicialmente contestadas.
Tome-se como exemplo o seu braço jurídico fiscal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (vinculada simultaneamente ao Ministério da Fazenda e à AGU), que obteve vitórias expressivas, como a do crédito-prêmio de IPI e da Cide-combustíveis, que proporcionaram aos cofres públicos economia superior a R$ 20 bilhões, pacificando interminável disputa judicial.
Tão logo veiculada a notícia de que o Ministério de Minas e Energia pretende contratar escritórios de advocacia para a elaboração do anteprojeto (marco legal) do pré-sal, o Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal, entidade formada por sete associações e sindicatos das carreiras de advogado da União, procurador da Fazenda Nacional, procurador federal e procurador do Banco Central -que, juntas, representam mais de 90% dos advogados públicos federais-, endereçou ofício ao ministro Lobão alertando para o equívoco e as implicações legais da decisão.
O equívoco reside em desconsiderar o mandamento constitucional que outorgou unicamente a uma instituição federal a defesa da União, o que inclui, por óbvio, a elaboração de projetos de lei e similares, no âmbito do Poder Executivo, como vem ocorrendo nesses 15 anos desde a criação da AGU -e mesmo antes, com a extinta Consultoria Geral da República.
A contratação de escritório privado resultaria no ferimento de dois princípios constitucionais previstos no artigo 37 da lei fundamental da República: moralidade e eficiência. É imoral contratar entidade privada quando todos sabem da existência de um quadro de advogados públicos que se submeteram a rigoroso concurso público de provas e títulos e que carregam mais de 15 anos de experiência diuturna na defesa da União, na elaboração de pareceres e projetos de lei.
Por outro lado, comprometer recursos públicos com a contratação de advogados privados, desconsiderando a existência da expertise dos advogados públicos, significa romper o princípio constitucional da eficiência, o que pode resultar em sanções ao servidor ou agente político.
Esse episódio somente robustece a convicção da necessidade urgente da autonomia da advocacia pública, federal, estadual e municipal. Longe de se apresentar como um pleito corporativista, é, em verdade, um ato de coragem, necessário ao aperfeiçoamento do Estado democrático de Direito inaugurado pela Constituição de 1988, esse documento que, infelizmente, alguns (não raro por interesses inconfessáveis) enxergam somente como uma "folha de papel".
(Por JOÃO CARLOS SOUTO,
Folha de São Paulo, 23/12/2008)