Pesquisadores do Brasil e Argentina reuniram-se no Campus da UFRGS em Porto Alegre para tratar da Biodiversidade do Bioma Pampa. A iniciativa faz parte da 4ª Reunião Ciência, Tecnologia e Sociedade promovida pela SBPC e AAPC, além de outras instituições do Brasil e Argentina.
Os campos e a diversidade de paisagens e ecossistemas terrestres e aquáticos que integram o Bioma Pampa representam um dos ambientes de áreas abertas mais importantes do planeta. Distribuem-se pelo Brasil, Uruguai, Argentina e a porção sul do Paraguai, totalizando uma superfície de cerca de 100 milhões de hectares.
Os pesquisadores estiveram reunidos para compartilhar experiências relacionadas ao conhecimento e conservação da flora e da fauna característica desta região e que, lamentavelmente não costuma ser devidamente valorizada pelo conjunto da sociedade, inclusive pela comunidade científica. O grande número de endemismos encontrado na região demonstra a singularidade do Pampa, que atualmente se encontra severamente ameaçado pela substituição da paisagem natural por áreas de intensivo uso antrópico.
A Dra. Ilsi Boldrini do Departamento de Botânica/UFRGS ressaltou que existem mais de 2.000 espécies de plantas, a maioria herbáceas, constituindo um patrimônio genético notável até então negligenciado. Centenas destas espécies têm valor forrageiro que permitem o desenvolvimento de uma pecuária ecológica, baseada na conservação do campo nativo, ao contrário de outros sistemas baseados na produção com espécies forrageiras exóticas e dependentes de insumos. Esta condição singular representa uma grande oportunidade para o desenvolvimento sustentável da região, mas que não tem sido devidamente reconhecida e valorizada.
Dados contundentes sobre a produção pecuária baseada nas espécies forrageiras nativas do Bioma Pampa foram apresentados pelo Dr. Carlos Nabinger da Faculdade de Agronomia da UFRGS. Pesquisas e experimentos de campo realizados nos últimos trinta anos comprovam que é possível produzir carne mais saudável, e com características diferenciadas, a partir do manejo do campo natural e ao mesmo tempo aumentar a renda, inclusive com maior competitividade frente a outras alternativas econômicas. Várias formas de aproveitamento econômico sustentável foram apontadas como alternativas para o desenvolvimento econômico do Bioma, como o turismo rural e ecológico, a utilização de espécies ornamentais e medicinais, dentre outras.
Aníbal Parera da Alianza del Pastizal, uma iniciativa que agrega pesquisadores, ambientalistas e produtores rurais dos quatro países apresentou recentes avaliações do número de espécies de vertebrados terrestres características dos campos - 240 espécies de aves, 80 de mamíferos, 25 de anfíbios e 36 de répteis. Enfatizou a importância da preservação dos campos nas áreas de produção pecuária e como determinadas práticas de manejo são compatíveis com a conservação das aves. Trouxe para o debate recentes conclusões de fóruns internacionais dedicados à conservação dos campos, como a Estratégia Mundial para Campos Temperados da UICN e o Memorando de Entendimento para a Conservação de Aves Ameaçadas dos Campos, este assinado pelos governos dos quatro países no âmbito da Convenção de Bonn sobre Espécies Migratórias.
Os biólogos Rogério Both e Eduardo Vélez, apresentaram um panorama geral sobre o grau de insuficiência de unidades de conservação na porção brasileira deste Bioma, com apenas 3,22% protegido, sendo apenas 0,63% em unidades de proteção integral, muito distante da meta de 10% propugnada pela Convenção sobre Diversidade Biológica. O biólogo Jan Karel Felix Mähler Junior apresentou um panorama sobre o papel das unidades de conservação na proteção das espécies da fauna ameaçadas de extinção identificando que há graves lacunas. Destacou ainda que sem as poucas unidades existentes várias das espécies associadas à vegetação parque de espinilho, por exemplo, como as aves corredor crestudo (Coryphisteraalaudina) e rabudinho Leptasthenuraplatensis) estariam provavelmente extintas no Brasil. Além disso, os estudos que vem sendo realizados nestas áreas tem identificado grande número de novas ocorrências, anteriormente não registradas para o sul do Brasil.
