A petista Ana Júlia de Vasconcelos Carepa começou na política como líder estudantil, na Universidade Federal do Pará. Arquiteta, passou a atuar no movimento sindical. Foi funcionária de carreira do Banco do Brasil e representante dos trabalhadores no Conselho Nacional da instituição. Em 1992, elegeu-se vereadora em Belém e quatro anos depois chegou à Câmara dos Deputados. Foi vice-prefeita de Belém do Pará em 1997 e depois deputada federal. Nas últimas eleições, Ana Júlia foi eleita governadora do Estado do Pará, depois de uma disputa acirrada. O Pará foi um dos Estados que recebeu auxílio de tropas federais para garantir a segurança da votação. Na última semana, surgiram denúncias de apreensão de cerca de 9.000 jornais apócrifos contra Ana Júlia, material que teria sido produzido pelo PSDB.
A algumas semanas da realização do Fórum Social Mundial 2009, na capital paraense, Carta Maior esteve em Belém e conversou com Ana Júlia. Para ela, a realização desta edição do encontro em um dos estados da Amazônia é “provar a sociedade que é possível sim um mundo mais justo, onde as pessoas possam realmente usufruir do produto da riqueza dos recursos naturais, mas sem precisar destruir o meio ambiente. Que a população possa se apropriar das nossas riquezas, até porque elas até então foram apropriadas por poucos”.
Carta Maior – Qual a importância do Fórum Social Mundial na visibilidade das políticas públicas realizadas pelo Governo do Pará?
Ana Júlia Carepa – Para nós, o Fórum é importante principalmente nesse momento em que se discute uma crise que tem origem exatamente nos países desenvolvidos. Para mostrar que é possível um novo modelo de desenvolvimento que nós, como governo, estamos fomentando na Amazônia. No estado mais populoso da Amazônia. Nós entendemos a importância de demonstrar nossas políticas públicas, mas sabemos que é mais importante fortalecer essa discussão dos movimentos sociais, de organização, de escolha de modelos de sociedade que queremos. Frente à crise, é importante discutir isso em plena Amazônia. O Fórum é fundamental politicamente também, porque nós sabemos que existe essa disputa de visão, principalmente para o governo que tem que trabalhar com toda a sociedade.
Muitas vezes nós sofremos críticas porque trabalhamos especialmente pra uma parcela da sociedade. Para que essa parcela tenha acesso a políticas públicas que faltaram durante muitos anos, e também para que essa parcela possa ter acesso à informação e conhecimento da melhor qualidade. Para fazer essa disputa em termos de modelo é importante que os movimento sociais estejam organizados e fortaleçam essa visão. Para provar à sociedade que é possível sim um mundo mais justo, onde as pessoas possam realmente usufruir do produto da riqueza dos recursos naturais, mas sem precisar destruir o meio ambiente. Que a população possa se apropriar das nossas riquezas, até porque elas, até então, foram apropriadas por poucos.
As nossas políticas públicas vão aparecer, como o Navega Pará, o Bolsa Trabalho que já recebeu prêmio como uma das melhores práticas em relação a nossa juventude. Segundo o Banco Mundial, é o melhor programa de capacitação de jovens em execução na América Latina. Nossa meta é atingir 120 mil jovens até 2010.
E o outro aspecto é o de receber as milhares de pessoas que poderão conhecer as belezas da Amazônia. O turismo que ajuda a gerar emprego e a distribuir renda será importante também. Nós vamos mostrar que não vai ser um caos, que vamos ter uma cidade com segurança. Belém não vai, em dois anos, conseguir superar todas as carências históricas que ela tem nem, mas o Governo do Estado deu passos significativos para que todos os investimentos que estamos fazendo possam ser apropriados pelas pessoas.
Em Porto Alegre, o Orçamento Participativo sempre foi um tema muito caro às discussões do Fórum. Quais experiências de democracia participativa o Pará tem para mostrar e debater durante este FSM?
Ana Júlia – O Pará vai demonstrar o Planejamento Territorial Participativo (PTP), que é uma iniciativa semelhante ao Orçamento Participativo, mas é uma realização característica aqui do nosso estado, com uma forma diferenciada. Até porque a participação popular é um processo que se aperfeiçoa e se adapta à realidade de um local. Aqui, nós fomos aos 143 municípios do Estado do Pará e decidimos prioridades para o Plano Plurianual, que vão ser feitas ao longo de todo governo. Foram eleitos conselheiros em todas as regiões, nós temos 12 conselhos regionais e um estadual. Esses encontros dentro do PTP que vão fortalecer a participação popular e o controle social, que é uma coisa na qual a gente acredita muito, na participação democrática da sociedade na definição dos rumos da gestão.
Nas edições anteriores do FSM, em Porto Alegre, contou-se com o apoio da Prefeitura e, no primeiro ano, também do governo do Estado. Na Venezuela, o apoio era federal. Aqui, a realidade é nova. Como se dá essa relação entre o governo estadual, o governo federal e as outras prefeituras paraenses?
