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urbanização desordenada chuvas e inundações
2008-12-01

Em março de 2004, Santa Catarina levou um susto com a aproximação do ciclone Catarina. Nos últimos dias, o estado sentiu na pele, novamente, uma amostra de como imprevidência humana amplia o poder de destruição de uma "catástrofe natural". O aguaceiro que desabou por lá arrasou encostas, transbordou rios e deixou um saldo, segundo a Defesa Civil, de quase 80 mil desabrigados, uma centena de mortes, 19 desaparecimentos e afetou a vida de 1,5 milhão de brasileiros.

Dados de hoje do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia (Ciram) daquele estado mostram que a estação meteorológica de Blumenau registrou o recorde histórico de 283 mm em 24 horas, entre os dias 22 e 23. Já em Joinville, choveu mais do que em Blumenau no acumulado até o dia 24 de novembro - 911 mm contra 878 mm. A enxurrada também foi forte em Guaramirim, Ilhota, Gaspar e Luis Alves. Lá, no entanto, não se sabe da quantidade de água despejada pelas nuvens. “É uma pena que não temos os registros das chuvas nestes municípios, que podem ter sido surpreendentes”, lamentou Germano Woehl, coordenador de projetos da não-governamental Rã-Bugio. O aumento da precipitação se encaixa perfeitamente como uma conseqüência das mudanças climáticas. 

Um dos municípios mais atingidos pelas enxurradas, Blumenau acaba servindo de exemplo sobre como a ocupação humana desordenada e o desrespeito à legislação ambiental podem catapultar os impactos de uma chuvarada. Mesmo que no município a vegetação ainda resista bravamente, ao contrário do restante da Mata Atlântica catarinense, reduzida a 17% da cobertura original.

A professora e pesquisadora de Ecologia de Florestas da Universidade Regional de Blumenau, Lúcia Sevegnani, jogou um pouco de luz no “fenômeno natural”. Ela lembrou que a população local saltou de 120 mil para cerca de 300 mil habitantes nas últimas duas décadas. Todos atraídos pela “cidade rica”, com qualidade de vida e cheia de oportunidades.

O inchaço demográfico repentino e as enchentes do início dos anos 1980 jogaram favelas, residências e condomínios nas encostas de morros e beiras de rios, áreas onde a lei procura evitar ocupações, pois quase sempre oferecem risco a seus moradores. Tudo sob a vista-grossa dos dirigentes. Pois, foram justamente esses locais os mais afetados pela enxurrada deste ano. “Os governos estimularam a ocupação de encostas e margens de rios no meio urbano e rural. Criaram uma bomba relógio”, disse Sevegnani.

A professora e pesquisadora lembra que áreas com boa quantidade de matas e nenhuma ocupação humana também registraram deslizamentos ou foram engolidas pelo aguaceiro. No entanto, ela avalia que a falta de planejamento na ocupação da terra tem papel forte na ampliação dos efeitos das chuvas. “Em locais onde havia floresta também desabou. É verdade. Mas devemos nos colocar como co-responsáveis nesse processo”, ressaltou.

Casos comuns
Taxando o ocorrido simplesmente de “fenômeno natural”, isenta-se a gestão pública de responsabilidade e transforma-se a natureza de mãe em madrasta. Conforme Woehl, da Rã-Bugio, as populações de Jaraguá do Sul e Guaramirim crescem a um ritmo de 6% ao ano. Novo caso de explosão demográfica baseada em imigração. “Nos últimos anos, o tempo todo estamos combatendo as ocupações das encostas. Mostramos em nossas palestras, em escolas e outros locais, várias imagens de desmoronamentos, com vítimas, nesses municípios”, comentou o ambientalista.

Consultado pela reportagem, o geólogo Luiz Fernando Scheibe puxou da memória outras enchentes semelhantes na história de Santa Catarina. Lembrou das 199 mortes registradas em 1974, com a enxurrada e deslizamentos na Bacia do Rio Tubarão. Recordou do Natal de 1995, quando fenômenos semelhantes deixaram 28 mortos em Jacinto Machado e outros municípios do sul do estado. O mesmo ocorreu nos anos 1983/84 em Blumenau, mas próximo às quase desocupadas nascentes do Rio Itajaí.

Ele também avisou que a ocupação de encostas sempre potencializa os efeitos de chuvas excepcionais, facilitando deslizamentos. Isso acontece porque cada casa ou condomínio é erguido nessas áreas com terraplanagem e aterros, removendo a terra que segura o solo logo acima. “Assim se cria um ambiente favorável aos deslizamentos. O problema é comum a várias regiões do estado”, apontou o professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina.

Quanta solidariedade
Sempre aguçada pela próxima tragédia, a tão falada solidariedade do povo brasileiro enviou toneladas de mantimentos e, até agora, mais de R$ 3 milhões em doações. Bancos estão abrindo contas para ajudar as vítimas. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) enviará 708 toneladas de alimentos aos desabrigados, Lula sobrevoou a região e o governo anunciou pacote bilionário de auxílio. O dinheiro tem destino certo – estradas, pontes e outros itens de infra-estrutura pública. Também será facilitado o saque do FGTS e a obtenção de créditos para reconstrução de moradias.

No entanto, quem conhece a realidade regional teme que tamanho movimento não evite futuras tragédias. A tendência é de que as pessoas voltem às encostas. Muitos não têm outra opção, já que os terrenos nas áreas planas e mais seguras são os mais caros. “Em muitos locais nem existe mais terreno, só uma encosta ainda mais íngreme. Mas a tendência é de reconstrução de tudo, nos mesmos lugares”, lamentou o professor Scheibe. “Seria interessante que parte desses bilhões anunciados fosse usada para realocar pessoas em locais mais seguros, como na área norte de Blumenau”, recomendou o geólogo.

Lúcia Sevegnani, da Universidade Regional de Blumenau, concorda. Para ela, o drama do Vale do Rio Itajaí deveria ser uma oportunidade para planejar a cidade e a região em outros moldes, adequados a sua realidade geográfica e climática. “Reconstruir a cidade precisa ser pensado, se não, daqui a alguns anos, poderemos ter novas situações. Precisamos de políticas para direcionar os investimentos e não repetir os mesmos erros”, ressaltou.

Erosão ambiental
Em seu imperdível Green Ink (Tinta verde), o veterano jornalista Michael Frome comenta que “muitos dos danos ao meio ambiente ocorrem lentamente aos olhos humanos, mais como uma erosão do que como um deslizamento de terra, e a maioria das pessoas está ocupada demais ou se movimentando demais para perceber”.

Esse é o caso das enxurradas e deslizamentos catarinenses: têm raízes naturais amplificadas pela mão humana, ao longo de muitos anos.

No entanto, frente à dura realidade da tragédia, o governo de Santa Catarina vem trabalhando para alterar sua legislação ambiental e reduzir a proteção das chamadas áreas de preservação permanente, como encostas de morros. Além disso, quer cortar parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, principal área protegida do estado com Mata Atlântica.

As propostas, obviamente, não agradaram a quem vê o futuro além da próxima eleição. “O caminho não é esse. A tragédia mostra que devemos desocupar e recuperar encostas e beiras de rios”, comentou Savagnani.

Ela, outros professores, equipe do Projeto Piava (Fundação Agência de Águas da Bacia do Itajaí) e outras instituições divulgaram um manifesto pedindo a manutenção do código ambiental catarinense. Para ler, basta clicar aqui.

A previsão é de chuva para os próximos dias em Santa Catarina.

(Por Aldem Bourscheit, OEco, 28/11/2008)


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