O geólogo Ivo Marcelino diz que a Petrobras deve ser a responsável pela administração do pré-sal e que o lucro dessa descoberta necessita, prioritariamente, ser investido em educação, saúde e segurança. No entanto, segundo ele, algumas formas de conduzir o trabalho da estatal levam ao descrédito.
Confira a entrevista.
“Não há nenhuma necessidade de criação de mais outra empresa”, é o que diz o geólogo Ivo Marcelino nesta entrevista concedida à IHU On-Line, por e-mail. Marcelino faz duras críticas ao governo em relação aos trabalhos conduzidos pela Petrobras, principalmente no que diz respeito à descoberta do pré-sal. Ele diz, por exemplo, que a propaganda do governo sobre o pré-sal é enganosa, mas concorda que, se os investimentos dessa descoberta forem bem feitos, as disparidades que o Brasil vive poderão diminuir. Marcelino diz ainda que grande parte dos dados disponibilizados sobre o pré-sal são insuficientes para realizar análises e cálculos, a fim de que se possa compreender o que representará para o país. “O país precisa de petróleo agora e não para daqui a 50 ou mais anos”, conclui.
Ivo Lúcio Marcelino da Silva é geólogo, pela Universidade Federal da Bahia, e economista, pela Universidade Federal de Sergipe. Possui especialização em Geologia e em Economia aplicada também pela UFS. É mestre em Administração pela Universidade Federal da Paraíba.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que representa para o Brasil a quantidade de petróleo encontrada abaixo da camada de sal?
Ivo Marcelino – Se confirmada a quantidade anunciada pela Agência Nacional de Petróleo – ANP, pelos membros de vários escalões do governo, inclusive ministros de Estado, e mesmo pela Presidência da República, ela pode representar a nossa real auto-suficiência em petróleo (óleo + gás), que até o momento não ocorreu. Mas vai pesar toda a propaganda enganosa veiculada na mídia pelo governo, desmentida pela indústria nacional, principalmente a paulista. Muito mais que uma auto-suficiência em petróleo, as descobertas podem representar a diminuição da quantidade de “brasis” existentes, ou mesmo, quem sabe, sermos um único Brasil sem essas disparidades regionais que tanto nos envergonham. No entanto, para que isto ocorra, se faz necessário que todo o lucro desse novo ciclo de prosperidade do país seja investido, única e exclusivamente, em educação, saúde e segurança de todos os brasileiros em todos os estados, indistintamente, porque o mar territorial pertence ao país e não aos estados-membros da federação, se é que tenhamos sido uma algum dia.
O senhor fala em problemas na terminologia para anunciar o volume de petróleo encontrado sob a camada de sal. Que problemas são esses?
Marcelino – A confusão gerada pelo governo brasileiro, ao divulgar e exagerar na estimativa dos possíveis e/ou dos prováveis volumes de petróleo descobertos em camadas abaixo do sal na Bacia de Santos, chamando-os de reservas, foi proposital. A finalidade foi desviar a atenção da população de outros temas nacionais, como é o caso da corrupção escancarada e da continuação da falta de investimentos na infra-estrutura do país, herdada de governos anteriores, além de poder se apresentar como o pai da criança, ou seja, de ter sido o responsável pelas descobertas, o que não é verdade. As descobertas são os frutos da evolução de todo um processo exploratório praticado com competência pelo corpo técnico da Petrobras ao longo de várias décadas. Os dados atualmente disponíveis dos poucos poços perfurados na área não permitem o cálculo de reservas do porte das anunciadas, mas apenas a estimativa de possíveis e/ou prováveis volumes de petróleo (óleo + gás) descoberto, mesmo assim, com certas restrições.
Como o senhor analisa o trabalho da Petrobras nesse setor?
Marcelino – Fui geólogo exploracionista da Petrobras por cerca de 20 anos – e me orgulho disso. Entrei através de concurso público nacional, numa época em que a empresa, por falta de mão-de-obra especializada, oferecia até bolsa de estudos a graduandos em geologia. Devido à visão de futuro de pioneiros como Carlos Walter Marinho Campos [1], que cito para representar os demais pioneiros, e que em suas gestões investiram pesado no treinamento de seus técnicos, é que repousa toda a competência da Petrobras ao longo de décadas. A esses pioneiros devem ser creditadas todas as descobertas, e não só as do pré-sal.
