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transgênicos
2008-12-23

No Boletim 421 contamos que Michael Hansen, cientista sênior da ONG americana Consumers Union e um dos maiores especialistas no mundo em riscos dos transgênicos à saúde, estivera em São Paulo no final de novembro participando de evento realizado pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Dissemos também que, ao longo de outros números deste Boletim, relataríamos algumas das novas evidências científicas que demonstram que os transgênicos que já estão sendo plantados e consumidos em diversos países colocam para as populações riscos que não foram devidamente avaliados. E basta um mínimo de seriedade e independência na pesquisa científica que a verdade começa a aparecer...

Muitos estudos já identificaram que lavouras Bt, especialmente aquelas contendo as proteínas Cry1Ab ou Cry1Ac, podem ser alergênicas ou imunogênicas. Para quem não se lembra, os cultivos Bt são aqueles letais a determinadas classes de insetos.

Uma pesquisa sobre o milho Bt da Monsanto MON 863, por exemplo, já encontrou evidências consistentes mostrando efeitos imunológicos e alergênicos. Estes estudos técnicos estão coerentes com incidentes em campo que também sugerem problemas alergênicos: agricultores em campos cebolas nos EUA, milho Bt nas Filipinas e algodão Bt na Índia.

Falaremos hoje de fenômenos que estão sendo verificados na Índia associados ao cultivo do algodão transgênico Bt.

Uma pesquisa realizada em dois distritos do estado indiano Madhya Pradesh cobrindo 5 cidades entrevistou 23 pessoas que vinham sendo expostas ao algodão Bt. Todas tinham sintomas de pele: coceira (23), vermelhidão (19) ou erupções (20). Os sintomas tendiam a ocorrer na face (17), mãos (15) e pés (11). Quase metade do grupo entrevistado (11) tinha sintomas nos olhos: coceira, vermelhidão e/ou inchaço. Cerca de 40% tinham sintomas no trato respiratório superior, nariz escorrendo e/ou excesso de espirros. Quase 90% das pessoas apresentavam sintomas, fosse de forma moderada (10) ou severa (10).

Os sintomas se manifestavam predominantemente nas partes do corpo que ficavam expostas (rosto, mãos, pés, pescoço, olhos e trato respiratório). Catorze pessoas manifestavam os sintomas somente nas partes expostas e 8 em ambas as partes cobertas e expostas. Somente 1 entre os 23 entrevistados tinha sintomas somente nas partes cobertas do corpo.

Quase 80% dos entrevistados (18) eram expostos ao algodão transgênico no campo, e 4 eram expostos em casa. Quase 74% (17) estavam diretamente envolvidos na colheita do algodão.

E o mais impressionante: os sintomas começaram nos dois anos que antecederam a pesquisa, justamente quando o algodão Bt foi introduzido na Índia. Além disso, os sintomas das pessoas aumentavam em severidade quando elas continuavam a trabalhar nos campos de algodão e diminuíam quando elas paravam de trabalhar.

Evidências no mesmo sentido foram encontradas também em usinas de descaroçamento de algodão.

O dono de uma usina notou que “a maioria dos trabalhadores estava tendo problemas de pele relacionados ao algodão Bt”.

Entrevistas detalhadas com 6 trabalhadores em diferentes usinas de descaroçamento revelaram que todos tinham problemas nas partes expostas do corpo (mãos, pernas e rosto), e 2 estavam tendo erupções pelo corpo. Os funcionários trabalhavam nas fábricas havia entre 2 e 7 anos, mas os sintomas só haviam começado no ano anterior à pesquisa, com a introdução do algodão Bt.

Uma outra pesquisa divulgada em novembro deste ano também chegou a resultados preocupantes. Uma investigação em 4 cidades na região de Hissar (um dos mais importantes distritos do estado de Haryana) conduzida por dois experientes veterinários entrevistou 20 famílias. As descobertas incluem problemas reprodutivos em búfalos e em rebanhos de ovelhas e cabras (redução de fertilidade, fetos abortados, nascimentos prematuros e morte de filhotes), efeitos de toxicidade ocasionando mortes súbitas e inexplicadas, assim como menores produções de leite e de teor de gordura no leite.

Os incidentes são mais facilmente correlacionados à estação de colheita do algodão Bt. A redução na produção de leite também está mais facilmente identificada com a introdução do algodão Bt: costuma-se dar ração com sementes de algodão aos animais, assim como sementes de algodão cozidas às reses em lactação para aumentar a produção de leite e o teor de gordura no leite. Ao invés de aumento em ambos os parâmetros, à medida em que o inverno se aproxima está sendo verificada uma marcada redução, em média de 25%.

