As temperaturas no Ártico estão aumentando de forma bem mais rápida do que em qualquer outra parte do mundo. Atualmente os pesquisadores afirmam que isto pode ser o resultado de uma alteração drástica dos padrões climáticos globais. Caso eles estejam certos, em breve o gelo do Pólo Norte poderá ser
Há anos os cientistas vêm observando o Oceano Ártico com uma sensação de desconforto cada vez maior. O gelo marinho na extremidade norte do nosso planeta está derretendo - e isto vem ocorrendo de forma bem mais rápida do que se esperava.
De fato, em setembro de 2007, a área do Ártico coberta por gelo marinho equivalia a apenas a metade do território da Europa, o que corresponde a uma redução de 40% em relação à área coberta por gelo em meados da década passada, segundo cálculos do Centro Nacional de Dados Sobre Gelo e Neve, nos Estados Unidos. As geleiras da Groenlândia também estão desaparecendo em um ritmo alarmante. E o próprio Oceano Ártico vem sofrendo um aquecimento desde 1995, uma tendência que só acelerou-se desde o início desta década. No verão de 2007, a temperatura das águas no Mar de Bering, entre o Alasca e o leste da Sibéria, era 5ºC mais elevada do que a média. Ou seja, mais quente do que nunca.
Os dados são claros. A questão pendente há muito tempo é: Por que o Ártico está esquentando tão rapidamente? Os modelos climáticos projetam aquilo que deveria ser uma elevação de temperatura bem mais lenta na região ártica. Um aumento das emissões de gases causadores do efeito estufa e o aquecimento da atmosfera terrestre resultante não são suficientes para explicar esse fenômeno.
Ponto de não retorno
Um novo estudo concluído por uma equipe de pesquisadores norte-americanos, noruegueses e alemães poderá agora fornecer algumas pistas. Publicado no periódico científico "Geophysical Research Letters" de novembro, o estudo afirma que desde o início da década vem ocorrendo uma mudança drástica nos padrões de circulação atmosférica, com os centros de alta pressão deslocando-se para o nordeste no inverno. O novo padrão de mudança climática súbita é caracterizado pelo "transporte de calor atmosférico e oceânico em direção ao pólo", escrevem os autores do estudo. Este transporte provoca a elevação da temperatura no Ártico. A descoberta foi feita com a utilização de filtros especiais que permitem o acompanhamento de mudanças dos centros de alta pressão no decorrer do tempo.
Porém, por trás da linguagem complexa e dos cálculos impenetráveis nos quais o estudo se baseia, existe uma possibilidade assustadora: a mudança climática no Ártico pode já ter atingido o ponto a partir do qual não há retorno possível. Os pesquisadores do clima há muito alertam para tais "pontos de não retorno", avisando que a ultrapassagem desses limites poderia gerar conseqüências irreversíveis para os ecossistemas e a humanidade. No caso do Ártico, isso poderia significar um desaparecimento completo do gelo na região durante os meses de verão. Isso, por sua vez, poderia intensificar ainda mais o aquecimento global, já que o gelo de um branco brilhante reflete a luz do sol para a atmosfera, enquanto as superfícies escuras terrestres e oceânicas absorvem calor.
"No caso do Oceano Ártico, já atingimos o ponto de não retorno", adverte James Hansen, proeminente pesquisador climático norte-americano e diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa.
Ar quente para o Ártico
As águas em torno do Pólo Norte são altamente influenciadas pelas correntes atmosféricas que circulam sobre os oceanos Atlântico e Pacífico. Essas correntes são geradas por sistemas conflitantes de pressão em cada oceano: no Pacífico, a zona de baixa pressão próxima às Ilhas Aleutas que tem início a oeste do Alasca interage com uma zona subtropical de alta pressão que fica ao sul; no Atlântico as correntes são determinada pela zona de alta pressão dos Açores e pela zona de baixa pressão da Islândia.
