Fiscalização libertou 21 trabalhadores da Carvoaria Ouro Preto, em Tabaporã (MT). Enganados por promessas do dono da propriedade, maranhenses eram mantidos por meio de dívidas contraídas com o transporte e na cantina
O advogado Francisco Dias de Freitas, dono da Carvoaria Ouro Preto no município de Tabaporã (MT), cruzou diversos estados e percorreu certamente mais de dois mil quilômetros pelo país para efetivar o aliciamento de trabalhadores em Monção (MA), a cerca de 250 km a sudoeste de São Luís.
Em Monção (MA), o empregador alugou um veículo (van) para transportar o grupo, dispensando a utilização do "gato". Para convencer os interessados a encarar uma longa jornada até a carvoaria na região Centro-Oeste (mais precisamente a 643 km ao norte de Cuiabá), Francisco prometia um salário de, no mínimo, R$ 500 mensais a cada trabalhador.
O descaso com a Certidão Liberatória, autorização da superintendência regional do Trabalho e Emprego para o transporte da mão-de-obra local para além de sas fronteiras estaduais, já dava indícios, porém, de que as promessas do empregador não eram dignas de crédito.
Quando os maranhenses chegaram à propriedade em Tabaporã, o embuste se confirmou. Primeiro, as despesas com a passagem para o Mato Grosso foram cobradas em forma de dívida. Além disso, as compras de gêneros básicos na cantina da fazenda, bem como a cobrança de uma mensalidade extra de R$ 150,00 por conta dos gastos com a alimentação, só faziam aumentar o débito dos trabalhadores para com o patrão.
Para chegar ao centro de Tabaporã (núcleo urbano mais próximo que ficava a 8 km da fazenda), só à pé ou de carona. O advogado e dono da Carvoaria Ouro Preto não disponibilizava transporte para as pessoas saírem periodicamente do local. Um pacote de suco em pó, que exibia ainda a etiqueta do preço de R$ 0,65, era vendido por R$ 1,00 na cantina. Todas as dívidas eram anotadas no caderno mantido e atualizado frequëntemente.
Fiscalização
Esse foi o cenário encontrado por integrantes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Mato Grosso (MT), que libertaram 21 pessoas (incluindo um adolescente de 17 anos) de condições análogas à escravidão da Carvoaria Ouro Preto. De acordo com os fiscais que estiveram na área, o contingente de explorados desconheciam sequer os valores das dívidas da cantina e do transporte do Maranhão para Mato Grosso.
A maioria dos empregados tinha a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada. O registro, porém, era em nome da empresa prestadora de serviço V. Carlos da Silva ME, pertencente a Valdir Carlos da Silva, motorista de Francisco. Na avaliação dos fiscais, o proprietário visava burlar a legislação trabalhista, pois o empregador de fato era Francisco e não Valdir.
O empregados recebiam por produção e trabalhavam diariamente, sem descanso semanal. Os salários nas CTPSs assinadas era de R$ 456 por mês. Na prática, porém, com a montanha de acúmulo de dívidas, esse não era o recurso mensal que chegava ao bolso das pessoas.
Durante a empreitada, pelo menos dois trabalhadores tiveram que retornar às suas cidades de origem no Maranhão por motivo de doença. Para poder deixar o trabalho, contudo, eles tiveram que transferir a dívida contraída até então para outros que continuaram na carvoaria. O proprietário disse aos fiscais que não tinha conhecimento das anotações das dívidas na cantina.
CondiçõesO alojamento, situado próximo aos fornos da carvoaria, era de madeira e tinha várias frestas e buracos entre as telhas. Não havia luz elétrica nem roupa de cama e os colchões eram muito velhos, sujos e gastos. O esgoto corria a céu aberto próximo do local. A água utilizada vinha de uma nascente próxima. Nas frentes de trabalho, não existia água potável.
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) não eram utilizados: o grupo laborava em fornos, sem qualquer proteção para braços ou cabeça. Também não tinham máscaras ou óculos de proteção contra cinzas e demais substâncias tóxicas. Quando a fiscalização chegou, os empregados estavam com chinelos ou descalços. Muitos estavam sem camisa.
O empregador não conseguiu os recursos para pagar as verbas rescisórias dos funcionários. Pagou, porém, a passagem de volta ao Maranhão e pagou somente o salário de novembro. O valor das rescisões ainda está pendente: o Ministério Público do Trabalho (MPT) deve ajuizar uma ação civil pública por dano moral individual e dano moral coletivo.
(Por Bianca Pyl,
Repórter Brasil, 23/12/2008)