Nas barrancas do rio Tapajós vivem diversas comunidades que estão na região desde tempos imemoriais. O mesmo acontece em cada beira de rio na Amazônia. A região tem 23 milhões de habitantes. Relativamente pouco se comparado com os mais de 150 milhões do restante do Brasil, e levando-se em conta que a região que detém a maior floresta tropical do mundo representa 53% do território brasileiro. As dimensões ficam ainda mais complexas se as contas incluírem as Amazônias do Peru, do Equador, da Colômbia, da Venezuela e das Guianas. Assim o Brasil fica com apenas 50% de todas as Amazônias, o que significa 52 milhões de quilômetros quadrados. A Pan-Amazônia chaga a mais de 100 milhões de quilômetros quadrados. O uso do plural – Amazônias - é justificável não apenas por uma questão de geografia política e fronteiras nacionais, mas porque as Amazônias têm, também, economias distintas, culturas múltiplas e fatores socioambientais dos mais diversos.
O desafio de olhar para a Amazônia é, também, a vontade de se despir de preconceitos e ideologias para poder perceber as nuances de cada comunidade, cada modelos econômico e cada modo de vida. Compreender que a região precisa se desenvolver sem maniqueísmos e que a floresta e a biodiversidade de cada Estado pode ser trabalhada de forma sustentável de acordo com a cultura local. No Sul/Sudeste as pessoas têm a verdadeira noção das diferenças culturais, políticas e ambientais existentes entre gaúchos e mineiros, entre paulistas e cariocas, entre baianos e goianos. No entanto, quando se trata de Amazônia a tendência é considerar, de longe, que tudo é parte de uma única cultura, de um ecossistema monolítico e de um modo de vida igual.
Não, as muitas Amazônias são diferentes em quase tudo. Mesmo a floresta, com sua onipresença, têm nuances que o povo local conhece bem. Tem bichos e plantas que preferem estar aqui ou ali. A economia varia de acordo com a região. As fronteiras são empurradas de forma diferente e mesmo o desmatamento tem vetores distintos. Em ul lugar é o gado, em outro a madeira. Outro ainda é a soja, e muitos outros estão aguardando sua vez, como estradas e represas. A biodiversidade da região é feita por 425 espécies de mamíferos, 1.300 de aves, 427 de anfíbios e 371 de répteis, além de mais de 3 mil espécies de peixes e 40 mil espécies de plantas. Têm rios de água preta (Negro), água branca (Solimões) e águas claras (Tapajós). Tem 200 mil índios, divididos em 220 povos e que falam 180 línguas.
Entres os grandes problemas da Amazônia está o desmatamento, o uso insustentável de seus recursos naturais, a ocupação desordenada do território, a falta de regularização fundiária e uma imensa ladainha de mazelas. Mas, para resolver todas elas, o Brasil precisa encarar de frente a maior delas: o preconceito e o desconhecimento das realidades das Amazônias. Ninguém gosta do que não conhece e o preconceito prospera na ignorância. Os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia brasileira e o Brasil precisa oferecer respostas para formulação de política públicas de desenvolvimento sustentável para a região.
Os desafios da mídia
Para que a sociedade brasileira comece a formular novas propostas e alternativas para a Amazônia é necessário que a conheça em profundidade e não apenas quando saem os índices de desmatamento ou surge alguns escândalo. A maior parte dos jornalistas que atua nos grandes jornais do eixo Rio/SP/Brasília nunca esteve na Amazônia de fato. Alguns foram a Manaus ou a Belém, cidades cosmopolitas que pouco ou nada têm de contato real com a floresta. Cobrir as Amazônias é caro, argumentam com razão editores de todo o Brasil. Uma viagem à região exige recursos escassos nas redações: tempo, dinheiro e jornalistas preparados para o trabalho de reportagem na região.
No entanto, a Amazônia é a grande pauta global. É ela que define a presença do Brasil na mídia internacional, não os sonhos e realizações de empresários, pesquisadores e políticos que vivem e trabalham próximos ao trópico de Câncer. Nas grandes mídias globais os indicadores e números da região ganham destaque em textos de reportagens, análises e fartos infográficos. Também ONGs brasileiras e internacionais mantém bases na região, com trabalhos em todas as vertentes. Esta presença internacional é vista com certa xenofobia por quem não conhece e não sabe o que acontece na linha do Equador. Uma xenofobia que chega a atingir inclusive brasileiros tradicionais, como as populações indígenas e quilombolas. Eles têm direitos ancestrais que são reconhecidos pela Constituição do Brasil, mas recebem ataque de pessoas que não têm a autoridade, o conhecimento ou o caráter necessário para opinar
Cabe à mídia, ou melhor, aos jornalistas, uma vez que a própria mídia passa por um processo de reconstrução baseado nas inovações da TV digital e na internet, estar preparados para deitar um olhar maduro e isento de preconceitos sobre uma das regiões mais ricas, biodiversa e vital para o Brasil e para o equilíbrio ambiental global. A busca por modelos de desenvolvimento baseados em princípio de sustentabilidade precisa do apoio de profissionais de imprensa capazes de relatar boas práticas e não apenas oferecer denúncias. O jornalismo necessário para estes novos tempos tem de carregar a inovação das boas notícias sem deixar de manter a vigilância cidadã sobre os desmandos e crimes cometidos em uma região onde o Estado é notado por sua ausência.
O exercício deste novo jornalismo é o desafio de uma geração de brasileiros que está vendo o planeta ficar pequeno o Brasil crescer. Um jornalismo que olha diferente e projeta para um tempo de grandes transformações ambientais, éticas e políticas. Será o jornalismo que vai mostrar como estão sendo construídos os caminhos para que a humanidade e o Brasil superem entraves de uma profunda mudança de paradigmas econômicos e sociais. E a Amazônia é um dos importantes campos deste jornalismo. O Brasil precisa conhecer a Amazônia e a mídia tem um papel estrutural nesta tarefa.
(Por Adalberto Wodianer Marcondes, Envolverde, 08/12/2008)