Embora não se possa provar que as enchentes e deslizamentos de terra que provocaram a morte de 118 pessoas no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, são uma conseqüência do aquecimento global, o professor concorda que o que ocorreu nessa região confirma os estudos do IPCC.
Uma conseqüência das moradias inadequadas. É essa a conclusão do professor Wagner Costa Ribeiro para a tragédia que ocorreu há dois finais de semana em Santa Catarina. Chuvas intensas e localizadas são previsíveis nesta época do ano, mas, quando se vive em morros com até 70 graus de inclinação, as conseqüências tendem a ser maiores do que apenas uma enchente. “Esse tipo de relevo não é indicado para ocupação humana, ainda que seja, em alguns casos, ocupado até por casas e condomínios de luxo. O tipo de solo nessa região é mais sujeito à erosão. Por conta do substrato rochoso dessa região, ele assimila mais a água. Quando você retira a cobertura vegetal, o solo fica exposto, ou seja, a chuva vem forte, não há árvores e, com isso, a velocidade com que a água penetra no solo acaba sendo maior”, revelou o professor na entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone.
Wagner Costa Ribeiro é geógrafo pela Universidade de São Paulo, onde obteve o título de mestre e doutor em Geografia. Na Universidad de Barcelona, realizou o pós-doutorado. Em 2004, a USP, onde atualmente é professor, concedeu-lhe a livre docência. Também atua na Universidade Federal de São Carlos. É autor de Construindo a Geografia (São Paulo: Moderna, 1999), Geografia, pesquisa e ação (São Paulo: Moderna, 2001), O país distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania (São Paulo: Publifolha, 2002) e Geografia política da água (São Paulo: Annablume, 2008), entre outras obras.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Professor, qual o principal fator que explica essa tragédia que aconteceu em Santa Catarina?
Wagner Costa Ribeiro – O principal fator é a ocupação de área de risco. Infelizmente, as chuvas fortes não são novidades. Sabemos que elas ocorrem e que são habituais num país com clima subtropical úmido. O que houve de muito sério, desta vez, é que elas ocorreram de forma intensa, concentrada, numa área que não deveria ter presença humana da forma como tinha. A principal causa dessa série de mortes e de todo esse cenário de catástrofe que se instalou lá é a ocupação de áreas de risco.
Geograficamente, como é a região onde a tragédia ocorreu?
Ribeiro – É uma região com morros muito íngremes, em alguns casos com mais de 70 graus de inclinação. Esse tipo de relevo não é indicado para a ocupação humana, ainda que seja, em alguns casos, ocupado até por casas e condomínios de luxo. O tipo de solo nessa região é mais sujeito à erosão. Por conta do substrato rochoso dessa região, ele assimila mais a água. Quando você retira a cobertura vegetal, o solo fica exposto, ou seja, a chuva vem forte, não há árvores e, com isso, a velocidade com que a água penetra no solo acaba sendo maior. O resultado é que o solo encharca mais rapidamente e, portanto, haverá um movimento físico natural, ou seja, o solo fica pesado e começa a escorregar porque a rocha que o sustenta também está inclinada. O peso que tem somado à força que vai gerando acaba levando o que está sustentando, ou seja, casa, árvore, gente.
Se todo ano, no verão, ocorrem chuvas fortes com conseqüências problemáticas, porque nada foi feito até agora?
Ribeiro – Veja, esse tema é complexo porque, se você for conversar com a população que lá vive e perguntar se ela quer sair da região com todos os problemas que existem e são capazes de ocorrer, ela dirá que não, porque a vida dela está ali, assim como suas relações culturais. Conseguir sensibilizar a sociedade de que ela não pode ficar nessa área é uma tarefa difícil. A primeira lição que deveríamos aprender é que é preciso abandonar algumas áreas e deixar que a natureza a ocupe com outros processos naturais. Se tivéssemos feito isso, teríamos poupado 118 vítimas, que é o dado mais recente. Então, é preciso desocupar as áreas de risco, retirar a população. Mas isso não é simples. Agora, depois da tragédia, precisamos tomar essa situação como exemplo e então, sim, fazer uma sensibilização para desocupar essas áreas. Não estamos falando de uma área pequena, mas de vários municípios. Não é uma tarefa simples, porque as famílias precisam ser indenizadas, removidas. Isso tem um custo político, social e econômico bastante grande. Com médio prazo, de maneira organizada e planejada, é possível fazer isso.
