A comunidade científica, de modo geral, costuma circunscrever suas opiniões aos ambientes acadêmicos. Não é comum que ela lance mão de protestos públicos, levados às ruas. Hoje, porém, moradores da cidade de São Paulo poderão ser testemunhas de uma manifestação singular. Ás 18 horas, saindo do Espaço Público do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na avenida Paulista, acontece o “Protesto dos Capacetes: Não ao Decreto 6640”.
Este Decreto governamental, como se sabe, interfere nos critérios de relevância das cavernas e grutas brasileiras, flexibilizando seu uso. Desde o início, foi rechaçado pelos espeleólogos (cientistas que estudam esse tipo de formação natural), que vêm tentando derrubar a nova legislação sob vários argumentos - leia na reportagem EXCLUSIVO: Abaixo-assinado tenta demover Governo de alterar normas de proteção às cavernas brasileiras, de 3 de novembro passado.
“Isto abre a possibilidade de destruição de muitas cavernas, cuja importância e valor científico serão categorizados de forma estranha”, diz uma mensagem convocando para a manifestação enviada a AmbienteBrasil. “Relevância alta, protege... será? Relevância baixa... dinamite nelas!”
O movimento estima reunir cerca de mil pessoas, entre professores, pesquisadores, profissionais liberais, estudantes, ONGs e simpatizantes da causa. Os espeleólogos estão sendo estimulados a participar usando seus capacetes, aos quais em geral é acoplado um sistema de iluminação. A idéia é seguir, com esse equipamento aceso, em caminhada até as sedes da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e do Ibama.
“O objetivo principal é chamar a atenção dos autores principais do Decreto 6640, que permite a destruição de quase 80% do nosso patrimônio espeleológico - o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc; a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e, claro, quem o assinou, o presidente Lula”, disse a AmbienteBrasil a pesquisadora Maria Elina Bichuette, do Laboratório de Estudos Subterrâneos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo.
“Também queremos chamar a atenção da sociedade civil, mostrando a relevância das cavernas brasileiras, seu valor intrínseco e científico, e como elas vêm sendo tratadas pelas nossas autoridades”, continua ela. O movimento está sendo organizado pela Redespeleo Brasil e pela Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE).
Além da manifestação de hoje, tramita um pedido de suspensão do Decreto no Poder Legislativo, de autoria do deputado federal Antonio Carlos Mendes Thame. Em sua justificativa, o parlamentar diz que “este é caso único de diploma legal expedido em decorrência da competência conferida ao Poder Público para proteger e preservar um patrimônio ambiental natural que prescreve sua destruição, pasmem!”.
Entre os argumentos utilizados por ele, está não haver consenso de que seja sequer possível classificar cavernas de acordo com seu grau de relevância. “Apenas começamos a conhecer o patrimônio espeleológico brasileiro; além disso, muitos dos aspectos envolvidos não são quantificáveis numericamente, ou são subjetivos e mudam de acordo com a evolução da sociedade e o avanço da ciência”, pondera Thame.
“Solicitamos e contamos com o respaldo de nossos pares para impedir a invasão de competência constitucional representada pelo Decreto 6.640/2008, e obstar este atentado ao patrimônio ambiental e ecológico brasileiro”, finaliza.
O clamor pela sustação do Decreto, em forma de abaixo assinado, contabilizou mais de 3.000 adesões e a Sociedade Brasileira de Espeleologia formalizou-o, em pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ao Procurador Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 22/12/20008)