"O Lula [presidente da República] quer nos separar”. A frase é dita em tom de desabafo pela macuxi Maria Cecília, 47 anos, moradora da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, casada com o mestiço Clóvis Pereira da Costa, 50 anos, com quem tem três filhos, dois jovens e um adolescente. A índia se refere ao fato de o decreto presidencial que homologou a reserva condicionar a permanência do marido na área à abertura da pequena propriedade da família para uso comum.
Se o Supremo Tribunal Federal (STF) vier a confirmar a decisão de manter a demarcação em faixa contínua, que é questionada em ação na Corte, Maria Cecília diz que prefere deixar a área junto com o marido do que conviver com os seus “parentes”, que defendem a terra como de uso exclusivo indígena.
“Vamos ter que sair porque temos outra ideologia. Tudo que você planta tem que dividir com eles [índios ligados ao Conselho Indígena de Roraima, que defendem a demarcação contínua]. Se eles estiverem numa luta, você tem que estar lá, mesmo sem concordar com aquilo. Quem pensa diferente é discriminado, mesmo sendo da própria família”, reclamou Cecília, que é professora em uma escola da reserva. “Temos um pensamento amadurecido e, com certeza, iríamos para outro lugar. Eles querem o retrocesso”, acrescentou.
O marido da índia alega que se abrisse sua área para uso comum, “perderia a liberdade” de definir suas criações, já que teria que se submeter ao Conselho Indígena de Roraima. Ele espera que, caso tenha que sair, receba um indenização justa da Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo Clóvis, a Funai já ofereceu ao casal R$ 25 mil e reassentamento em área ao sul do estado, mas ele considera terem direito a, no mínimo, R$ 60 mil.
O maranhense Nilo Carlos, de 37 anos, é funcionário há 12 anos do produtor de arroz Paulo César Quartiero e, assim como Clóvis, casou-se com uma índia macuxi, Aldenora dos Santos, de 25 anos. O casal tem dois filhos pequenos e espera o terceiro. O operador de máquinas agrícolas diz ser vítima de preconceito: “Eu sou branco e vim escolher uma esposa indígena, mas eles [índios do CIR) não querem que fique no meio deles”.
Se vier a perder o emprego pela saída dos arrozeiros da reserva, Nilo já sabe em quem irá colocar a culpa. “O culpado é o presidente da República, que está desapropriando as fazendas e as famílias”, criticou.
Apesar das reclamações dos vizinhos, Martinho Macuxi, um dos coordenadores do CIR, lembrou que a entidade não se oporá à permanência na reserva dos brancos casados com índias que se dispuserem a viver conforme os costumes tradicionais, a vida em coletividade. “Aquelas pessoas que são de acordo com a comunidade vão permanecer. Aquele que não é será retirado daqui”.
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Agência Brasil, 11/12/2008)