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mata atlântica mata ciliar
2008-12-17
Entrevista com Nilto Tatto, idealizador do programa Cílios do Ribeira

Salvar os rios que cortam a maior área contínua de mata atlântica do país – esse é o objetivo do programa Cílios do Ribeira, desenvolvido pelas organizações não-governamentais Instituto Sócio-Ambiental (ISA) e Instituto Ambiental Vidágua para recuperar as matas ciliares do Vale do Ribeira, uma área de cerca de 28 mil quilômetros quadrados nos estados do Paraná e de São Paulo. Há quase dois anos, uma equipe vem percorrendo municípios e propriedades à margem do Rio Ribeira e seus afluentes para desenvolver e incentivar projetos locais de recuperação da mata ciliar. As parcerias são firmadas com prefeituras, empresas e pequenos e médios proprietários.

O Vale do Ribeira é um patrimônio natural da humanidade, título dado em 1999 pela Unesco, mas abriga uma das áreas mais pobres das regiões Sul e Sudeste. Cerca de 70% da cobertura original de mata atlântica ainda está preservada, mas o problema surge à medida que se aproxima dos rios: a cobertura de mata ciliar, formação florestal que ocorre ao longo de rios e córregos, é de apenas 30%. Esse processo de desmatamento resulta em assoreamento, erosão e contaminação dos rios. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, o idealizador do Cílios do Ribeira, Nilto Tatto, do ISA, fala sobre os objetivos e dificuldades do programa. Mais informações podem ser obtidas no site www.ciliosdoribeira.org.br.

“Não adianta chegar e falar em quantos metros a partir do rio a lei determina que a mata seja preservada. Qualquer ação que contenha o assoreamento é para sair do zero, já é algo positivo.”

No site do Instituto Sócio-Ambiental, consta que uma área equivalente a 500 campos de futebol é desmatada por ano na região do Vale do Ribeira. Desde que o projeto teve início, conseguiu-se reduzir essa área?

Esse dado é do Vale do Ribeira paulista, ainda estamos fechando os dados do Paraná. Mesmo no estado de São Paulo não tivemos condições de mapear toda a mata ciliar, fizemos um levantamento do Rio Ribeira e de alguns dos principais rios. A conta é maior do que essa, mas como tínhamos esse dado naquele momento achamos importante focar a nossa estratégia. A metodologia que adotamos é definir áreas prioritárias e conversar com os proprietários. Assim vamos conseguindo adesões para implementar os projetos-piloto. O importante é ir implementando projetos locais e ter capacidade de mobilização. A principal estratégia está nos projetos locais, porque precisamos ganhar o coração e a mente das pessoas.

Qual o principal problema dos rios, o assoreamento ou a poluição?

O nível de assoreamento dos rios é muito grande. Nos períodos de seca é possível ver a formação de grandes bancos de areia. Pequenos rios e córregos estão morrendo devido à falta de uma floresta. Mas tem a contaminação das mineradoras de chumbo e também de agrotóxico. Os produtores jogam o agrotóxico no bananal, vem a chuva e leva, porque não tem uma mata ciliar para segurar.

Há muita resistência por parte de produtores?

Uma conversa difícil tem sido com grandes bananicultores do estado de São Paulo. Eles participaram do lançamento da campanha, mas não conseguimos mobilizar os grandes produtores de banana. Será preciso muita conversa para trazê-los para a campanha. Ali tem um foco de resistência, mas acredito em retomar a conversa. Outro segmento com o qual ainda não abrimos um processo de diálogo é a indústria de papel e celulose do Paraná. Não diria que há uma resistência, nós é que ainda não conseguimos abrir esse canal de diálogo. Nossa estratégia não é chegar e falar na lei, queremos uma ação voluntária. Não adianta chegar e falar em quantos metros a partir do rio a lei determina que a mata seja preservada, a campanha não fala “a lei diz isso”, diz “faça alguma coisa”. Qualquer ação que contenha o assoreamento é para sair do zero, já é algo positivo. No Paraná, a região do Vale do Ribeira é a que tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no estado. Ou seja, é a região mais pobre do estado. Como a recuperação da mata ciliar pode ajudar a transformar essa realidade?

No estado de São Paulo a situação do Vale do Ribeira é parecida, apesar de ter outra região com baixo IDH, que é o Pontal do Paranapanema. A campanha tem essa perspectiva de explorar o potencial de buscar recursos para o Vale do Ribeira, de fomentar a produção e a coleta de sementes, a produção e a comercialização de mudas. A nova Lei da Mata Atlântica permite o uso econômico de áreas de proteção permanente de mata ciliar. O proprietário que vai recuperar uma área pode plantar palmito em outra, fazer o manejo de madeira para diversos fins, produzir frutas. Ele tem o potencial de plantar espécies que possam ter uso econômico, o que antes não podia. Tentamos fazer um link entre a campanha e políticas públicas que incentivem recuperação e uso econômico. O que não pode é fazer a recuperação com espécies exóticas, ou só com uma espécie. Plantar só pínus não dá. A campanha também procura mecanismos que superem a resistência de proprietários, muitos têm um sentimento de que estão perdendo áreas. Não é tão fácil fazer a pessoa entender que a mata ciliar é importante para a sua propriedade.

Que fatores levaram à ocupação das áreas próximas aos rios?

O Vale do Ribeira tem cerca de 70% de cobertura florestal, mas, quando olhamos para a mata ciliar, vemos que 70% não estão mais lá. Essa ocupação tem a ver com a geografia do vale. Ao longo do tempo, as áreas mais propícias, mais adequadas para expansão da agricultura e da pecuária, que são os fundos de vale, foram sendo ocupadas. As pessoas foram explorando, aproveitando os fundos de vale, até a beira do rio. Por isso esse trabalho de recuperação depende muito de uma campanha de conscientização. A estratégia é essa: quando chegamos à propriedade não falamos na lei, em quantos metros a partir do rio devem ser respeitados. Se ele conservar 10 metros, já tem uma função ecológica importante, que é estancar o assoreamento. Isso tudo é lento. Para derrubar é rápido, para recuperar é um processo lento.

Com que recursos o projeto é mantido?

Temos uma equipe bem reduzida, hoje contamos com um engenheiro florestal e uma pessoa para ajudar na mobilização. Para termos essa equipe mínima, temos um projeto no Fundo Estadual de Recursos Hídricos de São Paulo, que só permite atividades no estado de São Paulo. Outro projeto que permite aprofundar os estudos no Paraná conta com apoio do Fundo Nacional do Ministério do Meio Ambiente. Isso também permite manter o site, publicar boletins. Já nos projetos locais a diversidade é muito grande, contamos com a ajuda de empresas, prefeituras, secretarias. No Paraná, as mudas e cercas para áreas que precisam ser cercadas estão sendo fornecidas pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão ligado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente), que tem um programa de recuperação de matas ciliares. É evidente o papel do estado, temos colocado que a campanha nasce na sociedade civil, mas também tem o intuito de cobrar o papel das autoridades.

Em 2009, novos prefeitos assumem em muitos municípios. Qual a garantia de que o projeto será mantido em municípios que hoje são parceiros?

É muito importante a participação das prefeituras, vamos retomar as conversas. Mas a campanha não encontra resistência, até porque a maioria das prefeituras não possui recursos, e a campanha tem o intuito de ajudar a captar esses recursos. O Vale do Ribeira não tem capacidade de mobilizar tudo que é preciso para recuperar a mata ciliar, por isso é preciso mobilizar e chamar a atenção.

(Gazeta do Povo, 17/12/2008)

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