A relação entre as mudanças climáticas globais e os fenômenos que deixaram mais de uma centena de mortos e cerca de 80 mil desabrigados em Santa Catarina é ainda uma incógnita. Mas a relação entre a tragédia e o fracasso das políticas de acesso à moradia e de ocupação do espaço urbano é uma certeza, de acordo com Wagner da Costa Ribeiro, professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).
Durante o seminário “Controle de Enchentes – 10 Anos do Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê", que terminou nesta terça-feira (03/12), em São Paulo, Ribeiro também ressaltou a necessidade de aperfeiçoamento dos sistemas de previsão do clima e de inundações.
Segundo ele, as mudanças climáticas poderão aumentar os riscos de eventos extremos – como as chuvas que causaram as inundações em Santa Catarina –, criando a necessidade de adaptações. Mas, antes de pensar em problemas futuros, será preciso encontrar soluções para os antigos.
“Os problemas que precisamos enfrentar imediatamente são resultado do processo brasileiro de urbanização. As mortes em Santa Catarina estão relacionadas à nossa política de acesso à moradia e não à mudança climática”, disse o geógrafo.
Segundo ele, as conseqüências das mudanças no clima precisam ser levadas em conta, mas elas ainda estariam inseridas em um quadro de incerteza – isto é, um cenário no qual estaria confirmada a possibilidade de ocorrência de certos eventos sem que se possa definir sua probabilidade.
“Vetores importantes, como o aumento na temperatura e a variação de chuvas, ainda não são conhecidos com precisão. Por isso, não se pode aferir os impactos das mudanças climáticas nas cidades brasileiras. Mesmo assim, temos que trabalhar com o pior cenário possível para pensar em adaptações”, afirmou.
De acordo com Ribeiro, a maior freqüência de chuvas causada pelas mudanças climáticas, se for confirmada, vai agravar problemas já conhecidos.
“Cuidar das áreas de risco hoje, no caso do Brasil, é pagar uma dívida social – não se trata de prever mudanças climáticas. Trata-se de reparar um processo de urbanização muito intenso que ocorreu sem planejamento, dirigido sob uma lógica de mercado e exploração imobiliária agressiva”, destacou.
Para Luis Carlos Molion, do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), as mudanças climáticas não tiveram relação com as chuvas torrenciais que devastaram Santa Catarina.
“Os impactos desastrosos das chuvas em Santa Catarina não são conseqüência do aquecimento global, mas do péssimo planejamento da ocupação do espaço. Muita gente foge da região ribeirinha para evitar inundações e se instala nas encostas. As mortes ocorreram nessa situação”, afirmou.
Molion, conhecido por fazer críticas severas às conclusões do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), afirma que as mudanças climáticas estão mais ligadas a fenômenos naturais que ao aumento de emissões de carbono pela atividade humana.
“Chuvas como essas já ocorreram no passado. A mais recente aconteceu em maio de 1983, mas também houve desastres naturais semelhantes no Vale do Itajaí nas décadas de 1950 e 1960. Os primeiros registros são do século 19”, afirmou.
A hipótese levantada por ele é que as variações na temperatura do oceano Pacífico controlam grande parte das oscilações climáticas. “O Pacífico teve fases de aquecimento entre 1925 e 1946 e entre 1977 e 1998. Esfriou entre 1947 e 1976 e está esfriando nos últimos dez anos. Esses ciclos coincidem com momentos de alta e baixa das médias de temperatura”, disse.
De acordo com ele, no entanto, os fenômenos não tinham conseqüências tão importantes em décadas passadas, no Brasil, porque a concentração populacional nas cidades era bem menor. Nas áreas urbanas impermeabilizadas, segundo ele, uma chuva de 100 milímetros provoca um fluxo d’água de 100 mil metros cúbicos a cada quilômetro quadrado.
“Hoje, 80% da população está nas cidades, que absorveram essa população sem planejamento urbano. Para consertar isso, serão necessários investimentos muito maiores do que os recursos necessários para o planejamento há 30 ou 40 anos”, disse.
Segundo Molion, é preciso que as cidades pequenas e médias comecem a se planejar a partir de agora. Para ele, seria preciso investigar melhor a dinâmica da várzea dos rios e estudar as séries históricas de registros hidrológicos e meteorológicos a fim de entender o tempo de retorno de chuvas fortes, acima de 100 ou 200 milímetros.
“Temos cerca de 250 municípios com mais de 100 mil habitantes. A grande maioria dos mais de 5 mil municípios do país está começando a crescer. Seria aconselhável pensar em medidas de planejamento para minimizar problemas do tipo no futuro”, afirmou.
Fatores externos
Para Oswaldo Massambani, professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, não há dúvida de que o clima global passa por uma fase de abrupto aquecimento e que os distúrbios são causados pela atividade antropogênica.
“Cresceu muito a capacidade científica para entender o clima global. De fato, os modelos climáticos têm deficiências, porque são modelos matemáticos que tentam representar fenômenos de um sistema complexo. Mas à medida que se associam vários modelos e cenários eles se tornam mais precisos”, afirmou.
“A relação de causa e efeito entre a temperatura e as emissões de dióxido de carbono não é algo claro, mas há sem dúvida uma relação de associação entre os dois fatores. Já a vulnerabilidade aos eventos extremos é de fato uma questão de natureza política”, disse.
Segundo Massambani, o clima global é controlado por um sistema extremamente sensível e complexo, que, além dos fatores relacionados à atmosfera e à superfície terrestre, é determinado também por fatores externos, como a radiação solar e a geometria variável do sistema Terra-Sol.
“O Sistema Solar se formou há 4,5 bilhões e chegou ao atual equilíbrio passando por um processo de crescente complexidade. Esse complexo sistema não-linear está relacionado ao sistema climático, que possui uma variabilidade intrínseca e é muito sensível a processos radiativos, com uma camada atmosférica muito fina, de apenas 20 quilômetros. Isso fez com que o clima oscilasse ao longo da história”, afirmou.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 04/12/2008)