Santa Catarina é um estado mais vulnerável a fenômenos da natureza?
Ribeiro – Não é possível afirmar isso. O fato de terem ocorrido as chuvas dos anos 1980, o Catarina, e agora essa enchente não prova isso. Na verdade, o que temos é uma presença junto ao mar e um complexo de serras, que é aquilo que confere beleza a Santa Catarina. Temos ainda uma ocupação original de parte da Mata Atlântica. De certa forma, isso retém umidade. Esse fenômeno foi tão intenso que até em áreas naturais protegidas ocorreu deslizamentos de terra. Eu não diria que a tragédia foi uma fatalidade, mas uma coisa é isso ocorrer num parque natural, onde eventualmente haverá um turista, e ocorrer numa área urbana com uma densidade como a de Blumenau. O cenário é diferente; por isso, Santa Catarina não pode ser considerada mais sujeita a intempéries. Nós já sabemos que esses eventos podem voltar a ocorrer. A grande questão é como se precaver a eles.
As medidas que o governo tomou em decorrência das enchentes foram corretas?
Ribeiro – Numa situação de catástrofe, precisamos ter alguns conceitos claros. Uma crise acontece quando você tem um evento além da sua capacidade de previsão. A catástrofe é maior do que isso. Nesse sentido, o governo fez o que deveria fazer, e contamos ainda com a solidariedade técnica de outros estados. A questão é o passo seguinte. Então, precisamos falar em vários níveis de governo. O problema é tão grave que, se não houver uma articulação desses três níveis de governo, não teremos uma solução. É preciso ter claro que o que fica disso tudo é levar mais a sério as condições geográficas e, com isso, não permitir a ocupação de áreas de risco. Falar é simples, mas executar é muito difícil. As pessoas compraram suas casas, seus terrenos, pagaram com dificuldade. E, agora, o que fazer? Precisamos refletir sobre o que foi feito lá atrás. Os governos não deveriam ter permitido esses loteamentos nem ter dado a posse do terreno para esse tipo de uso.
Há muito espaço em Santa Catarina que é suscetível a conseqüências das chuvas de verão? O que precisa ser feito para que pessoas não ocupem esses espaços com moradias?
Ribeiro – Infelizmente, sim. Mas isso não é uma peculiaridade de Santa Catarina, mas também do Rio de Janeiro, de São Paulo. Enfim, todas as áreas com relevo acima de 70 graus de ingrimidade com presença humana correm o risco de passarem por este mesmo problema.
A enchente no Vale do Itajaí tem a ver com as mudanças climáticas ou é algum fenômeno como o que causou as enchentes de 1983 e 1986?
Ribeiro – Essa é uma pergunta muito interessante, porque ela faz com que reflitamos sobre duas perspectivas. Não é possível ainda afirmar que elas são conseqüências das mudanças climáticas, até porque a história nos indica que houve outros eventos dessa ordem no passado. Por outro lado, também é verdade que um evento dessa ordem confirma aquilo que o famoso relatório do IPCC aponta, ou seja, chuvas mais intensas concentradas. Então, nesse caso, o princípio da precaução é uma ação a ser tomada. É precoce dizer que é uma ação das mudanças climáticas, mas confirma as previsões do IPCC. Se isso será mais freqüente ou não, teremos de aguardar.
(Instituto Humanitas Unisinos, 08/12/2008)