Representante da coordenação do FSM aponta a relação entre crise financeira e danos ambientais como principal desafio da reunião.
Após quatro anos, o Fórum Social Mundial voltará ao Brasil em janeiro de 2009, agora em Belém (PA). Um dos principais motivos para a escolha da cidade, foi o fato de ser considerada o portal da Amazônia. Assim, quando a cidade foi eleita, decidiu-se que um dos eixos principais do evento seria a apresentação de alternativas dos movimentos sociais de todo o mundo para as agressões ao meio ambiente e a alteração climática, que colocaram uma agenda ambiental na ordem do dia em todas as regiões do planeta.
No entanto, o Fórum, tal como todos os outros espaços de discussão, tanto de esquerda quanto de direita, também será fortemente pautado pela crise mundial deflagrada mais nitidamente em meados deste ano. O grande desafio do encontro será relacionar os danos ao meio ambiente com o modelo de produção capitalista, posto em xeque com o agravamento da situação econômica mundial.
Entre os dias 27 de janeiro e 1º de fevereiro, mais de 2 mil organizações de 60 países devem se envolver em discussões sobre esses temas e procurar saídas para a humanidade a partir de uma perspectiva mais humana, sustentável e solidária. De acordo com a organização do FSM, ao todo, cerca de 100 mil pessoas devem participar das centenas de oficinas nos seis dias do evento.
Para Sérgio Haddad, coordenador do FSM, a 9ª edição deve retomar a raiz do evento: firmar-se como contraponto ao Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça).
Confira abaixo entrevista com Haddad
Brasil de Fato - Qual é a importância simbólica da capital paraense como sede do Fórum Social Mundial?
Sérgio Haddad - Vários foram os motivos que levaram à escolha de Belém: o tema da crise ambiental, o crescimento do efeito estufa e do aquecimento global que tem levado à catástrofe ecológica global e à destruição de ecossistemas. Isto afeta de maneira particular as populações locais e os pobres de uma maneira geral, tornando-se uma crise sócio-ambiental. Além disso, a Amazônia é o local onde podemos identificar mais fortemente os conflitos produzidos pelo modelo de ocupação, onde a fusão entre os mercados de alimento e energia se juntam em um avanço de destruição ambiental e de populações, produzindo graves conflitos sociais. A Amazônia e a América Latina também foram escolhidas pelo crescente número de governos eleitos por oposição ao modelo neoliberal e que podem apontar para uma nova alternativa política para a reunião.
Inicialmente, se falava num fórum com uma característica mais ambiental, pelo fato de o aquecimento global ter imposto uma agenda "verde", até para os mais conservadores. O que a organização do FSM fará para que o tema não seja atropelado pelas discussões acerca da crise financeira internacional?
Haddad - O grande desafio para os participantes será relacionar a crise sócio-ambiental com a crise financeira, que é produto de um modelo de desenvolvimento que aprofunda as desigualdades sociais e o consumismo desenfreado, e que consome energia e bens naturais incompatíveis com a sustentabilidade do planeta. No fundo, há uma crise civilizatória com profundas conseqüências, e que aponta para um futuro sem saída para a humanidade.
Como o Fórum Social Mundial pretende ligar a crise aos danos ao meio ambiente?
Haddad - A crise financeira e a sensibilidade atual para os temas sócio-ambientais apontam para uma oportunidade de aglutinação das forças sociais para pensar e atuar na construção de outro modo de organização da sociedade. As forças presentes no FSM foram as primeiras a denunciar os limites das atuais políticas neoliberais e suas conseqüências nefastas para a humanidade. Foram elas também que denunciaram mais fortemente os organismos internacionais que aprofundavam e sustentavam este modelo de desenvolvimento. Mas é também no FSM que se apresentam sementes de alternativas para uma nova sociedade. A grande questão é como aglutinar forças e construir estratégias de enfrentamento para que as alternativas possam se expressar de forma efetiva.
De que forma o fórum pretende apontar alternativas à crise financeira mundial?
Haddad - O FSM tem sido um local de busca de alternativas, para além das denúncias. Suas múltiplas redes sociais apontam para novas formas de organização da produção, da circulação e do comércio justo, novos modelos de desenvolvimento sócio-ambiental. De lá tem saído propostas para controle dos capitais financeiros e para as compensações ambientais, sobre alternativas de organização do trabalho que possam levar em conta a valorização do conhecimento e da mão-de-obra frente ao capital. Também sobre o controle orçamentário dos governos e sobre mecanismos de participação democrática que possam valorizar a democracia participativa, onde a presença das maiorias possa ser motivo de respeito aos direitos humanos e justiça social. Enfim, são muitas as propostas.
Qual deve ser o formato do fórum? Deve haver um documento final?
Haddad - O FSM como um processo já vem se organizando com as inscrições de atividades. Agora estamos na fase de aglutinação e facilitação destas atividades de forma a irmos construindo afinidades programáticas. Alguns eventos ocorrerão no período anterior como o Fórum Ciência e Democracia, o Fórum Mundial de Educação, Mídia Livre. Depois da marcha de abertura, com destaque para os povos indígenas e africanos, apontando para o FSM de 2010, haverá o dia pan-amazônico (28). As atividades auto-gestionadas ocorrerão nos dias seguintes, com facilitadores para as assembléias do sexto dia, por objetivos temáticos, onde se buscarão as aglutinações para declarações convergentes, estratégias de lutas e campanhas. Deverão ser produzidos vários documentos a partir destas assembléias de convergências temáticas e alguns de natureza mais coletiva.
Por fim, o fórum ainda pretende firmar-se como um contraponto a Davos ou admite a idéia de trabalhar em conjunto em alguns temas?
Haddad - Mais do que nunca o FSM retoma sua natureza de contraponto a Davos. Afinal, foi para isto que ele nasceu e hoje, frente à crise, que é muito mais ampla que a questão financeira, a história demonstra o quanto esta estratégia estava correta. O que terão a dizer aqueles que se sentam no Fórum de Davos? Como explicar o fracasso de suas recomendações frente às profundas conseqüências para a humanidade e o meio ambiente?
(BrasildeFato, 01/12/2008)
*Sérgio Haddad é coordenador geral da Ação Educativa, membro da coordenação do Fórum Social Mundial (FSM) no Brasil e diretor presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos