No dia 9 passado, o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos trouxe a público mais um livro - Diálogos Geológicos: é preciso conversar mais com a Terra -, publicado pela editora O Nome da Rosa. O lançamento aconteceu no Auditório Ernesto Pichler, da antiga Divisão de Geologia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, instituição onde ele trabalhou por quase 30 anos.
Membro assíduo do time de articulistas de AmbienteBrasil, Álvaro vem caracterizando seus textos pela clareza com que cobra dos poderes públicos “a necessidade de se proceder a gestão do uso e ocupação do solo também sob uma ótica geológica”.
Com base nesse entendimento, ele diz que o livro recém-lançado pode colaborar bastante para que técnicos, administradores públicos e sociedade entendam que é "perfeitamente possível evitar catástrofes como a que ocorreu em Santa Catarina".
AmbienteBrasil fez com ele a seguinte entrevista.
AmbienteBrasil – No que o conhecimento geológico pode prevenir tragédias como a de Santa Catarina?
Álvaro Rodrigues dos Santos - O livro deixa muito clara a imperiosa necessidade de qualquer tipo de empreendimento humano levar em conta as características geológicas dos terrenos onde se implantam, e mostra como isso deve ser feito. Melhor explicando, essas características geológicas são expressas em documentos preparados por geólogos e engenheiros geotécnicos, com especial destaque para as Cartas Geotécnicas. Essas cartas identificam os diferentes terrenos e feições geológicas existentes, indicando para cada dessas feições suas particularidades e como responderão frente ao tipo de empreendimento que se pretenda implantar.
No caso das expansões urbanas, a Carta Geotécnica indica, por exemplo, as zonas que não devem de forma alguma ser ocupadas e as zonas que podem ser ocupadas caso obedecidas as recomendações técnicas que são definidas. Seguramente, se o Plano Diretor de Blumenau e seus Códigos de Obra tivessem se pautado por uma Carta Geotécnica, essa tragédia toda não teria acontecido ou, ao menos, seria de dimensões infinitamente menores.
Enfim, o livro, através dos exemplos ilustrados que expõe, e esse é seu objetivo, evidencia publicamente a necessidade de se proceder a gestão do uso e ocupação do solo também sob uma ótica geológica. Sem o que os insucessos técnicos, econômicos e as tragédias continuarão a ocorrer, pelo que serão, então, catástrofes anunciadas.
AmbienteBrasil - O senhor coloca também que "o contraditório entre Desenvolvimento e Meio Ambiente se resolverá pela criatividade tecnológica”. Onde entra a Geologia nessa premissa?
Álvaro - Não há como o Homem abrir mão do desenvolvimento. É preciso alimentar e prover vida digna material e espiritual a bilhões de pessoas. E isso sempre significará uma mais intensa utilização de bens e espaços naturais. Para que essa relação das atividades humanas com os espaços naturais possa se dar de forma sustentada, ou seja, de forma a não destruir ou comprometer ambientalmente o habitat da espécie humana e de todas as outras formas de vida, ao lado de mudanças culturais e comportamentais, impõe-se que as ações humanas sejam técnica e cientificamente concebidas sob a égide de tal objetivo. Em muitas dessas situações caberá à Geologia a indicação dessas desejadas formulações técnico-científicas.
Um exemplo prático e conhecido dos brasileiros, a Rodovia dos Imigrantes, propiciou substancial melhora na ligação do maior centro econômico e populacional do país, São Paulo, com seu maior porto de importação/exportação e municípios litorâneos, Baixada Santista. Essa rodovia atravessa a Serra do Mar, região extremamente susceptível a escorregamentos, onde a Natureza a muito custo atingiu um equilíbrio instável ao longo do tempo geológico. Os conhecimentos sobre a dinâmica geológica e geotécnica da Serra indicaram que a concepção da nova estrada deveria procurar ao máximo não interferir nas encostas naturais com cortes e aterros. Essa orientação resultou na opção por uma estrada basicamente desenvolvida em túneis e viadutos, o que lhe propiciou uma perfeita harmonização ambiental com a Serra. O desenvolvimento aconteceu e o ambiente foi conservado.
AmbienteBrasil - Seu livro trata dos "atuais dilemas da Humanidade". Quais são eles sob a ótica da Ciência Geológica?
Álvaro - O Homem é hoje o mais vigoroso agente geológico modificador da superfície do planeta, ou seja, da Biosfera, nosso único habitat no Universo. Ele já movimenta direta ou indiretamente um volume maior de solos e rochas do que todos os outros agentes geológicos naturais juntos (ventos, águas, geleiras, etc.). Essa intensa alteração humana das formas e processos geológicos dinâmicos da superfície do planeta vem se dando sem nenhuma consideração pelas possíveis conseqüências geológicas e ambientais daí decorrentes, o que vem conduzindo vastas regiões do planeta a um quase esgotamento de sua capacidade em atender as necessidades humanas.
Reagirá o Homem a tempo de evitar o desastre maior, qual seja a inviabilização da sustentabilidade de seu habitat em prover suas demandas? Certamente hoje conhecimentos técnico-científicos não lhe faltam para dar uma guinada ambiental de 180°, falta-lhe apenas o amadurecimento civilizatório para proceder essa necessária inversão de rumos. Conseguirá fazer isso a tempo?
AmbienteBrasil – O senhor diz que o geólogo é "o intérprete das relações entre o Homem e a Terra". Tendo em vista a evidente má qualidade dessas relações ao longo dos tempos, quem estaria errando?
Álvaro - A Natureza, por suas formas de relevo, sua dinâmica de superfície, sua história geológica, dá informações claras sobre suas características geológicas, seus comportamentos e suas vulnerabilidades frente a uma possível intervenção humana. A "leitura" dessas informações que nos são passadas pela Natureza e sua "tradução" para as ações de engenharia e uso e ocupação do solo é uma ação interdisciplinar, mas, sem dúvida, cabe ao geólogo a grande responsabilidade profissional pelo bom cumprimento dessa tarefa.
Ainda que sempre haverá o que aperfeiçoar nessa ação técnica, eu diria que os geólogos e outros profissionais que trabalham nessa área têm cumprido bem seu papel de produzir levantamentos e orientações técnicas de boa qualidade. O problema não está aí, está na incrível má vontade, descompromisso e, em muitos casos, na irresponsabilidade com que administradores públicos lidam com essas questões. Todos sempre apostando que, em suas gestões, não irá acontecer nenhum desastre ou tragédia e que, se acontecer, será, como sempre, fácil e cômodo "culpar a Natureza".
(Por Mônica Pinto, Ambiente Brasil, 19/12/2008)