Em 1958, quando pisou pela primeira vez na Amazônia, Adrian Cowell, nascido na China e criado na Inglaterra, tinha duas preocupações básicas: gasolina e comida.
“Quando chegava uma coisa, acabava a outra. Durante três meses, eu estava sempre esperando ou gasolina ou comida. Um dia, decidi aprender a caçar com os índios”, diz, 50 anos depois, o detentor de 3 mil latas de negativos com imagens da floresta brasileira.
Cowell, de 74 anos, que gosta de dizer que aprendeu português com o cacique Raoni, tornou-se cineasta-expedicionário tão logo concluiu o curso de História, em Cambridge. Com um grupo de amigos, partiu para Cingapura e voltou de lá com um filme. A BBC gostou do que viu e decidiu mandá-lo à América Latina. Começaria assim a aventura que será refeita na mostra Amazônia Segundo Adrian Cowell – 50 Anos de Cinema, organizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, entre 9 e 14 de dezembro, para celebrar a doação do acervo do diretor à Universidade Católica de Goiás e o início do trabalho de restauro dos filmes.
Neste ano em que dois importantes títulos sobre os índios foram lançados no Brasil, Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, e Terra Vermelha, de Marco Bechis, a chegada das imagens de Cowell soa ainda mais significativa. Podem não ter o valor cinematográfico dos dois longas-metragens recentes, mas são documentos raros, espelhos de um tempo em que a Amazônia, para o mundo, era apenas o “inferno verde”.
“Naquela época, a floresta era vista como um monstro que podia matar o homem. Ninguém pensava que seria possível um dia o homem matar a floresta”, recorda. Foi a convite dos irmãos Cláudio e Orlando Villas Boas que Cowell partiu para o Xingu e, depois de sete meses com os índios, passou a entender aquela vastidão. “No Parque do Xingu, a idéia era não só defender os índios, mas também o meio ambiente. Ali tomei consciência dessas questões, mas não tinha idéia de que um dia se falaria na preservação da floresta.”
A destruição da Amazônia estava anunciada em seus filmes. Entre os catorze títulos selecionados para a mostra, quase todos feitos a pedido de televisões inglesas (alguns foram exibidos pela TV Cultura), a violência contra a floresta deixa-se sempre antever. Divididos em quatro temas, Parque Indígena do Xingu, A Década de Destruição, Os Últimos Isolados e O Legado de Chico Mendes, os filmes nos revelam o garimpo que se erguia em Carajás, a inauguração da ferrovia destinada a transportar o minério e a chegada dos lavradores que, sozinhos, eram capazes de destruir 6 hectares de terra para cultivar o próprio café. No começo dos anos 1980, “quando matéria viva foi destruída como jamais antes na história”, a câmera registrava a poeira dos caminhões misturada à fumaça da floresta e anunciava o que hoje virou senso comum.
(Por Ana Paula Sousa, Carta Capital, 05/12/2008)