Muitos países estão investindo em novos reatores para combater a dependência do petróleo e as mudanças climáticas

O desastre na usina ucraniana de Chernobyl, em 1986, parecia ter decretado o fim iminente da energia nuclear, que passou a ser vista como perigosa, além de cara demais. Ninguém queria apostar em um projeto que trazia o fantasma de uma tragédia que matou cerca de 200 mil pessoas – e, por conseqüência, carregava consigo uma grande rejeição popular. Vinte e dois anos depois, ela continua impopular. Mesmo assim, o que se vê é um setor em pleno crescimento, com muitos países anunciando grandes investimentos em novas usinas – e até mesmo ambientalistas saindo em sua defesa.

Estão em construção 42 reatores, que se somarão aos outros 439 já em funcionamento em todo o mundo. Além disso, 106 estão em fase de planejamento e devem sair do papel nos próximos anos. A China é um dos países que devem apostar nesse tipo de energia para suprir as necessidades impostas pelo crescimento econômico. Na semana que passou, o governo chinês anunciou que prepara a construção de sua primeira central nuclear no interior, na província de Hubei, no centro do país.

Governo brasileiro quer até 60 usinas em 50 anos

É essa demanda energética cada vez maior de nações desenvolvidas ou em desenvolvimento que impulsionou a instalação de novas usinas, o que, de quebra, colaboraria para combater um outro problema: as mudanças climáticas. O setor passou a vender a energia nuclear como a melhor resposta para ambos os males – diminuiria a dependência de combustíveis fósseis, como o petróleo, e seria a única capaz de fornecer energia em larga escala com poucas emissões de gases causadores do efeito estufa, um dos fatores que causariam o aquecimento global.

Relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) indica que os investimentos no setor devem crescer cerca de 3% ao ano até 2030. Hoje de 372 gigawatts, a capacidade de produção pode chegar a 748 gigawatts.

Nos EUA, mesmo com um projeto que prevê grande impulso às energias alternativas, o presidente eleito, Barack Obama, admite que, sem usinas nucleares, o país não conseguirá se comprometer nem com seu crescimento econômico, nem com possíveis metas de redução de emissões de gases.

E o Brasil não fica atrás. Em setembro, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que o governo já definiu como prioritária a retomada do programa nuclear brasileiro, e que deverá construir 50 a 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos – com capacidade de geração de aproximadamente mil megawatts cada unidade. Hoje em dia, o país tem duas usinas do tipo – Angra 1 e Angra 2, no Rio de Janeiro, que respondem por 2,8% da produção energética brasileira. Antes disso, o Brasil deve terminar ainda a construção de Angra 3, paralisada nos anos 80. Em setembro, foi autorizada a instalação do canteiro de obras da usina.

Existe até uma ONG advogando em favor da causa: a Environmentalists for Nuclear Energy (Ambientalistas pela Energia Nuclear). Ainda assim, não significa que para todos essa fonte de energia deixou de ser uma vilã para se tornar santa. Um dos líderes no setor de energias alternativas, a Alemanha, por exemplo, tem um plano de abandono da energia nuclear.

ONGs como o Greenpeace também rechaçam os argumentos da indústria nuclear. Para eles, esse tipo de energia não pode ser “limpa” porque usa um combustível de disponibilidade finita – o urânio – e gera toneladas de lixo radioativo, “uma poluição perigosa que, assim como o aquecimento global, será herdada pelas próximas gerações e permanece perigosa por centenas de milhares de anos”.

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SEGURANÇA
O professor Farhang Sefidvash, que desenvolve um projeto de reator nuclear dentro do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fala sobre o tema:
As usinas mais antigas, que têm um mecanismo que detecta falhas no reator, passaram por melhoramentos à medida que a tecnologia foi avançando. As maiores mudanças, porém, são apresentadas por muitos reatores de quarta geração, que confiam sua segurança às leis da natureza, como a gravidade, que nunca falham. De acordo com Farhang Sefidvash, o risco de um acidente – que já era pequeno – chega a zero com os reatores do futuro. Ele ressalta que as usinas, como qualquer outro equipamento, com o tempo precisam ser substituídas.
– Entre os mais de 400 reatores no mundo, que estão funcionando há 30 ou 40 anos, só deu problema em um ou dois. Analisando estatisticamente, eles estão muito bem. Durante esse tempo, muitos aviões caíram e carros estragaram – avalia.
LIXO NUCLEAR
Atualmente, não há nada o que fazer com os resíduos do processo de energia nuclear. Eles precisam ser armazenados com muito cuidado dentro das usinas. Já o reator desenvolvido pela equipe de Sefidvash, na UFRGS, por exemplo, permite que esses resíduos radioativos sejam usados pela medicina, como em tratamentos de câncer.
FUSÃO NUCLEAR
Usinas nucleares tradicionais funcionam com fissão nuclear – a divisão de um núcleo atômico. Outra forma de gerar energia é a fusão nuclear – a junção de átomos nucleares por meio de altas temperaturas. Não só essa tecnologia gera mais energia, como produz muito menos lixo radioativo.
Segundo Farhang, porém, ainda demorará muito para as usinas de fusão nuclear estarem disponíveis, talvez apenas no final deste século:
– Só em 2020 saberemos se esse tipo de energia é possível, para depois disso desenvolvê-la.

(Zero Hora, 14/12/2008)