O Vaticano decidiu apelar à energia do céu para iluminar seus prédios e se transformar no primeiro Estado do mundo a registrar zero em emissões de gases de Efeito Estufa.
Com a instalação de 2.394 painéis solares no telhado da Sala das Audiências Paulo VI que a partir do último dia 16 de Novembro geram 300 mil kW/h de energia elétrica e com o reflorestamento de um bosque de 15 hectares do Parque Nacional Bukk da Hungria, que se denomina “Floresta Climática Vaticana” para compensar a sua parte emissora de dióxido de carbono, o menor Estado do mundo, com apenas 0,44 quilômetros quadrados de superfície, se transformou no líder na luta contra as mudanças climáticas e na defesa do meio ambiente.
A energia solar garante a autonomia elétrica da Sala de Audiências (iluminação Led e ar condicionado) e permite a alimentação de outras áreas. “Novas instalações do gênero estão previstas para vários locais, sem comportar nenhum problema de impacto visual ou ambiental”, adiantou o Cardeal Giovanni Lajolo, Presidente do Governatorato do Vaticano. Ele pretende reduzir a circulação dos carros, impondo um rígido controle de acesso e estacionamento em todo o território vaticano. Quer, por exemplo, que o Pátio do Belvedere – que hoje é um estacionamento – seja transformado num jardim. Apesar de ser um Estado com apenas 546 cidadãos e pouco menos de 1.800 funcionários, o Vaticano recebe milhões de visitantes todos os anos.
A central de energia solar montada no telhado do salão das audiências Paolo VI tem uma saída total na hora do pico de 221.59 quilowatts (kW), bastante para gerar 315.500 kWh de eletricidade. Isto é equivalente às necessidades anuais de mais de 100 casas. A geração deste volume da energia limpa foi projetada para evitar a emissão de 315 toneladas anuais de dióxido de carbono.
A planta esteticamente sofisticada foi incorporada ao conjunto histórico da cidade do Vaticano com muito esforço técnico e arquitetônico. A realização e o projeto foram um presente da empresa alemã SolarWorld AG. Os módulos solares foram manufaturados nas oficinas da SolarWorld em Friburgo, na Saxônia. Os transformadores elétricos foram doados pela empresa SMA de tecnologia solar e a conexão da grade foi planeada pela companhia italiana Tecnospot.
Os módulos solares que constituem a instalação substituíram os antigos painéis de cimento do teto e reproduzem exatamente o tamanho das telhas originais previstas no projeto do arquiteto Pier Luigi Nervi.
Cumprem uma dupla função: passiva, protegendo o edifício da radiação, e ativa, convertendo a energia solar em eletricidade. A iniciativa se situa no âmbito da “cultura verde”, caracterizada por valores éticos, promovida pelo Papa Bento XVI.
A idéia original de construir uma central solar no Vaticano surgiu em 2002 ainda com o Papa João Paulo II. Por ocasião de uma audiência geral com João Paulo II, Frank H. Asbeck, Presidente da SolarWorld presenteou o Papa com uma bateria solar; isso foi suficiente para o pontífice desejar que continue nos seus esforços de promover a energia solar em todo o mundo. O contato concreto para a execução do projeto no Vaticano foi uma iniciativa da Comunidade Católica do bairro Bad Godesberg Rhine de Bonn, onde o trabalho e as atividades dessa comunidade, em termos de caridade pública, são promovidos de forma exemplar.
Segundo declarações feitas ao jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, o engenheiro Mauro Villarini, membro dos serviços técnicos do Estado pontifício, disse que “a iniciativa pretende atender ao interesse mundial pelas energias renováveis. O objetivo é o de proporcionar cerca de 20 por cento da energia que o Estado consome antes do ano 2020, em sintonia com as recomendações da União Européia.
A colocação dos painéis solares foi amplamente justificada em razão de que a cobertura e o teto da Sala das Audiências Paulo VI teriam de ser trocadas de qualquer forma. “Esta solução produziu uma alteração visual mínima; elegemos a Sala Paulo VI por ser um dos edifícios mais modernos e, portanto, mais compatíveis com tecnologias deste tipo. Também existia a necessidade de renovar as coberturas”, disse o engenheiro.
