Levantamento, segundo especialistas, é fundamental para evitar catástrofes; Estado já contabiliza 99 mortes desde sábado
Dentre as cidades com mais mortes, só Blumenau tem o estudo e, mesmo assim, de modo parcial; mapeamento não foi feito nas encostas
A tragédia de Santa Catarina poderia ter sido muito menor (são 99 mortes até agora) se o governo estadual ou as prefeituras dos municípios onde ocorreram mais mortes tivessem feito o mapeamento de suas áreas de risco.
A Folha apurou que, dentre as cidades com mais mortes, só Blumenau tem o diagnóstico e, mesmo assim, de modo parcial. O estudo foi realizado apenas nas áreas próximas ao rio Itajaí-Açu, mas não nas encostas dos morros -onde ocorreram o maior número de mortes.
De acordo com especialistas, o mapeamento é fundamental para evitar catástrofes. E é apenas o primeiro passo. Depois de identificadas as áreas com potencial de deslizamentos e alagamentos, é preciso retirar os moradores ou realizar obras que evitem as ocorrências.
O mapa aponta, além dos locais de risco, quais fatores podem desencadear as tragédias, como, por exemplo, o volume de chuva que pode provocar um deslizamento.
No Estado, só Florianópolis, onde uma pessoa morreu, tem um trabalho completo. Lá, apesar do grande volume de chuvas, os danos foram menores do que no Vale do Itajaí.
O levantamento é necessário também porque as cidades atingidas pelas chuvas têm, em maior ou menor grau, histórico de catástrofes naturais.
Um relatório elaborado em 2006 pela Universidade Federal de Santa Catarina, por encomenda do governo, aponta as cidades que sofreram desastres naturais entre 1980 e 2004.
Todas as cidades atingidas agora tiveram, nesses 14 anos, pelo menos uma ocorrência.
Segundo José Alcides Fonseca Ferreira, superintendente regional do Serviço Geológico do Brasil, órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia, com um mapeamento completo das regiões serranas e do Vale do Itajaí, seguido de obras de contenção e prevenção das ocorrências, muitas mortes poderiam ter sido evitadas.
"[O mapeamento] é fundamental para evitar esse tipo de tragédia. E tem de ser uma coisa contínua. Não adianta fazer dois anos e parar dez. Tem de observar a evolução das coisas. Em uma encosta hoje estável, após um ano, pode-se observar movimento de massa, de solo."
O órgão dirigido por Ferreira faz esse tipo de trabalho e chegou a discutir um convênio com a Prefeitura de Blumenau, mas o acordo não foi adiante. Para ele, embora não seja um trabalho barato, é um investimento que vale a pena.
"O custo perto do prejuízo é mínimo. O que se gasta no estudo e nas obras não chega a 5% do valor do desastre. Mas no Brasil, infelizmente, a tendência é tentar remediar e não prevenir", disse.
Em Florianópolis, o trabalho já dá resultado. O engenheiro Adailton Antonio dos Santos, professor da Universidade do Extremo Sul Catarinense, cita o caso do morro da Cruz, uma das áreas de risco da capital.
"O poder público fez obras de retenção, de drenagem e de recuperação da vegetação nativa, evitando a ocupação por mais pessoas. E tem tirado o pessoal onde não tem jeito mesmo."
(Por EVANDRO SPINELLI, Folha de S. Paulo, 28/11/2008)