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documentário amazônia
2008-12-12

A reportagem de O Eco aguardava no salão principal de um hotel em Copacabana, no Rio de Janeiro, na quinta-feira (27), quando a porta do elevador se abriu. Lá estava sir Adrian Cowell, um senhor de barba e cabelos brancos, reconhecido como um dos maiores documentaristas vivos em todo o planeta. Nascido na China, em 1934, e criado na Inglaterra, o cineasta passou grande parte de seus 74 anos no meio da Amazônia, floresta que visitou pela primeira vez em 1958. Palco e personagem principal de dezenas de seus filmes, o maior bioma tropical do mundo ganhou uma mostra no Rio de Janeiro, que seguiu até o dia 7 e, depois, embarcou para Brasília. Mas o melhor de tudo é que a produção brasileira de Cowell foi doada para a Universidade Católica de Goiás (UCG), que já recebeu as primeiras sete toneladas do acervo, o que garante um dos mais completos bancos de dados sobre a história da floresta.

A trajetória do diretor de cinema britânico começa no final da década de 1950, quando estava no último ano da Universidade de Oxford-Cambridge. Era preciso fazer um trabalho para encerrar sua graduação e o departamento responsável pelas indicações de estágio sugeriu a Cowell um período na Procter & Gamble, empresa de produtos de higiene pessoal. “Não era um futuro muito bom”, disse, aos risos. Para se livrar da proposta, o rapaz organizou uma expedição até Cingapura e produziu três programas para a BBC, rede de televisão estatal inglesa. Ao voltar para o Reino Unido, Adrian ofereceu ajuda na edição e ganhou ainda mais experiência.

A viagem deu tão certo que, no ano seguinte, a BBC financiou um segundo roteiro para Cowell e outros cinco estudantes de Cambridge. Desta vez, o destino foi a América do Sul. Os jovens, todos na faixa dos vinte e poucos anos, dispunham de três jipes Land Rover e material de filmagem para rodar quatro documentários de meia hora. Tudo seria incorporado à série Adventure, produzida por David Attenborough e Brian Branston. Foi quando conheceram os irmãos sertanistas Orlando e Claudio Villas-Bôas, na região do Alto Xingu (MT), que tinham a incumbência de demarcar o primeiro Centro Geográfico do país, a pedido de Juscelino Kubitschek, presidente da República,.

“Depois de duas semanas filmando aldeias, a equipe seguiu viagem pela América do Sul. Mas eu decidi ficar mais sete meses no Brasil com os Villas-Bôas”, lembra Cowell, que depois lançou o livro The heart of the forest (O coração da floresta), sobre a experiência. Durante os 50 anos seguintes, o cineasta visitou o Brasil com freqüência impressionante e fez da Amazônia sua segunda casa. Ao todo, realizou mais de vinte documentários na região, sobre índios, seringueiros (quando conheceu Chico Mendes), ações dos madeireiros e os graves problemas oriundos do desmatamento.

Talvez o período de maior vigor artístico do diretor tenha sido nos anos 1980, chamados por ele de “a década da destruição”. Segundo Cowell, aliás, a produção de mesmo nome só aconteceu graças à sorte de contar com boas amizades em terras tupiniquins. “Em 1979, avisaram que o desmatamento estava aumentando muito em Rondônia e disseram: “venha filmar agora!. Foi o que eu fiz”, disse. Chegando lá, percebeu a gravidade da situação e contratou uma equipe para estar disponível durante os dez anos seguintes. O material era enviado para a ITV, rede britânica de televisão que também apóia seus projetos.

Companheiro de longa data
Foi justamente em 1980 que Cowell iniciou sua parceria com a Universidade Católica de Goiás, responsável pela co-produção de todos os seus filmes no Brasil. No mesmo ano, na sede daquela instituição, em Goiânia, conheceu um rapaz que seria seu cinegrafista nas três décadas seguintes. Mas não foi de primeira que sir Adrian aceitou trabalhar com Vicente Rios. “Apresentei meu material para a universidade, disse que já era profissional e me contaram que um gringo estava chegando para filmar a Amazônia durante um ano. Quando o conheci, disse que queria participar da equipe de qualquer jeito, mesmo que fosse para carregar tripé”, contou Rios.

