Tendência dos ministros é determinar também a saída dos arrozeiros que se encontram no território indígenaO Supremo Tribunal Federal (STF) deve manter, no julgamento de hoje, a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol (RR) nos mesmos termos do que foi definido pelo governo, mas afirmará que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não pode funcionar como porteiro das terras indígenas. A preocupação dos ministros, que prevalecerá ao fim do julgamento, é garantir que os órgãos do Estado, como Exército e Polícia Federal, tenham livre acesso às reservas para garantir, especialmente, a soberania nacional, como determina a Constituição. Além disso, determinará que os arrozeiros que estão hoje na região devem deixar as terras.
Do julgamento, não deverá sair, portanto, uma decisão que possa criar embaraços à política indigenista do governo e às demarcações anteriormente feitas em outros Estados. Essa afirmação do Supremo valerá para todas as reservas já definidas e para as próximas homologações. E servirá de indicação para as 106 ações que tramitam no STF sobre a legalidade das demarcações.
Uma decisão diferente desta poderia provocar nova leva de ações judiciais para contestar as demarcações já feitas nas mais de 630 áreas, principalmente em terras contínuas, que são maioria. A preocupação maior era com a possibilidade de os ministros obrigarem a Funai a fazer a demarcação em ilhas, como defende o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior.
Diante dessa possibilidade, descartada pela quase totalidade dos ministros, o presidente da Funai, Márcio Meira, fez ontem um último esforço para preservar a demarcação da reserva. Meira esteve no Supremo acompanhado de índios e da senadora Marina Silva (PT-AC) para mostrar os riscos que uma decisão distinta poderia gerar. "Uma decisão com alguma brecha pode causar prejuízo porque pode levar ao questionamento de outras áreas", afirmou Meira.
Como exemplo desse possível impacto, o presidente da Funai afirmou que a demarcação em ilhas da reserva dos índios guaranis, em Mato Grosso do Sul, hoje é revista pelo governo a pedido dos próprios índios. "A demarcação em forma de ilha dilapidou o modo de vida tradicional dos guaranis", disse. Para ele, já ficou provado que a demarcação descontínua provoca conflitos entre índios e não-índios.
Outro receio do governo era a possibilidade de recuar a reserva indígena para deixar as fronteiras livres para o Exército. O governador de Roraima defendia o recuo para que a área - de 2.000 km de extensão - pudesse ser livremente habitada. "Não tem sentido recortar a terra indígena para fins de segurança nacional", afirmou Meira. Com a reafirmação de que o Exército e a Polícia Federal podem entrar livremente nas reservas, o STF tenta superar essa discussão.
O Supremo vai retomar hoje um julgamento iniciado em agosto, quando o relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou favoravelmente à demarcação contínua da reserva. Mas a discussão foi interrompida por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Direito. Antes de agosto, pontos da demarcação já tinham sido analisados por ministros do tribunal.
(Por Felipe Recondo e Mariângela Gallucci,
O Estado de S. Paulo, 10/12/2008)