Estudo aponta que em áreas de mineração gerenciadas pela empresa estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), a concentração de urânio na água está cinco vezes acima dos níveis autorizados pela legislação brasileira
Moradores e animais do município de Caitité, na Bahia, estão consumindo água contaminada por urânio. Um estudo do Instituto de Gestão de Águas e Clima (Ingá) do Estado mostra que em áreas de mineração gerenciadas pela empresa estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), a concentração de urânio na água está cinco vezes acima dos níveis autorizados pela legislação brasileira.
As análises do governo baiano confirmaram as denúncias levantadas pela organização não-governamental Greenpeace. No relatório "Ciclo do Perigo - Impactos da Produção de Combustível Nuclear no Brasil", apresentado em outubro, a organização alertava sobre a qualidade da água e as condições de saúde da população que vive no entorno da empresa.
O relatório do Greenpeace revela que, em duas das amostras coletadas em pontos localizados dentro de um raio de 20 quilômetros ao redor da mineração de urânio em Caetité, foi detectado um nível de urânio superior ao permitido. Em uma delas, colhida de um poço artesiano a cerca de oito quilômetros da mina, a concentrações de urânio foi sete vezes superior a do que os limites máximos indicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e cinco vezes maior do que o especificado pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
Multas e infrações
Para a cordenadora da Campanha de Energia do Greenpeace, Rebeca Lerer, a comprovação da contaminação da água vem se somar a um histórico de multas e infrações cometidas pela INB que apresenta problemas, inclusive, em seu licenciamento. Até hoje a empresa não cumpriu a obrigação prevista no Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) de monitorar a saúde dos trabalhadores e da população que vive no raio de 20 quilômetros no entorno da mina. "Percebemos buracos e controvérsias inclusive nessa questão do licenciamento. Nos oito anos em que atua em Caitité, a empresa nunca foi capaz de completar seu licenciamento", destaca a ambientalista.
O relatório do Greenpeace também aponta irregularidades no transporte de urânio, que permanece na área portuária por mais tempo do que o permitido e não é realizado por pessoas capacitadas lidar com material radioativo. Além disso, há denúncias de falta de treinamento e de equipamentos de proteção para os trabalhadores nas minas, com inúmeras ocorrências de contaminação, vazamentos de tanques e altas taxas de incidência de câncer na região.
Além da contaminação, os moradores passaram a sofrer com outros problemas. Turistas têm evitado passar próximo à cidade, com medo de consumir água do local, e os produtores não conseguem mais vender suas mercadorias em feiras, o que prejudica a economia da região, que sofre com falta de saneamento, de água potável e de outras obras de infra-estrutura que foram prometidas pela INB mas nunca saíram do papel.
Propaganda enganosa
Para Rebeca, esses fatos expõem os riscos e a propaganda enganosa que é realizada pela energia nuclear. "O caso de Caitité é mais uma prova de que os impactos sociais e ambientais do setor nuclear começam na origem, ainda na extração do urânio, e acompanham todo o ciclo", destaca a ambientalista, que também critica a construção da usina de Angra 3 que, em julho deste ano, ganhou licença prévia do Ibama. "Queremos mostrar esse lado pouco conhecido da energia nuclear, da falta de segurança e de transparência, para nãoo ficar apenas o lado das usinas high-tech que os empresários insistem em mostrar".
O Ministério Público Federal (MPF) também realizará uma investigação independente sobre o caso, com técnicos designados pelo próprio Ministério. A iniciativa, de acordo com Rebeca, é inédita no setor nuclear, que carece de fiscalização efetiva. Ela explica que a INB, empresa de economia mista, é subordinada ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e vinculada à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), responsável pelo licenciamento, fiscalização e controle da atividade no Brasil. Neste ponto, a ativista do Greenpeace alerta para o fato de que membros da CNEN são acionistas das Indústrias Nucleares do Brasil, o que torna a situação no mínimo problemática. "Como a INB é controlada pela CNEN, esse é um caso onde o patrão fiscaliza a sua própria empresa", critica.
Liberado no meio ambiente, o urânio entra na cadeia alimentar por meio do consumo de água ou de alimentos contaminados, como leite e vegetais. A ingestão contínua de urânio, mesmo em pequenas doses, segundo especialistas, pode causar danos à saúde, como ocorrência de câncer e problemas nos rins.
(Por Patrícia Benvenuti, CartaMaior, 02/12/2008)