A alta no preço dos alimentos praticamente reverteu todo o trabalho para a redução da fome na América Latina e no Caribe nos últimos dez anos, segundo um relatório divulgado nesta terça-feira pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação).
De acordo com o relatório O Estado de Insegurança Alimentar no Mundo, 51 milhões de pessoas passavam fome na América Latina e no Caribe em 2007 – quase o mesmo nível de 1997, quando havia 51,8 milhões nessa condição.
Esse aumento ocorreu apesar de a América Latina e o Caribe ter sido apontada no documento como a região que mais apresentou iniciativas para reduzir a fome antes da onda de aumento de preços dos alimentos – no período entre 2002 e 2005, o número de pessoas atingidas pela fome na região teria caído para 45,2 milhões.
O relatório divulgado nesta terça-feira não traz um dado específico sobre a abrangência da fome no Brasil em 2007, mas indica que entre 1990 e 2005 o número de pessoas passando fome no país caiu de 15,8 milhões para 11,7 milhões.
Crise global
Em todo o mundo, a recente crise global dos alimentos colocou mais 40 milhões de pessoas abaixo do limiar da fome apenas neste ano. Segundo as estimativas da FAO, o número de pessoas desnutridas no mundo passou de 923 milhões em 2007 para 963 milhões em 2008.
De acordo com o relatório da FAO, o 9º editado pela agência da ONU desde a Cúpula Mundial sobre Alimentos de 1996, a atual crise econômica e financeira poderá levar mais pessoas a conhecer a fome e a pobreza no próximo ano.
“O preço mundial dos alimentos caiu desde o início de 2008. Mas esses preços mais baixos não acabaram com a crise de alimentos em muitos países pobres”, assinalou o diretor-geral adjunto da FAO, Hafez Ghanem.
“Para milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, comer a quantidade mínima de comida todos os dias para ter uma vida saudável e ativa é um sonho distante. Os problemas estruturais como fome, falta de acesso à terra, crédito e emprego, junto com os altos preços dos alimentos, permanecem uma terrível realidade.”
Preços altos
Apesar da redução registrada neste ano, os preços dos principais cereais permanecem altos em comparação aos anos anteriores. O índice FAO dos preços alimentares ainda é 28% mais alto em outubro de 2008 em relação ao mesmo mês de 2006. “Se os preços mais baixos e a crise de crédito associada com a crise econômica fizerem com que os agricultores plantem menos alimentos, uma outra onda de preços dramáticos de comida poderia chegar no ano que vem”, diz Ghanen.
De acordo com ele, o desafio da FAO de reduzir o número de pessoas com fome pela metade até 2015 requer um forte compromisso político e investimentos nos países pobres. Seriam necessários pelo menos US$ 30 bilhões por ano, de acordo com Ghanen, para garantir a segurança alimentar e reativar o setor agrícola - por muito tempo negligenciado - dos países mais afetados.
“A crise tem afetado principalmente os mais pobres, os sem-terra e as famílias chefiadas por mulheres”, assinalou o diretor-geral adjunto da FAO. “Vai requerer um esforço global enorme e dedicado e ações concretas para reduzir em menos 500 milhões o número de pessoas com fome em 2015.”
Possibilidade remota
Os dirigentes da FAO acreditam que alcançar a meta fixada na Cúpula Mundial sobre Alimentos, em 1996, de reduzir o número de pessoas com fome em 500 milhões nos sete anos que faltam para 2015, é uma possibilidade remota.
Atualmente, a grande maioria dos famintos do mundo, ou 907 milhões de pessoas, vive em países em desenvolvimento. Destes, 65% são oriundos de Índia, China, República Democrática do Congo, Bangladesh, Indonésia, Paquistão e Etiópia. Cerca de dois terços das pessoas que sofrem com a fome moram na Ásia (583 milhões em 2007).
Na África subsaariana, uma a cada três pessoas (236 milhões em 2007) é cronicamente faminta. Conforme o relatório da FAO, trata-se da mais alta proporção de subnutridos em relação à população total.
A maior parte do aumento do número de famintos ocorreu na República Democrática do Congo, devido ao persistente conflito interno que acabou se espalhando ainda mais pelo país. Os subnutridos passaram de 11 milhões para 43 milhões (em 2003-2005), representando um crescimento de 29% para 76%.
Países do Oriente Médio e África do Norte geralmente apresentam os mais baixos níveis de subnutrição do mundo. No entanto, os conflitos no Afeganistão e no Iraque e os altos preços dos alimentos fizeram com que os números passassem de 15 milhões em 1990-92 para 37 milhões em 2007.
O relatório da FAO admite que se as tendências que se apresentam hoje forem mantidas, nada do que foi prometido durante a cúpula de Roma, realizada em junho, como a intenção de reduzir pela metade o número de pessoas que sofrem de fome até 2015, será alcançado.
Assinala também que a atual crise econômica pode deteriorar ainda mais a situação da fome no mundo na medida em que ela atinge cada vez um número maior de países.
(Por Valquíria Rey, BBC, 09/12/2008)