Audiência pública discute entrada de empresa chinesa de sementes transgênicas de algodão e mamona no Ceará

A notícia de que o governador Cid Gomes e o presidente da Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece), Antonio Balhmann reuniram-se com o presidente e o vice da BioCentury Transgene -- maior empresa chinesa na área de transgênicos -- para negociar a implantação de um laboratório de sementes de algodão e mamona transgênicos no estado (Boletim 413) motivou organizações de agricultores a solicitar ao deputado Lula Morais que requeresse a convocação de uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Ceará para discutir o tema.

A audiência foi realizada em novembro último. A Adece não se fez representar, o que foi lamentado por deputados presentes.

O agrônomo Pedro Jorge Lima, da ONG Esplar, iniciou sua fala lembrando que Antonio Balhmann apontara as sementes transgênicas como uma alternativa capaz de consolidar a Agricultura Familiar através da retomada da cotonicultura. Esta afirmativa e a preocupação dos agricultores familiares com relação aos perigos do algodão transgênico levaram a Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (Adec), os Sindicatos de Trabalhadores/as Rurais de Parambu, Quixadá, Choró, Canindé, Massapê, Sobral, Forquilha e Santana do Acaraú, e o Esplar, a se mobilizarem para debater o tema e mostrar os riscos que as sementes transgênicas representam para a produção agroecológica.

Além dos riscos já levantados sobre a saúde humana e animal e outros problemas ambientais também já conhecidos, como a contaminação de variedades crioulas e nativas de algodão, os regulamentos internacionais da certificação orgânica proíbem o uso de sementes ou qualquer insumo transgênico nesse tipo de agricultura. Os algodões transgênicos podem portanto inviabilizar o acesso aos mercados da produção agroecológica através da contaminação com grão de pólen transgênico.

Atualmente, no Ceará, a produção agroecológica de algodão em sistemas consorciados com milho, feijão, gergelim e outras culturas alimentares é desenvolvida por cerca de 340 agricultores/as familiares que, em 2008, colheram cerca de 82 toneladas de algodão em rama, vendidas para a empresa francesa Veja Fair Trade, do comércio justo. Esse algodão vai para Rio Grande do Sul para a fabricação tênis, que depois são vendidos no mercado europeu. Outros destinos do algodão agroecológico cearense são a Cooperativa Justa Trama, do mercado solidário, que tem confecções no Rio Grande do Sul, e a Coop Natural, de Campina Grande, na Paraíba.

Pedro Jorge concluiu dizendo esperar que as exposições e debates durante a audiência pudessem sensibilizar as autoridades do estado a direcionar seu apoio para a agricultura familiar de base agroecológica, descartando qualquer possibilidade de apoiar a produção de transgênicos no Ceará.

Nicolas Fabre, representante oficial do secretário de Desenvolvimento Agrário, Camilo Santana, deixou muito clara a posição daquela secretaria, materializada no Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável, destinado à Agricultura Familiar, que foi gestado em reuniões realizadas em 166 municípios, com mais de 2.600 representantes de organizações da Agricultura Familiar dos Movimentos Sociais e técnicos de instituições públicas, ONGs e Universidades.

Na apresentação do referido plano, o governador Cid Gomes e o secretário Camilo Santana afirmam que “O instrumento ora apresentado (o plano), em permanente processo de construção e reconstrução coletiva, destaca a esperança partilhada, de ser esse o início de um longo e consistente caminho a percorrer, rumo à incorporação nas políticas públicas, de valores e concepções do desenvolvimento humano, a agroecologia, da socioeconomia solidária, da ética, da sustentabilidade ambiental e da conivência criativa com o semi-árido.”

Em sua conclusão, Fabre afirmou: “Não podemos apoiar nenhum projeto voltado para transgênicos no Ceará”.

O chefe geral da Embrapa Algodão, Napoleão Beltrão, lembrou a parceria da Embrapa com o Projeto Dom Helder Câmara e o Esplar, em que cinco pesquisadores da Embrapa Algodão estão engajados no projeto algodão em consórcios agroecológicos, visando o desenvolvimento da produção no semi-árido. Para Beltrão (que não deixou de, no início de sua fala, deixar claro que a posição institucional da Embrapa é a de “como empresa pública, atender as demandas da sociedade investindo em agroecologia para a agricultura familiar e transgênicos para o agronegócio”), os transgênicos não são solução para resolver os problemas do algodão no semi-árido. Ele lembrou ainda que no Mato Grosso os algodões transgênicos Bt estão tendo o efeito tóxico a insetos anulado pelo surgimento de resistência por parte das lagartas e que a produtividade das variedades transgênicas não difere das variedades convencionais -- ressaltando que os Estados Unidos já utilizam algodões transgênicos há 15 anos e desde então a produtividade continua a mesma.

Com todas estas evidências, a medida de maior bom senso que as autoridades cearenses poderiam tomar neste momento é evitar a todo custo que o algodão transgênico seja introduzido no estado, ao invés de incentivar sua disseminação. Se a pressão da sociedade não for suficiente, que os céus se mobilizem logo para iluminar as autoridades!

(La Biodiversidad, 22/12/2008)


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