Cowell não aceitou a proposta e embarcou sem Vicente para os rincões mais profundos da floresta. Depois de dois meses, no entanto, o professor da universidade Mário Arruda, que acompanhava a equipe, precisou voltar para Goiás e Rios foi convidado para assumir a assistência de câmera. “Depois de um certo tempo, morreu o pai de um cinegrafista inglês e o cara teve que voltar. O Adrian me disse para pegar a câmera e nós rodamos uns 60 rolos de filme. Daí, ele mandou este material separado para o laboratório, a fim de ver o que eu tinha feito”, completa.

O final é feliz: o trabalho de Vicente ficou ótimo e, a partir daquele momento, Cowell percebeu que não precisaria mais trazer profissionais da Inglaterra. Montou sua própria equipe brasileira, ao lado de Rios, e com ele continua até hoje. Agora, existe a gratidão. “Adrian é meu mestre, nunca vi ninguém igual”, diz o cinegrafista, que ama a floresta. “A Amazônia é quase como uma cachaça. Uma paixão, experiência única, viciante. Tanto que comprei um pedaço de mato no Tocantins, com mil hectares intocados. Chamo de reserva Mapingüari, em homenagem à lenda sobre o monstro que assusta os regionais”, explica, para depois contar que passava muito tempo dentro da mata, às vezes seis meses seguidos, e voltava com cabelos e barbas enormes. “Adivinha qual era o meu apelido?”, recorda.

Essas e outras histórias já chegaram a Goiás, onde um grupo de estudantes e professores trabalha no acervo de Cowell. Em junho, um avião vindo da Inglaterra pousou no Brasil com sete toneladas de seu trabalho na Amazônia, recheadas com latas de películas em 16 mm, vídeos, depoimentos em gravações de rádios, manuscritos e planos de filmagem. A doação foi orquestrada pela universidade em parceria com a Casa de Oswaldo Cruz, uma unidade da Fiocruz.

Trabalho em evidência
Durante os últimos dois anos, com patrocínio da Petrobrás e do BNDES, Stella Penido, coordenadora do projeto pela Fiocruz, Cowell e profissionais da UCG arregaçaram as mangas para organizar todo o material em ordem cronológica. “Temos já no Brasil o material filmado desde a década de 1960 até 2005, sendo que, a partir de 2000, Adrian optou pelo vídeo em vez de película”, explica a curadora. Segundo ela, a idéia de doar o acervo foi do próprio cineasta, mas havia um impasse financeiro: como trazer um produto que exige tanto cuidado sem investimentos?

“Conseguimos os apoios e, no ano passado, passei dois meses em Londres listando e empacotando tudo. Demorou a chegar porque, como era doação, veio sem isenção fiscal, o que exige uma burocracia enorme. Mas agora está tudo aqui. O que tem com Adrian são alguns vídeos, mas ele ainda os usa para vender as imagens no mercado internacional”, diz Penido. A partir de agora, qualquer pessoa física ou jurídica brasileira que desejar comprar os direitos de exibição de algum filme feito por Cowell na Amazônia deve procurar a Universidade Católica de Goiás.

Para celebrar as cinco décadas de trabalhos prestados no Brasil e a chegada do acervo, foi montada a mostra Amazônia segundo Adrian Cowell – 50 anos de cinema. Os cariocas puderam conferir 14 documentários do cineasta na Caixa Cultural, no centro da cidade, entre 25 de novembro e 7 de dezembro. Agora, é a vez de Brasília, entre os dias 9 e 14 de dezembro, no Centro Cultural do Banco do Brasil. Quem sabe Lula e companhia aparecem por lá, para entender um pouco mais sobre os dramas vividos pela floresta e por quem vive nela. Confira programação clicando aqui.

Questionado sobre qual o seu filme preferido, Adrian tem a resposta na ponta da língua. “Sempre o próximo”. Mas, enquanto um novo projeto não é aprovado, uma última pergunta: A Amazônia é um dos melhores lugares do mundo? “Quando eu a conheci, era. Tinha muita lontra no rio Xingú, peixe demais. Nos primeiros sete meses, passei o tempo inteiro caçando. Essa parte da Amazônia acabou. Tem muito desmatamento e, onde está em pé, já não existem as árvores nobres, como o mogno. Na época, a floresta Amazônica era conhecida pelos brasileiros e estrangeiros como um “inferno grande”. O ser humano sabia que ela era muito mais poderosa do que ele. Ela ‘ameaçava’ o homem. Hoje, isso inverteu”.

(Por Felipe Lobo, OEco, 11/12/2008)


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