Pesquisa desenvolvida para a tese de doutorado de Danielle Cotta de Mello Nunes da Silva alcançou resultados promissores ao empregar a tecnologia supercrítica para a obtenção de extratos de plantas medicinais e aromáticas. De acordo com a pesquisadora, os produtos gerados pelo processo apresentaram as mesmas atividades daqueles extraídos por técnicas consideradas convencionais. “A vantagem do uso da tecnologia supercrítica é que, além de apresentar um custo equivalente aos das demais técnicas, ela praticamente não produz resíduos e ainda pode gerar créditos de carbono”, afirma a professora Maria Angela de Almeida Meireles, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, responsável pela orientação do trabalho.
As plantas tomadas para estudo por Danielle foram: ginseng brasileiro (Pfaffia glomerata), quebra-pedra (Phyllanthus niruri) e alfazema-do-brasil (Aloysia gratíssima). As espécies, cedidas pelo Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, foram escolhidas porque têm larga aplicação na medicina popular. A professora Angela explica que tanto o ginseng brasileiro quanto o quebra-pedra são amplamente usados pela população devido às suas propriedades antiinflamatórias. Já a alfazema-do-brasil, por ser extremamente aromática, também pode ter o óleo essencial aproveitado para a produção de cosméticos e até mesmo perfumes.
De acordo com os estudos de Danielle, o óleo essencial extraído da alfazema-do-brasil apresentou uma composição diferente daquela relatada na literatura. Foram identificados no extrato dois compostos (pinocanfona e isopinocanfona). “São substâncias que, dependendo da dosagem, podem servir de remédio ou podem ser extremamente tóxicas”, explica a autora da tese. Quanto à quebra-pedra, o extrato apresentou a mesma composição registrada pela literatura. Entre as plantas analisadas, o ginseng brasileiro foi o que demonstrou atividade antioxidante mais significativa. A professora Angela observa que, no caso desta última espécie, o trabalho propôs uma nova abordagem. Em vez das raízes foram usadas as folhas da planta para a obtenção do extrato. Normalmente, esse material é descartado.
A composição do extrato extraído das folhas, de acordo com Danielle, apresentou características semelhantes às do obtido das raízes. “Esse dado é relevante, pois as raízes do ginseng brasileiro somente ficam prontas para serem utilizadas quando a planta atinge os cinco anos de idade. Ou seja, o estudo abre a possibilidade para o aproveitamento das folhas, que têm sido descartadas como resíduos, até que as raízes estejam em condições de serem empregadas no processo”, esclarece a professora Angela. Ainda em relação ao estudo com o ginseng, a autora da pesquisa adicionou ao processo de extração o etanol, que cumpriu o papel de co-solvente.
Empregado em quantidade reduzida, o etanol tem a função de alterar as características do solvente principal, no caso o dióxido de carbono (CO2) pressurizado, de modo a aumentar o rendimento final do extrato. “Na discussão atual acerca da preservação do meio ambiente, a tecnologia supercrítica surge como uma alternativa extremamente vantajosa. Ao contrário de gerar CO2, ela o utiliza no processo de extração, o que pode gerar crédito de carbono. Ademais, o processo de separação da matéria-prima do solvente envolve apenas o abaixamento de temperatura e pressão. E por não utilizar solventes orgânicos – ou utilizá-los em quantidades mínimas como co-solventes –, o processo praticamente não produz resíduos. Em outras palavras, podemos considerá-la como uma tecnologia ‘limpa’”, detalha a professora Angela. Ela acrescenta que o estudo sobre as atividades biológicas dos extratos foi desenvolvido em colaboração com a Universidade de Montpellier (França), por meio da professora Chantal Menut e graças a um convênio denominado Capes-Cofecub.
Para docente, indústria precisa participar mais
A professora Maria Angela de Almeida Meireles foi a responsável pela implantação, em 1986, da linha de pesquisa com plantas aromáticas, medicinais e condimentares na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Ela informa que o uso da tecnologia supercrítica nessa área deverá abrir novas possibilidades em relação ao processo de obtenção de matéria-prima para os setores farmacêutico, de cosmético e de alimentos. Embora tenha sido desenvolvida recentemente, a técnica é utilizada rotineiramente em países como Japão, Estados Unidos e China. Na América do Sul, porém, a indústria ainda não tem lançado mão dessa alternativa.
Outro dado importante revelado pela docente diz respeito à produção de equipamentos associados à tecnologia supercrítica. A China, por exemplo, saiu na frente nessa corrida. “Com o conhecimento que os pesquisadores brasileiros acumularam nos últimos anos, o país também teria condições de produzir esses equipamentos, mas infelizmente não estamos fazendo isso. Até aqui, o nosso grupo aqui da FEA encontrou apoio do setor produtivo apenas para o desenvolvimento de processos, mas não tivemos essa mesma oportunidade no que se refere a equipamentos. Na prática, não vejo motivo para que os chineses estejam trabalhando nesse sentido e nós, não. Para não perdermos mais tempo, penso que a indústria brasileira precisa entrar rapidamente nesse jogo”.
Retornando à questão do processo, a docente da Unicamp também identifica um obstáculo importante para que a tecnologia seja transferida da academia para a indústria. Ocorre, de acordo com ela, que o Brasil tem pouca tradição na área de engenharia de processos, notadamente no que se refere à fitoquímica. “Como os profissionais da indústria entendem muito de produto, mas pouco de processo, a interlocução com a academia fica relativamente prejudicada”, explica. Ademais, prossegue a professora Angela, o fato de o país dispor de muito conhecimento em termos de ciência básica, mas pouco conhecimento em termos de engenharia, cria outro problema. Segundo ela, a otimização do processo leva freqüentemente à ampliação da escala de produção de matéria-prima, cujo valor agregado é altíssimo. “Ou seja, se não aperfeiçoamos o processo, não incrementamos a produção. Isso faz toda a diferença”, analisa.
O grupo coordenado pela docente está iniciando um novo projeto a partir do uso da tecnologia supercrítica. O desafio agora é empregar a técnica para produzir micro e nanopartículas, acoplando os sistemas de extração e particulação. Dito de outra maneira, os pesquisadores querem que os extratos obtidos das plantas sejam injetados diretamente no sistema de particulação, formando minúsculas cápsulas. A idéia é que as substâncias tenham maior estabilidade e sejam liberadas de forma controlada. “Não sei se teremos sucesso no curto prazo, mas o fato é que vamos abraçar essa missão”, adianta a professora Angela. A pesquisa está sendo financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
(Por Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp, 02/12/2008)