Eleitores suíços têm overdose de plebiscitos O direito das entidades ambientalistas de questionar na Justiça os efeitos ecológicos e paisagísticos de projetos de construção civil é a uma pedra no sapato de muitos empresários suíços. Com o apoio do Partido Liberal de Zurique, eles lançaram uma iniciativa popular para praticamente acabar com esse direito. O governo e o Parlamento são contra a proposta. Os eleitores decidem neste domingo (30/11).
Há dois anos, em 19 de outubro de 2006, a revista Exame publicou uma reportagem de 13 páginas sob o título "ONGs: Os novos inimigos do capitalismo", mencionando "os prejuízos e desafios das empresas brasileiras na convivência com grupos radicais que lutam contra o livre comércio, a globalização e o agronegócio".
Um dos casos citados foi o da multinacional suíça Syngenta, cujas instalações no Paraná haviam sido invadidas no início daquele ano pela ONG Via Campesina.
Na Suíça, as ONGs costumam ser menos radicais. Um dos motivos é que elas têm uma poderosa arma legal na mão quando querem barrar um projeto, mesmo que ele já tenha sido aprovado. É o chamado "direito de recurso de organizações" não governamentais, que tem sido usado com sucesso por associações ambientalistas e de defesa da pátria.
No ano passado, por exemplo, essas entidades entraram com 242 recursos e sairam vitoriosas em 76% dos casos. Um sucesso que, aos olhos de certos empresários e de determinadas correntes políticas, também as transforma em "inimigas do capitalismo".
É o caso dos autores de uma iniciativa popular chamada "Direito de recurso das organizações – fim da política de bloqueio – mais crescimento para a Suíça", que será submetida ao voto neste domingo (30/11).
Interesses econômicos
O atual debate foi desencadeado por um recurso apresentado em 2004 pelo Clube do Trânsito da Suíça (VCS, na sigla em alemão) e vizinhos contra a ampliação do estádio Hardturm, em Zurique, para os jogos da Eurocopa 2008. Devido à queixa, o projeto foi adiado e os jogos foram transferidos para o outro estádio da cidade, o Letzigrund.
Por causa desse conflito, o diretório estadual do Partido Liberal de Zurique acusou o CVS de "política de bloqueio" e recolheu 119 mil assinaturas para uma iniciativa popular contra esse tipo de recurso, uma vez que um projeto tenha sido aprovado pelo poder público ou através de plebiscito.
Se a iniciativa for aprovada, o que é improvável, haverá, até 2010, mudanças nas leis do meio-ambiente e do planejamento urbano, porque ambas prevêem o direito de recurso. Os defensores da iniciativa dizem que as ONGs devem apresentar seus argumentos ou suas objeções democraticamente, como outros atingidos, antes da decisão sobre o projeto, em vez de depois recorrer à Justiça para atrasá-lo.
"Os investidores precisam ter mais segurança para planejar. Obras de construção civil poderiam ser realizadas com maior rapidez. Com o direito ambiental e o direito de recursos das autoridades, o direito de recurso das ONGs torna-se supérfluo", argumenta o Partido Liberal.
Governo e Parlamento são contra
O Conselho Federal (Executivo suíço) e o Parlamento rejeitam a iniciativa. A maioria dos deputados argumenta que, em 2007, já restringiu bastante o direito de recurso das ONGs.
Entidades ambientalistas precisam apresentar suas objeções na fase inicial de planejamento do projeto, para depois ainda ter o direito de recurso. Só as organizações nacionais com mais de dez anos de existência podem fazer uso desse direito, e, se abusarem dele, arcam com os custos do processo.
Aprovar a iniciativa significaria, na prática, calar as ONGs, dizem os adversários da proposta. O fato de mais de 60% dos recursos terem tido sucesso no passado mostra que esse instrumento legal é um complemento à proteção do meio ambiente e da paisagem, sem os quais não haveria mais turismo, argumentam. A previsão é de que a iniciativa será rejeitada.
(Por Geraldo Hoffmann, swissinfo, 30/11/2008)