Ana Júlia – A relação com o governo federal é excelente, foi nosso parceiro na organização e na concepção dos projetos necessários para que a cidade tivesse condições de receber o Fórum e de que ele acontecesse da forma mais bem estruturada possível. Com os municípios, eu diria que não foi tão simples. Eu espero que aconteça um empenho maior da Prefeitura de Belém, principalmente nas ações para a realização do Fórum. O que eu acho importante, e isso eu ouvi de uma das pessoas do Comitê Internacional, é que esse Fórum tem uma característica fundamental. Reconhece-se todo o esforço feito em Porto Alegre, outros lugares do mundo não deram apoio nenhum. Na Venezuela, já foi o contrário, por pouco não se perde a autonomia. E o Comitê reconhece que aqui no Pará essa relação com os governos federal e estadual foi muito boa. Lógico, algumas tensões sempre acontecem, mas aqui existe um apoio sem necessariamente substituir a coordenação, até porque esse não é o nosso papel.
Nós vamos participar do Fórum de Autoridades Locais e não abrimos mão de mostrar as políticas públicas do nosso governo como uma alternativa. O Fórum chegou num momento decisivo, inclusive da existência dele. O encontro precisa dizer a que veio, mostrar para a sociedade como as coisas acontecem de forma concreta, as propostas de rumos, de como nós achamos que a sociedade deve se organizar, como o Fórum pensa as políticas públicas. Nós queremos fazer uma demonstração clara das nossas políticas públicas.
O nosso Um Bilhão de Árvores, por exemplo, é o maior programa de reflorestamento e recomposição florestal do planeta. Mostrar que é possível agregarmos valor aos nossos recursos naturais, como queremos fazer com o nosso minério, transformando nosso ferro em emprego, em desenvolvimento, em distribuição de renda. Nós somos a maior província mineral do mundo, produzimos ferro, mas esses empregos são gerados em outros países. Ora, é mais do que justo fazer com que esses empregos sejam gerados aqui no Estado do Pará. Nós não vamos abrir mão de mostrar isso pro Brasil e pro mundo. Pro mundo todo e pro Brasil.
Uma das grandes bandeiras deste governo é promover este desenvolvimento diferenciado. Como essa idéia se estrutura dentro das discussões do Fórum, ainda mais se pensarmos que a crise econômica será tema constante do encontro?
Ana Júlia – Isso reforça a nossa política, a nossa visão de sociedade e o que nós incentivamos de desenvolvimento. Um desenvolvimento que depende menos dos centros financeiros do mundo, que funciona a partir dos nossos recursos naturais e da valorização deles. É isso que temos que mostrar ao mundo. Eu particularmente já estive na Inglaterra, a convite do Príncipe Charles e nos Estados Unidos a convite do governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, para mostrar que é necessário aprovar uma compensação para que a população aqui possa fazer com que o desmatamento seja evitado. É a compensação pelo desmatamento evitado e isso é justo e legítimo. Porque as pessoas aqui precisam viver e precisam viver com dignidade, ter acesso à água, à habitação, saúde e moradia digna.
É mais do que justo que para que a floresta seja mantida em pé, as pessoas que vivem na floresta recebam por isso. Eles estão cuidando de um patrimônio que beneficia não só o povo do Pará, mas o povo do mundo.
Nós estamos fomentando esse novo modelo de desenvolvimento, sabemos que precisamos ter muitos investimentos na área de infra-estrutura, transporte, saneamento e abastecimento de água. Mas não temos dúvida de que o caminho para termos um desenvolvimento com sustentabilidade social e ambiental é o melhor. A marca do nosso governo é a inclusão social. Estamos transformando esperanças e sonhos em realidade. Isso é fundamental e vamos mostrar que é possível.
Nesse sentido, qual a importância do Fórum de Autoridades Locais?
Ana Júlia – A importância está na direção do próprio Fórum. Você realiza um evento como esse onde você traz autoridades municipais, estaduais, mas também do mundo inteiro. E essa troca de experiências entre quem tem identidade com os princípios do Fórum é ótima, porque o mundo precisa conhecer coisas positivas. É importante que a gente fomente isso no imaginário da população, que a gente ganhe corações e mentes para mostrar que é possível um novo mundo. Que não é só essa governadora mulher, ousada, do PT que está fazendo isso, são pessoas pelo mundo inteiro. E o Fórum de Autoridades Locais vai ajudar na troca de experiências de participação popular e de democracia que podem avançar mais ainda na execução das políticas públicas.
A imprensa tem publicado críticas sobre a organização do Fórum aqui. Alguns veículos da grande imprensa dizem, por exemplo, que o Governo Federal estaria “enterrando dinheiro” no Estado do Pará, como se o Fórum fosse um evento sem importância. O que a senhora pensa sobre a herança do FSM para a cidade?
Ana Júlia – Olha, dos R$ 129 milhões, grande parte disso é do Governo Federal. Deste total, um volume de apenas R$ 6 milhões não resultará em benefício direto para a população. São aqueles recursos para montar palco, fazer iluminação, ou seja, é uma parcela muito pequena. Todo o restante vai ficar para o povo do Pará e para a população que mais precisa. Talvez essa imprensa maledicente ache que não haja necessidade de investir no povo pobre. Para que enterrar dinheiro no Estado do Pará? Essa é uma concepção preconceituosa mesmo. Todo esse recurso vai ficar como saneamento, drenagem, pavimentação, iluminação pública, habitação. É um benefício imenso para a sociedade do entorno. Isso só o investimento direto no Fórum. Os recursos do PAC no entorno chega a R$ 368 milhões que vão mudar a vida de todas as pessoas que moram nessa região. Eu quero dizer que o povo do Pará agradece esses recursos e nós vamos mostrar ao Brasil e ao mundo como isso vai ser benéfico para a população que mais precisa.
(Por Clarissa Pont e Mauricio Thuswohl, Carta Maior, 20/12/2008)