Dois documentos publicados nos últimos dias colocaram lenha na fogueira da discussão sobre o futuro das florestas, com visões muito diferentes sobre a tática de utilizar compensações financeiras para combater o desmatamento, conhecida como Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, na sigla em inglês).
A discussão é central no debate sobre o aquecimento global porque as mudanças no uso da terra --principalmente o desmatamento tropical-- respondem por 20% da emissão anual global de gases-estufa.
De um lado, o grupo ambientalista internacional Amigos da Terra afirma que o Redd não só não cumpre o seu objetivo como pode acabar por ter o efeito contrário, piorando as coisas. De outro, o Global Canopy Programme afirma que a tática é o modo mais eficiente de proteger as florestas.
O Redd é uma das principais propostas para conter o aquecimento global e faz parte das discussões em curso até a próxima semana em Poznan, Polônia, para definir o regime de proteção ao clima após 2012, quando o Protocolo de Kyoto expira. Ontem foi o Dia das Florestas em Poznan.
Uma das propostas para o mecanismo prevê que países ricos comprem créditos de carbono gerados pela manutenção das florestas em pé. O dinheiro serviria para incentivar desmatadores a abandonarem suas atividades; os créditos poderiam ser usados para compensar, em parte, a emissão de gás carbônico por queima de combustíveis fósseis países ricos.
Num relatório divulgado na semana passada, a Amigos da Terra diz que o mercado de carbono de florestas prejudica as comunidades locais, incentiva a corrupção nos países mais pobres, premia os poluidores e não barra as emissões.
O problema é que os países desenvolvidos continuariam a poluir e a consumir, com uma preocupação menor em diminuir suas emissões. "Os países ricos querem comprar sua rota para escapar de parar de poluir", disse um dos autores do relatório, Joseph Zacune.
A iniciativa também acabaria por beneficiar os desmatadores, porque o valor seria pago com base no que essas atividades lucrariam se continuassem a destruir as florestas, incentivando um aumento antes da proibição. Além disso, nações que desmatam mais acabam sendo mais ajudadas do que aquelas que fazem o seu dever e conservam suas florestas.
A visão é combatida por Andrew W. Mitchell, diretor e fundador do Global Canopy Programme, editor de um "Little Redd Book" sobre o tema.
"Trabalho com conservação há 35 anos e tudo o que tentamos até agora não funcionou. Estamos perdendo 13 milhões de hectares de florestas por ano. Acabar com isso é difícil e caro, deve custar entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões por ano. Esse dinheiro não vai surgir da filantropia."
Segundo ele, o Redd nem foi definido ainda, já que o modelo final só será decidido no ano que vem, então as críticas de que premia quem desmata mais são precipitadas. Sobre a "fuga" dos países ricos, ele diz que uma coisa não exclui a outra. "Existe uma consciência nos países desenvolvidos de que não é "ou", mas sim "e'", diz.
"A razão por que as árvores caem é porque as florestas valem mais mortas do que vivas. O serviço que elas produzem não é reconhecido pelos governos nem pelo mercado, então elas têm de ser convertidas em alguma outra coisa que valha dinheiro", afirma Mitchell.
Brasil
O governo do Brasil é contra usar florestas para gerar créditos de carbono, e propõe que o Redd seja alimentado por doações voluntárias.
Governos estaduais, no entanto, são favoráveis ao mercado. O do Amazonas assinou neste ano um acordo com a rede de hotéis Marriott para compensar emissões usando a conservação de uma unidade de conservação estadual.
No mês passado, o governador Eduardo Braga assinou um acordo com seu colega Arnold Schwarzenegger, da Califórnia, que abre a possibilidade de investimentos californianos em Redd no Amazonas.
"A posição do governo brasileiro contra a iniciativa é positiva, mas existe uma preocupação muito grande com a política de "saldo de desmatamento", em que a derrubada de uma parte da floresta é compensada com a conservação ou a expansão de uma outra", diz Zacune.
Já Mitchell diz que o Brasil precisa e deve fazer parte dele. "Ninguém paga o país pelo serviço que ele presta ao mundo, de conservar as florestas e evitar a emissão de gás carbônico. A perda de capital natural é enorme para o mundo."
(Por PEDRO DIAS LEITE, Folha de S.Paulo, 08/12/2008)