Márcio Meira: presidente da Funai; Márcio Meira elogia decisão do Supremo, mas discorda da crítica de que fundação teria superpoderes
A decisão já tomada pela maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) é vista pelo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, como o reconhecimento da política de demarcação contínua das terras indígenas. Ele contesta, no entanto, as críticas feita por ministros de que o órgão tem superpoderes.
A Funai vai rever sua política de demarcações? Não. A Funai continuará demarcando as terras que forem adequadas e necessárias à sobrevivência física e cultural dos índios. A Funai conseguiu fazer, nos últimos anos, as demarcações como devem ser, identificando o tamanho da terra indígena que é necessária para a sobrevivência física e cultural dos índios. É o que determina a Constituição.
Mas há críticas de que os índios não ocupam integralmente as áreas demarcadas.Tem áreas realmente em que não mora ninguém. Por exemplo, o Monte Roraima (área de conservação ambiental dentro da reserva). Lá, não mora ninguém. Assim como não mora ninguém num templo religioso. É como na Catedral Notre-Dame de Paris. Não mora ninguém lá, mas nem por isso ela deixa de ser fundamental para a civilização ocidental.
Basta terra ampla para garantir a qualidade de vida dos índios?Não. Não basta. Mas sem a terra não há possibilidade de sobrevivência física e cultural dos índios. A terra não é suficiente, mas é condição sine qua non para o índio ter possibilidade real de sobrevivência física e cultural. O Estado brasileiro tem de estar presente para garantir educação de qualidade diferenciada, saúde de qualidade diferenciada, uma política de meio ambiente específica. O Estado brasileiro tem de fazer isso. Mas tudo isso depende da condição básica que é a regulação fundiária dessas terras.
Houve críticas entre ministros do STF de que a Funai tem poder demais.Não concordo com isso. O que a Funai faz emana da Constituição. A Funai cumpre um papel técnico. Não cabe dizer que a Funai tem superpoder. Ela apenas cumpre a legislação.
O sr. espera maior resistência a demarcações extensas a partir de agora? A Funai passa a ter mais tranqüilidade, porque alguns pontos fundamentais ficaram consagrados nos votos dos ministros. Primeiro: terra indígena é contínua. Não existe terra indígena em formato de ilhas. Outro ponto: a definição da terra indígena se dá com base no conhecimento antropológico. Não é ninguém mais além dos antropólogos. Terceiro: terra indígena em faixa de fronteira não é ameaça à soberania nacional.
Os brasileiros não-índios têm menos direito que os brasileiros índios? Todos somos brasileiros. Só há uma diferença: eles estavam aqui antes de o Estado brasileiro existir. Eles têm um direito originário, que é o direito à terra tradicionalmente ocupada. Eles não têm mais direitos, eles têm o direito originário por estarem aqui antes de nós.
(Por Felipe Recondo,
O Estado de S. Paulo, 12/12/2008)