Depois de 48 dias presos sob a acusação de roubarem restos de eucalipto da Aracruz Celulose, o juiz Marcus Antônio Barbosa de Souza, da 2º Vara Criminal de Conceição da Barra, norte do Estado, concedeu liberdade condicionada para os quilombolas Edivaldo Jerônimo, Valdete Jerônimo e Edival Jerônimo Florentino.
A liberdade condicionada, segundo o assessor jurídico Jassenildo Reis, do Programa de Defesa aos Defensores dos Direitos Humanos em Risco de Ameaça, só foi concedida depois da segunda defesa prévia protocolada em favor dos negros.
“O que se observa, claramente, é que o Judiciário, o Ministério Público e a polícia ou não conhecem nada sobre quilombola, ou realmente fazem o jogo da empresa. As comunidades quilombolas são tratadas como um povo violento, em desacordo com a realidade. Eu prefiro pensar que não conhecem nada sobre os quilombolas, porque o que se vê não dá nem para acreditar”, ressaltou Reis.
Segundo ele, os quilombolas continuam respondendo à acusação de roubo de eucalipto e deverão comparecer ao juiz sempre que solicitados, até que seja concedida a sentença final.
Durante todo o processo, a afirmação do assessor jurídico era de que não havia motivo para os quilombolas serem mantidos presos, já que se tratava de um crime no qual o comum seria aguardar o julgamento em liberdade.
Da mesma maneira, os três quilombolas foram mantidos presos separadamente, dois em Conceição da Barra e um em Pancas, sem que houvesse a necessidade, caracterizando a sobreposição dos interesses econômicos da região aos sociais, já que todos os negros são da família de um dos maiores lideres quilombolas da região, Berto Florentino.
Berto é o líder dos catadores de resíduos de eucalipto e membro do grupo folclórico Ticumbi, e também um dos últimos a não se intimidar com as ameaças da empresa. Já foi vítima duas vezes de invasão à sua casa, em busca de armas que pudessem incriminá-lo. Mas nada foi encontrado e vários móveis foram destruídos.
Os quilombolas foram presos no dia 31 de outubro em uma área onde a Aracruz Celulose já havia feito o corte do eucalipto, e só restavam galhos secos. Os descendentes de escravos estavam se preparando para catar os restos de eucalipto, que é lixo para a empresa, quando foram surpreendidos pela milícia armada da Aracruz, a Visel, com o apoio da Polícia Militar. Não foi encontrado nada com eles.
Mesmo com a cata dos restos de eucalipto permitida na região – resultado de um acordo firmado entre a empresa, os quilombolas e a prefeitura de Aracruz – os negros foram levados à prisão e autuados por furto de eucalipto.
O acordo entre as partes foi uma das maneiras da Aracruz Celulose se manter na região e combater a luta quilombola. Depois de destruir a terra e deixar os quilombolas ilhados, o único meio de sustento que restou a estas famílias foi a produção do carvão, que usa os restos de eucalipto da empresa.
Ao todo, de 50 mil hectares pertencentes aos negros na região de Conceição da Barra e São Mateus, a maioria é ocupada pela empresa, que expulsou os quilombolas de suas terras, na época da ditadura militar.
(Por Flavia Bernardes,
Século Diário, 23/12/2008)