Há muito tempo o inverno no Ártico é determinado por aquilo que os pesquisadores chamam de um padrão "tripolar". A interação entre a zona de baixa pressão da Islândia, a zona de alta pressão dos Açores e a zona subtropical no Pacífico gera ventos predominantes de leste para oeste, um padrão que bloqueia o deslocamento de massas de ar mais quente para o norte, impedindo que elas entrem na região ártica.
Mas, desde o início desta década, os padrões mudaram. Agora, surgiu um padrão "dipolar" (bipolar) no qual um sistema de alta pressão sobre o Canadá e um sistema de baixa pressão sobre a Sibéria determinam a movimentação atmosférica. O resultado é que atualmente os ventos árticos sopram do norte para o sul, o que significa que o ar mais quente do sul não encontra obstáculos para penetrar na região ártica. "É como um curto-circuito", diz Rüdiger Gerdes, cientista do Instituto Alfred Webener de Pesquisa Polar e Marítima e um dos cinco autores do estudo.
De acordo com o estudo, o fluxo de ar quente do sul foi particularmente intenso durante o inverno de 2005-2006. Durante aquele período, 90 terawatts de energia fluíram do Pacífico Norte para o Oceano Ártico - uma quantidade de energia que supera as necessidades de todo os países industriais somados. Gerdes não tem dúvida de que o gelo "desaparecerá rapidamente caso os novos sistemas de pressão permaneçam onde se encontram atualmente". Ele afirma que o Oceano Ártico ainda congelará no inverno, mas acha que o bloco de gelo será muito pequeno para sobreviver aos meses mais quentes do verão.
Desaparecimento drástico do gelo ártico
James Overland, do Laboratório Marítimo-Ambiental do Pacífico em Seattle, concorda. No periódico científico "Tellus" o oceanógrafo, juntamente com colegas, também chama atenção para os novos padrões de fluxo norte-sul no Ártico. "Caso os fluxos dessas correntes permaneçam onde se encontram, o gelo marinho do Ártico desaparecerá 40 anos antes do que aconteceria devido apenas às emissões de gases causadores do efeito estufa", disse Overland a "Spiegel Online".
Segundo ele, mesmo se a circulação atmosférica do Ártico retornasse ao normal e voltasse ao padrão "dipolar" apenas uma vez em cada década, a situação ainda seria muito ruim. "Cada vez que ocorre uma perda tão grande de gelo, é impossível retornar ao estado inicial", explica ele.
Segundo Overland, o desaparecimento drástico de gelo ártico observado em 2007 não foi uma exceção. Ele diz que o verão de 2008 foi tão ruim quanto o anterior. A progressão é clara: cedo ou tarde a banquisa de gelo tornar-se-á tão pequena que não será mais capaz de sobreviver aos meses quentes de verão.
Gerdes e os co-autores do seu trabalho temem que as mudanças no Ártico possam significar que teve início "uma nova era de mudanças climáticas forçadas pelo aquecimento global". O volume das emissões de gases causadores do efeito estufa como o dióxido de carbono e o metano na atmosfera do planeta pode ter provocado uma mudança permanente no sistema climático global.
Deve-se observar que a série de invernos quentes ocorridos no Ártico nesta década não se constitui na primeira vez em que a região teve um clima mais ameno. Atualmente os pesquisadores sabem que, na década de 1930, houve um padrão "dipolar" semelhante que empurrou ar quente para o Ártico. Porém, naquela época, o ar deslocado era originário do Atlântico Norte e não do Pacífico Norte. Além do mais, diz Gerdes, o ar quente não penetrou além dos 75 graus de latitude norte, marco geográfico que correspondia mais ou menos ao limite anterior da banquisa. Atualmente, o calor difunde-se por todo o Ártico.
Pode ser que os novos padrões de circulação atmosférica sejam causados por variações climáticas naturais. Mas, tendo em vista o derretimento drástico de gelo que vem sendo observado, tal explicação não é suficiente para satisfazer os pesquisadores. O cientista norte-americano Overland, por exemplo, não tem dúvidas: "A alteração drástica dos sistemas de pressão no Hemisfério Norte, combinada ao aquecimento do Ártico, é um sinal claro de aquecimento".
(Por Volker Mrasek, Der Spiegel, UOL, 08/12/2008)