Particularmente para o engenheiro Villarini, foram fundamentais as palavras do Papa Bento pronunciadas em 1º de Janeiro de 2007, por ocasião da Jornada Mundial da Paz, nas quais ele apelava para uma consciência ecológica e eficiente que se traduzisse em programas e iniciativas concretas. Existem outros projetos, sempre com alternativas energeticamente eficientes, para um futuro próximo; elas estão atualmente em processo de amadurecimento.
Além desta iniciativa, existe outro projeto para utilizar a energia solar, desta vez não para produzir energia, mas água quente e ar refrigerado ao mesmo tempo, num tipo de instalação que se conhece por “solar cooling”, e que será utilizada para as dependências de serviço vaticanas. “A produção destes painéis cobrirá de 60 a 70% da energia necessária nestes edifícios, diminuindo o gasto energético. Os trabalhos começaram no mês de Outubro passado”, disse o engenheiro Villarini.
O objetivo de todos os projetos é, em síntese, criar um processo energético onde, a partir de uma produção de energia limpa e uma gestão inteligente da mesma, seja possível alimentar em primeiro lugar os imóveis e, no futuro, também os meios de transporte.
Uma das mensagens do Papa Bento XVI sobre meio ambiente, entre outras afirmações, diz: “A corrida pelos recursos energéticos gera dores e guerras. A destruição do meio ambiente e o seu uso impróprio ou egoísta e a apropriação violenta dos recursos da terra geram conflitos porque são fruto de um conceito inumano de desenvolvimento”.
Para o Papa, a paz do Planeta passa pelo respeito à Criação e pelo desenvolvimento integrado, que não omite a dimensão moral e religiosa. Desde o Papa João Paulo II, a tese da Igreja Católica é a de quem destrói o meio ambiente “comete um pecado grave” porque se considera “um insulto a Deus”.
O Presidente do Pontifício Conselho de Justiça e Paz, o Cardeal Renato Raffaele Martino, que, representando o Papa, já esteve em vários encontros internacionais da ONU e de outras instituições e países sobre mudanças climáticas, desertificação e recursos hídricos, afirma que “jogar uma sacola de lixo na rua é um pecado venial, mas quem destrói a Amazônia, comete um pecado mortal”.
O Cardeal Martino também anunciou que seu dicastério estuda a elaboração de um documento sobre meio ambiente. O novo catecismo já incorporou a sentença de que “a Terra e seus bens são um dom que podemos usar, melhorar, mas não destruir”
É com preocupação que Bento XVI, na sua “Mensagem pela Paz”, falou da corrida aos recursos energéticos:
“A Humanidade, se tem um coração de paz, sempre deverá ter presente as conexões existentes entre a ecologia natural, vale dizer, o respeito à natureza e à ecologia humana.
A experiência demonstra que todo tratamento desrespeitoso em relação ao meio ambiente, produz danos à convivência humana e vice-versa. Neste ano, nove nações entraram com todo ímpeto na produção industrial, incrementando as suas necessidades energéticas. Isto esta provocando uma corrida aos recursos disponíveis que não tem paralelo com situações precedentes.
Enquanto isso, muitas regiões do Planeta ainda vivem em condições de grande depressão e nelas o desenvolvimento é praticamente nulo por causa dos altos custos da energia. Que será destas populações? Que gênero de desenvolvimento ou de não-desenvolvimento lhes será imposto pela carência de fornecimento energético? Que injustiças e antagonismos provocará a corrida às fontes de energia? E como reagirão os excluídos desta corrida?”
Bento XVI, em várias ocasiões, mencionou as palavras de João Paulo II referentes a questões energéticas. Destaca particularmente os trabalhos da “Semana de Estudos sobre Energia e Humanidade”, realizada na Pontifícia Academia das Ciências em Novembro de 1980; naquela ocasião João Paulo II disse: “A nossa civilização – sobretudo os seus cientistas e os seus técnicos –, deve procurar métodos novos para utilizar as fontes de energia que a Providência Divina pôs à disposição dos homens. E é preciso também que os próprios governos adotem uma política energética unificada, de forma que a energia produzida numa região possa ser utilizada noutras regiões. É bem evidente que o Sol, a primeira fonte de energia e a mais rica para o nosso Planeta, deveria ser estudado mais cuidadosamente pelos pesquisadores; esta deveria se tornar uma de suas principais preocupações. Embora seja verdade que a utilização direta da energia solar ainda se apresenta longínqua, esta perspectiva não deve fazer atenuar os esforços dos pesquisadores nem o apoio dos governos.
