Viabilizar a liberação na rede elétrica de baixas quantidades de energia, gerada por pequenas propriedades, é o caminho para se aproveitar a biomassa que hoje é desperdiçada e causa grandes danos ambientais no país
O aproveitamento da biomassa como fonte para geração de energia descentralizada no Brasil é uma maneira de se reduzir a poluição causada por lixo, esgoto e resíduo da produção agrícola e industrial, além de uma alternativa para aumentar a renda de pequenos produtores no país – defendem especialistas reunidos em Florianópolis no último mês para discutir a exploração inteligente e sustentável da biomassa na matriz energética.
Uma iniciativa neste sentido já é adotada por usinas sucroalcooleiras, que queimam o bagaço da cana-de-açúcar para produzir energia elétrica e abastecer as próprias indústrias. O excedente de energia gerado pode ser comercializado e disponibilizado na rede elétrica – o que rende lucros para os usineiros.
O superintendente da Coordenadoria de Energias Renováveis da Itaipu Binacional, Cícero Jayme Bley Junior, acredita que o exemplo das usinas de açúcar e álcool deve ser seguido por outros setores da economia, mesmo que em menor escala. “Há mais de 30 anos só há interesse por energia no atacado, em transferências de megawatts e gigawatts, o que deixa de fora outras alternativas menores”.
Ele acrescenta que a biomassa resultante de processos industriais ou de esgoto, por exemplo, causa grande impacto ambiental, principalmente nas fontes de água, além de contribuir para o aumento da emissão de gases do efeito estufa. “Utilizar essa biomassa para gerar energia é uma forma de valorizar o processo e gerar valor para o tratamento de resíduos, o que não ocorre hoje porque não há estrutura econômica”, avalia.
O superintendente defende a utilização de biodigestores na suinocultura para geração de biogás, que gera energia ao ser queimado. Também é a favor da queima de metano nos aterros sanitários, fazendo com que o lixo da população se transforme em energia.
Novo modelo de geração
Para que isso se torne realidade, explica, é preciso que se estabeleça no país a compreensão de um modelo absolutamente descentralizado de geração. “Na Europa neste momento existem residências produzindo energia, através do biogás, de painéis fotovoltaicos e, em algumas propriedades, através de geradores eólicos. E essa energia é colocada na rede”, conta. “Os Estados Unidos têm um programa intensíssimo chamado smart grid (rede inteligente), que é exatamente o recebimento de qualquer energia gerada de qualquer tamanho ou procedência na rede”, completa.
Bley defende que o mesmo processo de geração distribuída com baixíssima quantidade de energia seja adotado no Brasil. “Nós precisamos abrir esse processo para até menos de 1 megawatt, nós precisamos trabalhar com energia de 100 quilowatts, de 200 quilowatts de geração”.
Como resultado, informa, obtém-se também um saneamento ambiental incrível e um desenvolvimento econômico expressivo; além do aproveitamento de uma energia que hoje é jogada fora. “Um aviário usa a energia elétrica produzida por uma hidrelétrica para criar pintinhos e chocar ovos, por exemplo; enquanto o próprio segmento é capaz de produzir essa energia para chocar esses ovos”, argumenta.
A geração distribuída de energia no Brasil foi instituída pelo decreto 5.163/2004 da Presidência da República, mas Bley afirma que o processo “ainda é meio invisível do ponto-de-vista das autoridades, apesar de a Aneel estar trabalhando e realizando estudos profundos para avaliar a possibilidade de permitir a liberação de menos de 1 MW na rede”.
Ele conta que hoje ainda existe uma reação muito forte do setor elétrico no sentido de receber essa energia na rede, mas entende que o paradigma está sendo gradativamente quebrado e que o preconceito está acabando à medida que se abre a oportunidade para geração de energia local.
(Por Sabrina Domingos, Carbono Brasil, 02/12/2008)