Hugo López do Museo de La Plata/Comisión de Investigaciones Científicas de la Província de Buenos Aires apresentou uma análise das proposições biogeográficas relacionadas àictiofauna da região, que ultrapassa as 500 espécies. A falta de iniciativas direcionadas à conservação de peixes continentais foi a principal lacuna apontada, com exceção de recente reunião realizada em Assunção/Paraguai promovida pela Guyra Paraguay, Fundação Proteger/Argentina e a UICN para definir uma lista vermelha de espécies de peixes ameaçadas de extinção na bacia dos rios Paraguai e Paraná. Outra iniciativa importante concluída este ano, envolvendo pesquisadores de diversos continentes, identificou ecoregiões aquáticas de todo o mundo (www.feow.org) e 426 áreas de importância para a conservação (7 destas para a região do Pampa), numa iniciativa conjunta da WWF e TNC.
Andrés Boltovskoy do Museo de La Plata/Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas apresentou casos recentes de proliferação de microalgas tóxicas(cianobactérias) e invasoras, como os dinoflagelados, do gênero Ceratium, que desde seu aparecimento pontual avançaram 2 mil km num período de 10 anos na Argentina. Estas florações alteram a cor, odor e sabor da água, prejudicando sua potabilidade. A ação destas espécies pode provocar a mortandade de peixes (anoxia), além de toxicidade para animais e humanos - com no caso recente de Caruaru-BR, quando mais de 100 pessoas foram intoxicadas, das quais 50 vieram a falecer. Esta situação tende a ser recorrente na região em função da crescente contaminação das águas continentais. Isto aponta para a necessidade de novas ferramentas de monitoramento e gestão ambiental, particularmente em relação ao desenvolvimento massivo de algas nocivas, formas de prevenção e controle da qualidade da água.
A conclusão geral após o debate foi a de que se trata de um dos biomas mais ameaçados do planeta, com taxas recentes de conversão para agricultura e silvicultura alarmantes, superiores a 500 mil hectares/ano.
A falta de políticas públicas específicas para o Bioma Pampa destoa com o conhecimento existente e suas potencialidades para o desenvolvimento sustentável. Foi muito comentado que até hoje não foram lançados editais ou programas de pesquisa para este Bioma, ao contrário do que tem ocorrido para outras regiões importantes como a Amazônia, a Mata Atlântica e a Caatinga. Foi unânime o entendimento de que a falta de apoio financeiro para as iniciativas científicas tem comprometido a cooperação entre os países vizinhos que compartilham o mesmo bioma.
Principais conclusões para promover a Cooperação Científica sobre a Biodiversidade
1. Gestionar a criação de um programa de cooperação regional em torno da produção do conhecimento multidisciplinar da biodiversidade
1.1 Aproximar grupos que desenvolvem mapeamentos e inventários de espécies em iniciativas para gestão cooperativa e compartilhada
1.2.Desenvolver iniciativas regionais para formação e intercâmbio de pesquisadores nas áreas de taxonomia, ecologia, biologia da conservação e produção sustentável.
1.3 Fomentar a cooperação de grupos que atuam na área de ecologia de paisagem, gestão e planejamento territorial.
2. Identificar lacunas de conservação da biodiversidade supranacionais ou trans-fronteiriças e estudos sobre espécies e ecossistemas com distribuição compartilhada, e promover a integração de ferramentas já existentes, como as áreas importantes para a conservação de aves e dos campos (IBAs e AVPs, respectivamente), por exemplo.
3. Promover a congregação de informações e de bases de dados sobre a biodiversidade, pesquisa, conservação e manejo do Bioma Pampa, incluindo um diretório de pesquisadores e projetos de pesquisa e iniciativas de conservação.
4. Promover iniciativas de divulgação científica e de educação e formação profissional em torno da biodiversidade e do uso sustentável do Bioma.
5. Desenvolver estratégias de comunicação de massa sobre a importância da biodiversidade e do uso sustentável para diferentes setores da sociedade.
6. Estabelecer uma harmonização técnica sobre as denominações e conceitos relacionados à pesquisa, gestão e conservação da biodiversidade.
7. Estabelecer cooperação para propor políticas de promoção de iniciativas de produção e desenvolvimento sustentável compatíveis com a conservação da biodiversidade e baseadas na vocação natural do Bioma.
8. Estabelecer mecanismos de gestão compartilhada e de análise de impactos, riscos e ameaças à conservaçãodo Bioma.
(Texto recebido por e-mail, 15/12/2008)