De resto, já se obtiveram alguns resultados e já se beneficiam deles em várias partes do mundo. Por outro lado, outras formas de energia, tais como a energia eólica, marinha ou geotérmica, já foram utilizadas, embora de modo ainda limitado, e em função das condições geográficas. Percebe-se que a utilização da biomassa merece a atenção sobre a necessidade do desenvolvimento de estudos relacionados com a fotossíntese. A madeira tem lugar entre as fontes de energia mais antigas. Nos países em via de desenvolvimento, permanecerá sem dúvida por muito tempo a fonte principal de energia. Mas é necessário que o uso desta forma de energia tradicional e importante não dê lugar ao desmatamento e à destruição das florestas que produzem graves desequilíbrios ecológicos. É preciso, pois, prever um repovoamento florestal ativo, que deve ser levado a efeito pelos botânicos, ecólogos e cientistas. A sua realização deverá ser objeto de diligências cuidadosas por parte dos planejadores e dos políticos.
No que diz respeito a outras formas de energia, tais como quedas de água, carvão, petróleo e energia nuclear, a escolha delas fundamenta-se evidentemente em vários fatores que dependem dos recursos naturais e humanos, do crescimento demográfico, de formas de desenvolvimento, e da economia. Estou certo que levarão em consideração as regras que se impõem para eliminar os perigos que ameaçam, de perto ou de longe, àqueles que estão expostos a sofrer os eventuais prejuízos provenientes da utilização de certas formas de energia; e também para promover sempre a salvaguarda ecológica, a proteção da fauna e da flora, e para evitar a destruição das belezas naturais que enchem o coração de admiração e de poesia”.
Desde o início de seu pontificado, o Papa Bento XVI promoveu as causas ambientais e a proteção dos recursos; sobre a energia antes de decidir pela mudança no Vaticano, ele disse que “é urgente a necessidade descobrir as fontes de energias alternativas que são seguras e acessíveis a todos.”
Em Setembro de 2007, durante o Segundo Encontro dos Jovens em Loreto, Itália, Bento XVI perante mais de meio milhão de pessoas, fez um apelo ambientalista conclamando os jovens a se unirem na luta pela preservação do Planeta, particularmente dos recursos hídricos. “A água deve ser preservada e compartilhada para evitar conflitos”, disse o pontífice. Nessa ocasião, o Papa Bento XVI aprovou a iniciativa de que a Igreja Católica dedique todo dia 1º de Setembro como o “Dia para Salvar a Criação”. Na sua homilia passou a responsabilidade da proteção ambiental a todos os jovens do mundo. “Um dos campos em que parece urgente atuar é, sem dúvida, o da salvaguarda da Criação. Às novas gerações é confiado o porvir do Planeta, em que são evidentes os sinais de um desenvolvimento que nem sempre soube tutelar os delicados equilíbrios da natureza. Antes que seja demasiado tarde, é preciso tomar decisões corajosas, que saibam criar de novo uma forte aliança entre o Homem e a Terra. São necessários um sim decisivo à tutela da Criação e um compromisso vigoroso em vista de inverter as tendências que correm o risco de levar a situações de degradação irreversível.
Por isso, apreciei a iniciativa da Igreja italiana, de promover a sensibilidade sobre as problemáticas da salvaguarda da Criação, proclamando um Dia Nacional que se celebra precisamente no dia 1º de Setembro. No corrente ano, presta-se atenção, sobretudo à água, um bem extremamente precioso que, se não for compartilhado de maneira eqüitativa e pacífica, infelizmente se tornará um motivo de duras tensões e graves conflitos”.
Durante a inauguração do teto solar da Sala Paulo VI, no dia 26/11, na cerimônia realizada na Academia de Ciências do Vaticano falaram, além de Frank Asbeck, Presidente da SolarWorld, o Cardeal Giovanni Lajolo, Presidente do Conselho da Cidade do Vaticano, Carlo Rubbia, Prêmio Nobel de Física, Livio De Santoli, da Universidade La Sapienza de Roma, e o Presidente da Eurosolar, Hermann Scheer, que entregou o “Prêmio Solar Europeu” ao Vaticano e à SolarWorld em reconhecimento a este projeto. Ao finalizar, o Cardeal Lajolo lembrou as palavras de Bento XVI: “a salvaguarda do ambiente não é uma questão política que deve ser resolvida pelos partidos políticos, mas sim um problema ético e cultural”.
(Por René Capriles*, Eco21, 18/12/2008)
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