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assentamentos reforma agrária conflito fundiário incra
2008-12-23

Lula se baseia em dois princípios: não fazer a reforma agrária nas áreas do agronegócio e, fazê-la nas áreas onde ela possa “ajudar” o agronegócio

O II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) terminou em 2007 e poucos se lembraram deste fato, ou seja, o governo Lula só faz a reforma agrária se quiser, pois, não tem mais nenhum plano para isso. Mas, o MDA/Incra continua produzindo “factóides” para enganar a sociedade através da mídia com notícias tais como: novo estudo sobre os índices de produtividade, ou então, há muitas terras sendo compradas por estrangeiro no Brasil. Aliás, o órgão governamental encarregado de cuidar desta última questão é o próprio Incra, e não se sabe por que ele não toma as providências contra estas vendas se elas por acaso, são irregulares. Quanto aos novos índices de produtividade que nunca têm sido decretados pelo governo Lula, é mais uma notícia do “me engana que eu gosto”.

Por outro lado, o mesmo MDA/Incra, como tem feito sistematicamente, não publica automaticamente os dados da reforma agrária, agindo como se não fossem órgãos públicos que devem prestar conta de suas atividades à sociedade. É por isso que, somente agora no final de 2008, estão aparecendo os primeiros resultados de 2007.

Como todos se recordam o II PNRA tinha como meta um, implantar em cinco anos 550 mil novos assentamentos, e, como meta dois, regularizar 500 mil posses. Além, é óbvio, da meta três relativa ao Programa Nacional de Crédito Fundiário (ex-Banco da Terra do Banco Mundial) que previa assentar mais 150 mil famílias, e da meta sete que previa reconhecer, demarcar e titular as áreas das comunidades remanescentes de quilombo.

Mas, infelizmente, o MDA/Incra insiste em tentar confundir a todos divulgando que assentou, nos 5 anos do II PNRA, um total de 448.954 famílias. Tenho escrito que esses dados divulgados pelo governo Lula sobre a reforma agrária, referem-se à Relação de Beneficiários emitidas, as “famosas” RBs. Assim, continuo a tarefa de esclarecer a todos que as RBs não se referem apenas aos assentamentos novos, elas são emitidas também para os assentamentos relativos à regularização fundiária (Resex, PAE, etc). As RBs são também emitidas para regularizar a situações das famílias dos assentamentos antigos reconhecidos pelo Incra para que os já assentados tenham acesso às políticas públicas. Elas são inclusive emitidas para regularizar a situação de assentados em decorrência de herança, daqueles que compraram lotes de boa fé, e daqueles que foram substituídos nos assentamentos antigos por abandono ou outros motivos permitidos por lei, etc.

Assim, mesmo com muitos limites, é possível começar a fazer o balanço do II PNRA. Mas, os dados das RBs divulgados pelo INCRA, em decorrência dos motivos apontados anteriormente, precisam ser desagregados. Feita esta desagregação, entre 2003 e 2007 o governo Lula assentou apenas 163 mil famílias referentes à meta um – novos assentamentos. Portanto, cumpriu somente 30% da meta de 550 mil famílias que ele tinha prometido assentar. Não cumpriu também a meta dois que referia à regularização fundiária de 500 mil posses, pois regularizou apenas a situação de 113 mil famílias, ou seja, atingiu apenas 23% da meta. Entre os dados restantes estão 171 mil famílias referentes à reordenação fundiária, ou seja, a situação de regularização em assentamentos antigos, e o que é mais absurdo a inclusão de cerca de duas mil famílias referentes à reassentamento de atingidos por barragens, que em absoluto trata-se de reforma agrária.

Quando se observam os dados relativos as 163 mil famílias de fato assentadas pela reforma agrária, verifica-se que em termos regionais a distribuição do percentual de cumprimento de metas, foi o seguinte: região Norte cumpriu 19%, Nordeste 43%, Centro-Oeste 31%, Sudeste 20%, e, Sul 19%. Há estados que inclusive, cumpriram índices baixíssimos como, por exemplo, o Rio Grande do Sul que atingiu apenas 15% das metas, Rio de Janeiro 16%, Sergipe 18%, Santa Catarina 19%, Minas Gerais 20%, Paraná 21%, Espírito Santo e São Paulo 22%, Mato Grosso 23%, e etc. Entre as unidades que cumpriram mais da metade das metas, estão apenas o Maranhão que alcançou 54%, o Piauí 58% e a superintendência do médio São Francisco 71%.

Assim, como tenho afirmado a política de reforma agrária do governo LULA está marcada por dois princípios: não fazê-la nas áreas de domínio do agronegócio e, fazê-la apenas nas áreas onde ela possa “ajudar” o agronegócio. Ou seja, a reforma agrária está definitivamente, acoplada à expansão do agronegócio no Brasil. É como se estivesse diante de uma velha desculpa: o governo Lula finge que faz a reforma agrária, e divulga números maquiados na expectativa de que a sociedade possa também, fingir acreditar.

Mas, a primeira e principal conclusão que se pode tirar do balanço do II PNRA, é apenas e tão somente uma: o governo Lula do Partido dos Trabalhadores também não fez a reforma agrária. Afinal esperava-se que Lula cumprisse sua histórica promessa de fazer a reforma agrária, a pergunta então deve ser: porque também seu governo não faz a reforma agrária? E, a resposta também é uma só: seu governo decidiu apoiar totalmente o agronegócio.

Mais uma prova cabal desta aliança com o agronegócio e contra os camponeses e os trabalhadores rurais do país, está em muitas páginas do recém lançado Plano Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC) (www.mma.gov.br). Na ocasião do lançamento as informações que ganharam divulgação foram aquelas sobre a proposta de diminuição dos indicadores de desmatamento na Amazônia. Mas, entre outras informações sobre a aliança do governo Lula com o capital monopolista mundializado, está a previsão de expansão do setor sucroalcooleiro entre 2008 e 2017 para produzir 52,2 bilhões de litros de etanol para o mercado interno e 8,3 bilhões para exportação. A única questão que o PNMC não cita é: qual a área necessária para se produzir essa quantidade de etanol? Ora, como a produção em 2008 é de 24,5 bilhões de litros de etanol e a área plantada de cana-de-açúcar ocupa 9 milhões de hectares, será necessário ampliar a área em mais de 13 milhões de hectares, atingindo assim, uma extensão de mais de 23 milhões de hectares. Mas, este assunto será tratado no próximo artigo. É por tudo isso, que a palavra de ordem deve continuar sendo:

- Por um III PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária sob controle político dos camponeses sem terra.

(Por Ariovaldo Umbelino*, Brasil de Fato, 22/12/2008)
*Professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera, é autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997).


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