A região metropolitana de Campinas (SP) é uma das que mais crescem no Brasil em termos de produtividade – mas também em índices de criminalidade e favelização. Para a geógrafa Maria Adelia Aparecida de Souza, o caso da cidade paulista, ao ser analisado à luz de novas teorias, ajuda a explicar como o processo contemporâneo de formação da metrópole está ligado de forma intrínseca ao aumento da pobreza.
Atualizar a epistemologia do conhecimento sobre a metropolização, ajustando-a às características de funcionamento do mundo contemporâneo, é exatamente o objetivo da recém-lançada coletânea de estudos A metrópole e o futuro – Refletindo sobre Campinas, organizada por Maria Adelia, professora titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp).
Segundo ela, o livro reúne contribuições de seus alunos e pesquisadores do Laboratório de Geografia Política e Planejamento Territorial e Ambiental (Laboplan), na USP, que dialogam com pesquisas realizadas em outras universidades do Brasil e do exterior. A produção do livro contou com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Publicação e o projeto de pesquisa foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
No livro, os 29 capítulos – um para cada autor – estão organizados em seis partes: “Formação metropolitana campineira: reflexões e análises atrevidas”, “Campinas: memória funcionalidade e desafios”, “Desafios metropolitanos: criações e possibilidades”, “Desigualdades metropolitanas: limites e possibilidades”, “Desafios urgentes: segurança pública e violência” e “Modernizações incompletas da metrópole: saúde e tecnologia”.
Novas teorias sobre a urbanização e a metropolização vêm sendo desenvolvidas no Laboplan desde 1987, quando o laboratório foi criado sob a liderança de Maria Adelia e do geógrafo Milton Santos (1926-2001). De acordo com a professora, as pesquisas aprofundadas desde então foram discutidas em um evento que foi a base do livro: o seminário “A metrópole e o futuro: dinâmicas do lugar e a metropolização”, realizado em 2006, em Campinas.
“Acompanho muito de perto os trabalhos feitos na área urbana da sociologia, da antropologia e do planejamento. Vejo que a produção é riquíssima do ponto de vista empírico e analítico, mas está muito envelhecida do ponto de vista teórico. Por isso, o livro tem esse tom de atualizar a epistemologia do conhecimento sobre metropolização”, disse à Agência Fapesp.
Segundo Maria Adelia, a maioria esmagadora dos trabalhos atuais é feita com base nas teorias do entendimento da urbanização e da metropolização de uma perspectiva funcionalista, assentada sobre a doutrina urbanística da Carta de Atenas, o manifesto urbanístico concebido por Le Corbusier em 1933.
“Muitas vezes o discurso é sofisticado, mas, como as teorias não dão conta da realidade contemporânea, os estudos acabam sempre concluindo que os problemas das cidades se resumem a aspectos setoriais como transportes, enchentes ou saneamento básico. Por isso, sempre procuramos desenvolver novas teorias”, destacou.
Território: espaço vividoPara Maria Adelia, é impossível, atualmente, pensar em metrópole e urbanização sem considerar o território como um todo. “Não entendemos a metrópole como um organismo fechado em si mesmo – ela não se confunde, portanto, com o que chamamos de município ou de região metropolitana. O conceito que usamos é o da metrópole corporativa e fragmentada. É um sistema aberto no qual as corporações tratam de instituir e criar os territórios metropolitanos. São Paulo, por exemplo, não se limita às suas divisas, mas estende seus tentáculos por todo o Brasil”, explicou.
Na maior parte das vezes, no entanto, a idéia de território é utilizada em uma concepção antiga, ligada a um enunciado político-administrativo. “O território, para nós, não é um espaço vazio, é território usado. É um plano de existência. Tudo o que acontece no território é prática vivida. E o uso não significa presença – a Amazônia é quase vazia, mas é um fantástico território usado, na medida em que é território conhecido”, disse.
O uso do território – que, segundo Maria Adelia, é a principal novidade do período histórico atual – define outro conceito: o lugar. “Não confundimos o conceito de lugar com o de município, por exemplo. O lugar é definido como o espaço do acontecer solidário”, apontou.
Essa solidariedade, segundo ela, pode ter diferentes naturezas: ela pode se dar entre as pessoas, a fim de viver e garantir a existência, mas pode ser também uma solidariedade organizacional, criada entre as empresas para promover o uso do território de acordo com seus interesses.
“Pode ser também uma solidariedade institucional, que é um fato novíssimo no mundo: os estados nacionais se solidarizando e criando os mais de 200 mercados comuns existentes hoje no mundo, por exemplo”, disse.
Para a professora, o conceito do território da geopolítica – que se configura em entidades como município, estado e país – não dá mais conta da dinâmica atual do mundo. “Com essas categorias não se pode estudar as transnacionalização das empresas nos territórios. As empresas se solidarizam com outras empresas e ignoram as fronteiras do conceito geopolítico de território”, afirmou.
Segregação socioespacialPor outro lado, o território brasileiro, por exemplo, se encaixa no conceito de “território normado”. A norma, no caso, é a Constituição, que delimita um território nacional que, em tese, pertence a todas as pessoas, organizações e instituições que possuem aquela nacionalidade.
“Mas sabemos que isso não acontece. As metrópoles hoje são um conjunto de lugares e apenas alguns desses lugares, dentro dos organismos metropolitanos, constituem-se em espaços da globalização. A globalização, ao escolher usos específicos dentro do território metropolitano, acaba gerando um intenso e acelerado processo de segregação socioespacial”, indicou.
Segundo ela, a globalização vive em função do desenvolvimento tecnológico, que tem na metrópole seu território preferido. Mas nesse território há espaços cada vez mais modernizados e extensões cada vez maiores de pobreza.
“Esse processo contemporâneo de formação da metrópole engendra o aumento da pobreza. As metrópoles não são mais ricas, nem nunca mais o serão, se não discutirmos o novo modelo civilizatório, pois o atual está se exaurindo”, disse.
A geógrafa alerta que os governos continuam tratando as cidades como se elas estivessem na década de 1960, priorizando itens como o transporte em suas políticas. Segundo ela, a gestão e as políticas públicas não deviam ser setoriais, mas territoriais, pois o território é a expressão da totalidade.
“O transporte serve para aumentar a fluidez. Mas a quem interessa isso? Os trabalhadores precisam fluir para ir ao trabalho. Mas não há mais trabalho. Então priorizar o transporte serve apenas para fazer circular as idéias e as mercadorias. As prioridades não deveriam ser setoriais, mas territoriais”, disse.
A metrópole e o futuro – Refletindo sobre Campinas
Autora: Maria Adelia Aparecida de Souza (org.)
Lançamento: 2008
Preço: R$ 60
Páginas: 552
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Livraria Cultura .
(Por Fábio de Castro,
Agência Fapesp, 18/12/2008)