Nove ONGs ambientais anunciaram sua saída da negociação sobre o Código Florestal. Justificam que o ministro da Agricultura, Reynhold Stephanes, em proposta já acordada com parte da bancada ruralista no Congresso Nacional, se empenha em aprovar, ainda este mês, um pacote que ofende o interesse público, a legalidade e os agricultores.
O protesto é das entidades nacionais Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, Conservação Internacional, Greenpeace, Imazon, Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto Socioambiental (ISA), IPAM, TNC Brasil e WWF – Brasil.
Entre os problemas apontados figura a permissão de ocupações irregulares em Área de Preservação Permanente (APPs) existentes até 31 de julho de 2007, incluindo topos de morros, margens de rios, restingas, manguezais, nascentes, montanhas e terrenos com declividade superior a 45º. Isso comprometeria não apenas os recursos hídricos, mas até mesmo os próprios ocupantes de áreas de risco, em função de enchentes e desmoronamentos, como ocorreu com a tragédia de Santa Catarina.
Da mesma maneira, os estados poderão reduzir todos os parâmetros referentes às Áreas de Preservação Permanente, acabando com o piso mínimo de proteção estabelecido pelo Código Florestal, o que pode ensejar mais desmatamento em todos os biomas no Brasil e a competição pela máxima ocupação possível.
Determina também a redução dos percentuais de reserva legal na Amazônia sem a realização do zoneamento ecológico-econômico, instrumento previsto por lei para garantir a adequação das ocupações do solo rural, um dos poucos elementos de consenso entre ruralistas e ambientalistas até o momento.
E, ainda, o escambo de áreas desmatadas na mata atlântica ou no cerrado por floresta na Amazônia, quebrando por completo a lógica prevista na lei da equivalência ecológica na compensação de áreas e permitindo a consolidação de grandes extensões de terra sem vegetação nativa, o que se agrava com a consolidação de todas as ocupações ilegais em área de preservação permanente.
“Enquanto o Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas propõe a necessidade de recuperação de mais de 100 milhões de hectares de pastos abandonados ou degradados, o Ministério da Agricultura cogita a consolidação de ocupações independentemente da confirmação da aptidão do solo”, ressaltam as entidades.
Para as ONGs, a proposta apresentada pelo Ministério da Agricultura e a Frente Parlamentar da Agropecuária é uma verdadeira bomba-relógio para fomentar novas situações como aquelas de Santa Catarina, legalizando e incentivando a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis.
“Não é possível discutir e negociar com um Ministério que, em detrimento do interesse público, se preocupa apenas em buscar anistias para particulares inadimplentes. Para ter credibilidade, o processo de negociação sobre Código Florestal deve ser vinculado à obtenção do desmatamento zero, conforme assumido pelo presidente da República,e ao cumprimento da legalidade em todo o território nacional”, pontuam.
As organizações ambientalistas acompanharam as duas primeiras reuniões do grupo de trabalho formado pelos ninistérios da Agricultura, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário.
A previsão é que os deputados da Comissão de Meio Ambiente da Câmara votem, já na próxima quarta-feira (10), o Projeto de Lei 6424/2005, que altera a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o novo Código Florestal.
Posteriormente, o projeto terá de ser discutido na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. A Comissão de Agricultura, a última a analisar o projeto, aprovou que áreas que deveriam ser de proteção dos ecossistemas, mas que já foram destinadas à agricultura ou à pecuária, podem continuar a ser exploradas, o que colocou os ambientalistas em alerta.
Isso porque, se aprovado nas comissões de Meio Ambiente e de Constituição e Justiça, o projeto que muda o Código Florestal Brasileiro não precisará passar pelo plenário da Câmara, e deverá ser encaminhado ao Senado, onde foi apresentado.
O projeto que altera o Código Florestal (Lei 4.771, de 1965) foi apresentado em dezembro de 2005 pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Previa que, na reposição florestal de áreas desmatadas, deveriam ser priorizados projetos que contemplem o plantio de espécies, nativas ou não, destinadas à exploração econômica. O objetivo declarado é estimular os proprietários de terra a recuperarem suas reservas legais mediante uma alternativa financeira. Mas a bancada ruralista fez emendas que tornaram o projeto ainda mais prejudicial do que o original.
Com as alterações, perde o Espírito Santo, e muito. Da área original da mata atlântica espalhada pelos municípios capixabas, restam apenas 7% preservada. Somente de 2005 a 2007, o Estado perdeu 778 hectares de vegetação nativa, e o desmatamento segue em ritmo crescente.
O governador Paulo Hartung já não determina que seja cumprida a lei que exige a manutenção ou replantio de mata atlântica até cobertura de 20% da propriedade com vegetação nativa, que forma a chamada reserva legal. Caso cumprisse a lei, só em seu governo, teria recuperado pelo menos 5,5% da reserva legal, como determina o Código Florestal. Não cumpre, ainda, a legislação que exige a manutenção das APPs.
Sem a vegetação nativa, o ciclo da água é alterado. As águas das chuvas assoreiam os córregos. Quando chove há inundações, depois longos períodos de estiagem, pois não houve infiltração da água na terra, para lenta devolução à superfície. Com tantas mudanças na vegetação e no solo, as secas são cada vez mais intensas.
(Por Manaira Medeiros,
Século Diário, 09/12/2008)