A Doença de Chagas é um sério desafio de Saúde Publica e tem que ser estudada não somente pelos afeitos ao setor, mas principalmente vista como problema socioambiental. Essa é a tese defendida pelo especialista em Saúde Publica e Epidemiologia Arnaldo Ballarini, que lança os seguintes questionamentos: “Estão os barbeiros silvestres se domiciliando ou as cidades e vilas adentrando no seu habitat? Qual o porquê da inércia das autoridades sanitárias em tomada de decisão frente ao avanço da doença?”.
Segundo ele, por volta de 1968 foram diagnosticados os primeiros casos de Doença de Chagas na Amazônia. Especificamente no Amapá, eles surgiram um pouco depois, já na década de oitenta. Somam-se neste período mais de 300 casos diagnosticados na região.
“Até pouco tempo, os livros de medicina, saúde e biologia não incluíam a região Amazônica como endêmica a Chagas e nós, que já convivemos com a malária, leishmania e recentemente a dengue, relutamos em admitir esta nova doença no nosso terrível quadro nosológico das endemias”, disse Ballarini a AmbienteBrasil.
Essa questão de saúde na região amazônica tem impactos ainda sobre uma de suas principais atividades econômicas: a indústria do açaí, muitas vezes incriminado como veiculo de transmissão da Doença de Chagas.
“Hoje a maior parte do nosso açaí é exportada. Ele segue com uma série de exigências assegurando as condições higiênicas e nutricionais da fruta. Os importadores obrigam a limpeza dos caroços, lavagem a frio e a quente e a pasteurização do produto, não somente por causa da Chagas, mas por todas as doenças que podem ser transmitidas pelos alimentos e pela água utilizada”, explica Arnaldo Ballarini. “A possibilidade de contrair a doença, o risco lá fora, ficou próximo a zero. E aqui como ficamos?”.
Na Amazônia, segundo ele, cresce o número de casos, em diferentes comunidades. A maioria é descoberta acidentalmente em suspeitas de febres a esclarecer ou no exame de malária, quando se encontra um parasita diferente na lâmina.
“A situação é bem mais grave do que se apresenta, pois, para cada caso diagnosticado, estima-se haver vinte outros na forma silenciosa, segundo o pesquisador doutor Aldo Valente, do Instituto Evandro Chagas”, diz Ballarini.
Ele defende ser preciso conhecer melhor o comportamento da doença na Amazônia, estudando as espécies de barbeiro, seus hábitos e domicialização; os reservatórios vertebrados selvagens e urbanos; a clinica, tratamento aos pacientes; a geografia da doença e métodos higiênicos na manipulação do açaí, entre outras informações preciosas para que se determinem riscos, formas de atuação, diagnóstico e tratamento. “Mas o que já possuímos de conhecimento é o suficiente para que medidas preventivas sejam postas em prática e frear a avalanche de casos”, ressalva.
Ballarini faz uma analogia com as ocorrências de Doença de Chagas verificadas há alguns anos, no litoral de Santa Catarina, cuja transmissão, conforme verificou-se, ocorreu por meio da ingestão de caldo de cana.
“Mobilizaram o Ministério da Saúde, Secretarias de Saúde e Agricultura do Paraná e Santa Catarina e o fato causou alarde nacional em toda imprensa; buscaram, trataram e investigaram os pacientes, examinaram os comunicantes, pesquisaram os barbeiros; modificaram as condições higiênicas do consumo de caldo de cana em dois estados”, cita o pesquisador.
“Aqui, são quarenta anos convivendo com o problema e há forte temor com os reflexos políticos que uma medida rígida saneadora poderá criar. Há clara omissão em relação à Doença de Chagas em toda Amazônia”, aponta.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 09/12/2008)