Qual é o tipo de rocha reservatório na qual se encontra o hidrocarboneto? Em que condições esses reservatórios se encontram?
Marcelino – Se fizermos uma pesquisa na Internet ou consultarmos o site da Petrobras, a ausência de informações sobre a rocha reservatório das descobertas da Petrobras, e não são só sobre as do pré-sal, é uma tônica. Quanto as suas propriedades petrofísicas (permo-porosidade), aí é que nada é divulgado mesmo e, sem elas, não é possível calcular nem estimar volumes descobertos. Por exemplo, a descoberta do campo marítimo de Piranema ao sul de Sergipe foi em turbiditos – corpos de arenitos boiando dentro de uma colossal massa de folhelhos na Formação Calumbi –, informação essa que até o momento não foi divulgada. A tão propalada excelente vazão dos poços perfurados, provavelmente devido a uma pressão anômala para a profundidade onde o petróleo foi descoberto, pode ser uma indicação de que os reservatórios podem ser de extensão limitada, ou seja, que eles vão depletar muito rapidamente, isto é, de que essa produção não deve se manter por muito tempo. Uma empresa que negocia seus papéis em bolsa de valores não pode nem deve proceder assim. Fica desacreditada.
Que tipo de tecnologias são necessárias para se trabalhar efetivamente com essa descoberta?
Marcelino – A plasticidade da espessa camada de sal, fazendo-o literalmente escorregar para dentro do poço é o principal obstáculo a ser vencido, tanto em termos de perfuração do poço quanto de sua completação para produção nos horizontes pré-sal. Manter o poço aberto, durante a sua perfuração ou quando das manobras para troca de broca, e evitar a prisão da coluna de perfuração, é tarefa muito complicada, que demandará ainda muita aprendizagem e tempo. Isso faz com que o custo do poço seja ainda astronômico se comparado ao da perfuração de poços de mesma profundidade em áreas onde a camada de sal é muito menos espessa ou até inexistente. Mesmo no Golfo do México, não temos notícias de poços de petróleo perfurados atravessando tal espessura de evaporitos e completados para a produção. Os poços são geralmente perfurados para atingir reservatórios situados no topo do domo salino ou nos seus flancos, onde a espessura da camada de sal é muito menor.
Em sua opinião, quem deve ser o responsável pelo petróleo da camada de pré-sal?
Marcelino – Dizia Paul Getty [2], um magnata britânico da indústria do petróleo na década de 1970, que as três melhores coisas da vida eram: a) uma empresa de petróleo bem administrada; b) mais ou menos administrada; e, c) sem administração alguma. A Petrobras não é mais aquela empresa de petróleo bem administrada, da qual todos nós brasileiros tínhamos orgulho. Ela precisa, urgentemente, voltar a ser gerenciada pelos seus técnicos de carreira treinados como antigamente. Ela é a única empresa nacional que pode e deve comandar a exploração do petróleo do pré-sal, em consórcio com outras empresas nacionais e estrangeiras, dado o volume de investimentos necessários para a continuidade da exploração e explotação das descobertas. Não há nenhuma necessidade de criação de mais outra empresa para tanto. Se a legislação tiver que ser alterada – não creio que seja necessário –, deverá ser no sentido de flexibilizar mais ainda a participação do capital estrangeiro na exploração e explotação do petróleo. O país precisa de petróleo agora e não para daqui a 50 ou mais anos, quando provavelmente todo o mundo já deverá estar utilizando outra fonte de energia. Guardar o petróleo para as gerações futuras não faz o mínimo sentido. É andar na contramão da história.
Notas:
[1] Carlos Walter Marinho Campos é considerado o pai da descoberta de petróleo na Bacia de Campos. Em 1973, demonstrou que havia indícios da existência de óleo na parte submersa do poço 1-RJS-7, na área de Macaé. Diretor da Petrobras na área de exploração, aprofundou as pesquisas em parte rasa da costa oceânica, com investimentos limitados. Visitando o Oriente Médio em viagem de observação, Carlos, ao retornar ao Brasil se defrontou com a determinação da empresa de que deveria abandonar o projeto pela inviabilidade da existência do petróleo.
[2] Jean Paul Getty foi um industrial estadunidense fundador da Getty Oil Company.(Instituto Humanitas Unisinos, 19/12/2008)