No início de dezembro, o governo catarinense pediu a todos que não contassem a verdade sobre a nossa tragédia para não afugentar o turista (e seu dinheiro). E criou a campanha "Santa Catarina continua linda" para mostrar que SC é segura e seduzir o turista, com a participação de figuras importantes (Felipe Massa, Rubens Barichello, Ivete Sangalo, Guga Kuerten, ...). Gilberto Gil colocou-se à disposição para cantar que Santa Catarina continua linda. Afinal, “o governo do Estado precisa garantir uma temporada próspera ao turismo, mantendo empregos e evitando mais crise financeira”, disse vice-governador Leonel Pavan.
Mas a mentira tem pernas curtas... neste caso, foi contestada pela força dos céus... Aqui, a chuva não parou. Segundo Germano Woehl Jr., nas últimas 24 horas, “já choveu 135 mm; quase o recorde do dia D na nossa região (que causou todos aqueles desmoronamentos em Jaraguá e Guaramirim)”. Hoje, 16 de dezembro, o periódico Diário Catarinense traz as seguintes manchetes:
- “Novos deslizamentos são registrados em Santa Catarina. Desde a tarde de segunda, chove forte em parte do Estado.”
- “Chuva forte provoca alagamentos em Joinville”
- “Deslizamento interdita condomínio em Palhoça”
- “Moradores de Ilhota fazem estrada em zona de risco”
- “Estado tem 81 casos confirmados de leptospirose”
“Chove chuva, chove sem parar...”. Acho que tem gente fazendo a dança da chuva, torcendo para que esta calamidade se perpetue. 32 municípios em Situação de Emergência e 2 em Estado de Calamidade Pública. Quantos outros entrarão nesta ciranda? Afinal, emergência e calamidade dispensam licitação para contratação de obras/serviços; e o município pode fazer e acontecer...
Bom, imagino que os donos de SC estejam pensando: “se não tem turista pra explorar, resta explorar os efeitos nefastos da chuva, da lama, das estradas interditadas, dos morros desabando... e os números da catástrofe...”. Até agora contamos com 5.517 desabrigados, 128 mortos, 26 desaparecidos... Nossa, isso rende dinheiro também! A exploração exacerbada das imagens deprimentes, os depoimentos chorosos e desesperados das vítimas sensibilizaram tanto o nosso Brasil solidário que, hoje, as doações ultrapassaram os R$ 25 milhões.
Uma dica quente dos governantes de SC: esta é uma boa fórmula de transformar dor e tragédia em dinheiro... em solidariedade, em voluntariado... Mas exijam dinheiro e serviço voluntário, gratuito... Chega dessa história de mandar roupas, alimentos, água pros flagelados... isso dá uma trabalheira danada...
Para reforçar a fabulosa campanha catarinense ‘manda dinheiro pra cá’, a mídia colocou gente importante nessa missão. Um dos pedidos que ouvi no rádio é assim: ‘Uma bela forma de ser solidário agora é doar dinheiro para reconstruir tudo o que a chuva destruiu (...); eu sou Laine Valgas, na campanha Santa Catarina Solidária’.
Para desestimular o envio de comida e roupa, mostrou imagens de soldados roubando os donativos. Um caso isolado que está sendo tratado como ‘barbárie’ para mexer no bolso dos solidários e para vender mais jornais, ganhar Ibope!!!
Daí, apareceu uma empresa de logística para reforçar o controle de donativos. Ninguém falou nada, mas resta claro que essa empresa não vai controlar os donativos em dinheiro... pra quê? Dinheiro não precisa de controle. Não aqui, na linda e bela Santa Catarina solidária. Afinal, este dinheiro não vai ser guardado por voluntário, por soldado, por gente que meteu o pé na lama pra ajudar os atingidos pela tragédia. Se bobear, esse dinheiro vai ficar tão bem guardado que poderá evaporar com as águas da chuva...
Esta é a nossa SC Solidária! A cada eleição, entregue aos bandidos de plantão. Esta é a nossa verdade: triste, vergonhosa e quase impossível de ser mudada porque nossos governantes não estão preocupados com o flagelo dos governados; querem explorar a sua dor para colocarem o dinheiro dos solidários no bolso...
Enquanto isso, a tragédia da chuva vai gerando um exército de sem-teto, sem-casa, sem-roupa, sem-água, sem-hospital, sem-filhos, sem-pais... Tomara que não gere o Exército dos Sem-Esperança! Ontem, recebi esta mensagem de um amigo que acompanha o sofrimento dos flagelados em sua cidade: “Hoje mesmo atendi uma senhora e sua filhinha, cuja casa ameaça desabar. Perguntei à pequena, que havia pedido ao Papai Noel: "um colchão". Tem 5 aninhos. Não dói o coração, Ana?”
(Por Ana Echevenguá*, Texto recebido por e-mail, 18/12/2008)
*Advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente da ong Ambiental Acqua Bios