Os índios Tikuna vivem na Amazônia, perto de Tabatinga, e há muito tempo acreditavam que sua comunidade era um portal para o sobrenatural, um local de contato com os imortais que os guardariam e garantiriam sua existência. Mas ultimamente, eles descobriram que a localização pode na verdade ser uma maldição.
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A comunidade Tikuna, conhecida como Mariacu, fica em um plácido trecho do rio Solimões, a menos de cinco quilômetros desta apressada cidade comercial por uma estrada de terra vermelha.
Ainda que aparentemente tranquila, a área se tornou um imã para traficantes de drogas que transitam pela fronteira entre o território brasileiro, a Colômbia e o Peru.
Alguns índios aceitam dinheiro para trabalhar como mulas do tráfego, usando seu conhecimento dos rios e da densa floresta tropical para levar cocaína ao crescente mercado brasileiro, afirmam as autoridades locais. E um número cada vez maior de Tikunas sucumbe ao abuso do álcool e das drogas, que os líderes indígenas culpam pelo suicídio de cerca de 30 adolescentes nos últimos cinco anos.
Para os Tikunas, estes traumas representam a última ameaça na luta pela sobrevivência da tribo.
Com a pequena perspectiva de emprego, a geração mais velha luta para manter os jovens fora do caminho dos vícios dos homens brancos e de destruírem o que resta da tradição Tikuna.
Alarmados pela violência e desobediência dos jovens de sua comunidade, os dois chefes de Mariacu recentemente fizeram um incomum e desesperado pedido de ajuda: eles apelaram à polícia brasileira, que geralmente não tem jurisdição sobre tribos indígenas, para que entrassem em sua comunidade e prendessem os traficantes e usuários de substâncias, mesmo se isso significasse colocar os índios à mercê das leis do país.
"Nós queremos que as autoridades ajudem a salvar nossas crianças, para que elas não participem dessas práticas terríveis", disse Oswaldo Honorato Mendes, um dos chefes de Mariacu. "Todos os dias a situação piora. A geração mais jovem não obedece. Eles não mostram respeito pela autoridade dos chefes. Eles precisam aprender a respeitar".
Respeito e obediência aos chefes são pilares das leis tribais, que geralmente equilibram as apreensões nas comunidades indígenas mas se mostraram insuficientes para lidar com os novos desafios.
Os líderes tribais chegaram a um ponto limite em outubro quando Ildo Mariano, 18, se enforcou enquanto seus pais dormiam dentro de uma pequena casa de madeira. Durante meses, ele havia bebido e possivelmente usado drogas com amigos que vivem em Tabatinga, disse seu pai, Alfredo Mariano.
"Ele chegava das aulas à noite e estudava, então seus amigos começaram a buscá-lo e levá-lo não sei para onde", disse Mariano.
Quatro dias depois do suicídio de Ildo, os chefes convocaram agentes das polícias federal, civil e militar de Tabatinga para uma reunião em Mariacu, onde vivem cerca de 5,200 Tikunas. Eles pediram que a polícia realizasse um maior controle sobre o tráfico de drogas e outras ações ilegais em sua comunidade. Os policiais ouviram educadamente, mas deixaram o local sem a certeza de que poderão ajudar.
"Este é um pedido desesperado, mas um que não podemos cumprir legalmente", disse Sergio Fontes, superintendente da polícia federal da cidade de Manaus, que coordena as forças de Tabatinga. "Os chefes querem resolver um problema social com o uso da polícia e isso é errado".
A polícia geralmente não pode entrar em terras indígenas para realizar investigações e os índios gozam de muita imunidade de acordo com as leis brasileiras, disse Fontes. Além disso, o Brasil trata usuários de drogas como vítimas que precisam de tratamento, e não como criminosos. Eles geralmente sentenciam os usuários a tratamentos de desintoxicação e serviço comunitário, ao invés de prisão.
E ainda que álcool e drogas sejam ilegais em Mariacu, lojas de Tabatinga estão cheias de todos os tipos de bebidas. Os Tikunas também falam sobre uma pasta branca, que muitos acreditam ser uma forma de cocaína, que seus jovens misturam às bebidas.
(Por ALEXEI BARRIONUEVO, The New York Times, 08/12/2008)