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chico mendes amazônia direitos humanos
2008-12-16

Francisco Alves Mendes Filho ainda não era um mito da luta contra a devastação da Amazônia quando foi preso, em 1981, acusado de subversão e incitamento à luta de classes no Acre, em plena ditadura militar. Chico Mendes se tornaria mundialmente conhecido, dali para a frente, por comandar uma campanha contra a ação de grileiros e latifundiários, responsáveis pela destruição da floresta e pela escravização do caboclo amazônico. Por isso mesmo foi assassinado, em 22 de dezembro de 1988, na porta de casa, em Xapuri. O crime, cometido pela dupla de fazendeiros Darly e Darcy Alves da Silva, foi punido com uma sentença de 19 anos de cadeia para cada um. Faltava reparar a injustiça cometida pelos militares.

E ela veio na quarta-feira 10, no palco do Teatro Plácido de Castro, em Rio Branco, na forma de uma portaria assinada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro. Antes, porém, realizou-se uma sessão de julgamento da Comissão de Anistia cujo resultado, no entanto, seria o óbvio deferimento, por unanimidade, da perseguição política sofrida por Chico Mendes no início dos anos 1980. A viúva do líder seringueiro, Izalmar Gadelha Mendes, vai receber uma pensão vitalícia de 3 mil reais mensais, além de indenização de 337,8 mil reais.

Após assinar a portaria de anistia, Tarso Genro declarou que o assassinato de Chico Mendes está diretamente associado à perseguição sofrida pelo seringueiro durante a ditadura. “O Estado brasileiro não soube compreender o que ele (Mendes) representava naquele momento”, disse o ministro. “O Brasil pede perdão a Chico Mendes”, afirmou, ao assinar o documento. Acompanhada de dois filhos, Izalmar Mendes mostrou-se satisfeita com o resultado do julgamento. “Era a hora de limpar o nome do meu marido. Mais importante do que a indenização foi o pedido de desculpas feito pelo Estado”, disse a viúva.

O ato em Rio Branco foi a sessão de julgamento de número 200 da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e a 17ª caravana montada pelo presidente da comissão, Paulo Abrão, e o grupo de conselheiros responsáveis pela análise dos pedidos. As caravanas da anistia percorrem o Brasil para realizar, nos locais das demandas, as sessões de análise dos pedidos de reparação feitos por perseguidos ou parentes. O evento foi programado para coincidir com o aniversário de 20 anos do assassinato do líder seringueiro e dos 60 anos da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelas Nações Unidas, em 1948.

Paulo Abrão lembrou, também, da proximidade dos 40 anos da promulgação do Ato Institucional nº 5, assinado pelo general Arthur da Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968. Responsável pelo fechamento do Congresso Nacional e pelo fim das garantias individuais dos cidadãos brasileiros, o AI-5 estabeleceu, de fato, a ditadura militar no Brasil e iniciou uma era de censura, violência policial, tortura e terrorismo de Estado. Para Abrão, o “ato insano” do AI-5 deixou de herança uma enorme demanda de perseguidos políticos com direito a reconhecimento e indenização. Mas não foi só isso. “Restou, também, a cultura do medo, a postura subserviente perante as autoridades, a impunidade dos torturadores e o estereótipo dos movimentos sociais como subversivos”, explica.

Segundo Abrão, a Comissão de Anistia resgatou a questão democrática e rompeu com o medo de se debater, inclusive, outros temas ligados ao período da ditadura. “Passamos a discutir a responsabilização dos agentes torturadores, um tabu sobre o qual ninguém podia falar no Brasil”, afirma. Com isso, diz, o País pôde se reconciliar com uma série de personagens históricos, inclusive o ex-presidente João Goulart, perseguido político número 1 da ditadura, e, agora, Chico Mendes. “Isso não é pouco. Passamos a dar uma resposta em relação a erros cometidos pelo Estado brasileiro”, avalia.

O caso de Chico Mendes foi relatado pela conselheira Sueli Bellato. Emocionada, ela disse ter lido muito sobre o seringueiro morto para, então, encadear os argumentos que a fizeram acatar o pedido de reconhecimento e indenização interposto por Izalmar Mendes. Ex-militante do MDB durante a ditadura e um dos fundadores do PT no Acre, Chico Mendes foi vereador em Xapuri, onde nasceu e se firmou como crítico de projetos governamentais de graves conseqüências ambientais, como a construção de estradas na região amazônica.

No relatório, aprovado por unanimidade, a conselheira contou detalhes da vida de Chico Mendes, da infância pobre nos seringais ao dia em que foi assassinado. Segundo Sueli Bellato, a atuação de Mendes contra grileiros e latifundiários rendeu, durante a ditadura, um arquivo de 71 páginas redigidas por agentes do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI). Foi por participar de um ato público, ao lado do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1980, que Chico Mendes passou a ser fichado e perseguido pelos militares. Ao lado de Lula, em Rio Branco, o seringueiro fez um discurso exaltado contra a violência no campo provocada pelos fazendeiros.

Na época, Chico Mendes foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, acusado de “atentado contra a paz, a prosperidade e a harmonia entre as classes sociais”. E, é claro, de ser comunista. Preso em diversas ocasiões, só foi definitivamente absolvido em 1º de março de 1984, quatro anos depois, portanto, de iniciadas as perseguições. De acordo com a conselheira Sueli Bellato, embora o relatório não tenha se aprofundado na questão, foi possível constatar que Chico Mendes também foi torturado enquanto estava sob custódia de policiais federais.

Para justificar os valores da indenização, a conselheira levou em consideração a possibilidade de Mendes, caso estivesse vivo, estar trabalhando em umas das secretarias estaduais do Acre. Na platéia do teatro estavam amigos e parentes do seringueiro, além de políticos da região, como o governador do Acre, Binho Marques, do PT. Outros seis casos de líderes sindicais perseguidos pela ditadura foram também analisados, no dia 10, pela Comissão de Anistia. Todos foram deferidos.

(Por Leandro Fortes, Carta Capital, 15/12/2008)
*O jornalista viajou a convite da Comissão de Anistia


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