A profunda crise financeira que atormenta o mundo e que começa a atingir o sistema produtivo, chamado de economia real, é vista como uma tragédia. Sem dúvida, os efeitos dela poderão ser devastadores. Qualquer recessão é visto como um caos, afinal, o sistema econômico global é baseado no crescimento permanente. Quanto maior, melhor. Essa é mentalidade (ainda) reinante no mundo.
As manchetes são assustadoras: “Crise reduz compras no exterior em até US$ 9 bi”; “Recessão se espalha e atinge a Europa inteira” (ambas de O Globo). Nesta segunda manchete, o jornal informa que “a Economia dos países da zona do Euro encolheu 0,2% no trimestre”. No mundo inteiro, as declarações de economistas, empresários e políticos tem sempre esse mesmo teor soturno.
Sem dúvida, a situação é bastante grave. Mas, vou fazer uma pequena análise sobre a recessão européia. Em 2006, o europeu médio teve, segundo o Banco Mundial, uma renda per capita de R$ 51.372 no ano, ou R$ 4.281 por mês (em moeda corrente, com o dólar a R$ 2,276). A recessão significa que cada cidadão deixará de receber, em média, R$ 103 por ano, ou 8,6 reais por mês. Se esse queda atingir, digamos, 5%, cada europeu receberá apenas 4.067 reais por mês. Uma família típica de quatro pessoas terá uma renda mensal de 16.268 reais. Será isso um catástrofe?
Sei bem que o problema não se resume a essa queda de renda pessoal. Afinal, segundo todos os especialistas, somente a expansão da economia pode assegurar aumento na oferta de empregos. Parece claro que recessão gera desemprego. No entanto, muito mais que retração econômica, o que realmente está acabando com os empregos são a mecanização, a informatização, a reengenharia e outras iniciativas destinadas a aumentar o lucro e a competitividade das empresas.
Quem realmente está preocupado com emprego? Esta palavra, das mais prostituídas em todas as línguas, é repetida nauseabundamente por políticos em campanha e por empresários, sempre que seus projetos danosos encontram resistência. Nesses momentos, os homens de negócios e os governantes assumem um ar messiânico de quem só age em função de garantir o emprego das massas...
Em 2007, de acordo com a CIA (The World Factbook), a taxa de desemprego no mundo era de 30%. Entre 2000 e 2006, a economia mundial cresceu 52%, em dólares corrigidos (Banco Mundial). Está cada vez mais óbvia a dissociação entre crescimento da economia e oferta de empregos. A Economia virou uma abstração, um fim em si mesmo. Persegue-se indicadores econômicos que não retratam a realidade de justiça social e de bem-estar das populações. Para economistas e industriais, o consumo de bens materiais é o único aspecto realmente importante.
Um dos caminhos arduamente defendidos, no Brasil e no mundo, para se evitar o agravamento da crise é o estímulo ao consumo de qualquer coisa, inclusive – e, talvez, principalmente – de automóveis. Essa é sem dúvida uma visão obtusa da realidade do mundo. O automóvel atravanca as ruas das grandes cidades – onde, em boa parte do dia, a velocidade média do tráfego é inferior à de uma bicicleta - e desperdiça petróleo, poluindo o ar, aumentando os casos de doenças respiratórias e contribuindo para o sério problema de mudanças climáticas.
Uma expressiva parcela do uso de carros é fútil e desnecessária. O automóvel é muito usado como exibição de (pseudo) riqueza, como um tolo símbolo de status. O que é realmente necessário é investir-se maciçamente em transporte de massa, intra e intermunicipais, de preferência em metrô e trens, além de se dificultar a utilização de veículos privados.
A Economia é uma invenção humana, não um sistema natural. Ela é um sub-sistema do sistema Terra. Se este – com seus recursos naturais e sua capacidade de processar rejeitos – não cresce, como um de seus sub-sistemas pode crescer indefinidamente?
Dados científicos e factuais comprovam que a crise realmente séria, pela qual passa a civilização humana, é a do meio ambiente. Apesar do extraordinário aumento da participação social, de diversos segmentos, nas questões ambientais e dos progressos tecnológicos e avanços nas legislações pertinentes, a realidade mostra uma lamentável aceleração na erosão de variados componentes do ambiente natural.
Os problemas ambientais são todos interligados, da mesma forma que os econômicos e sociais. A sinergia do aumento populacional com o do consumo de bens e serviços gera uma série de impactos no meio ambiente, desde poluição em centros urbanos e industriais, com crescentes reflexos na saúde pública, degradação de áreas de mineração, redução das reservas de recursos não renováveis, erosão acelerada do solo, poluição e diminuição na oferta de água de qualidade, pesca predatória, desmatamento, aumento de doenças infecto-contagiosas em virtude da destruição de ecossistemas nativos e muitos outros.
A erosão biológica é assustadora. A extinção de espécies, de todos os filos e reinos, continua em um ritmo de 100 a 1.000 vezes maior do que a taxa natural. Pelo menos um quarto (talvez 36%, segundo a Conservation International) dos quase 5.500 mamíferos do planeta está ameaçado de ser varrido da face da Terra, de acordo com a IUCN (International Union for Conservation of Nature). Um terço das barreiras de corais do mundo encontra-se ameaçado de extinção.
Entre 1996/1998 e 2008, a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN mostra um aumento - no somatório de 3 categorias - de 10% no número de espécies ameaçadas de aves, de 59% no de plantas e de 1.436% no de anfíbios! É verdade que uma parcela das espécies não tinha sido avaliada há 10 anos, mas, seja como for, esses números indicam uma insofismável elevação dos danos à biodiversidade. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio, desenvolvida pela ONU no início deste século, afirma que “quase dois terços dos serviços oferecidos pela natureza à humanidade estão em rápido declínio em todo o mundo. Na realidade, os benefícios colhidos de nossa engenharia do planeta exauriram o capital natural da Terra”.
É indiscutível que a Economia é totalmente submissa aos recursos do planeta, embora tal obviedade pareça não ser enxergada por uma expressiva parcela da sociedade (por vezes, essa constatação parece-me mais verdadeira entre as classes mais altas. Como não se trata apenas de ignorância, cabe perguntar se isso não é simplesmente decorrência da defesa mesquinha de seus interesses). Ora, se as atividades econômicas desejam sobreviver, elas precisam mudar o foco de seus investimentos.
Projetos ambientais possuem alta demanda de mão-de-obra, preservam o ambiente natural, geram riqueza e garantem a qualidade de vida das populações. Melhor do que estimular o consumo frenético de bens supérfluos e ícones tolos de sucesso, a economia mundial será duradoura na medida em que investir em negócios de baixo impacto e de proteção ambiental.
Atividades como controle de poluição, nas suas variadas formas, reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, preferencialmente com restauração dos ecossistemas nativos, gestão de resíduos sólidos (compostagem, reciclagem e aterros sanitários com recuperação de gases do efeito estufa), agricultura orgânica e exploração de fontes renováveis de energia são alguns exemplos de atividades que produzem renda e empregos de forma perene.
A produção de energia por gás natural e carvão, por exemplo, cria cerca de 100 empregos por megawatts/ano, enquanto que a eólica pode atingir até 1.200 empregos por megawatts/ano e, a solar, cerca de 2.000 empregos pela mesma unidade de energia produzida.
Os caminhos de mudanças para uma economia sustentável estão ao nosso alcance, protegendo o meio ambiente e oferecendo um número elevado de empregos. Tais mudanças demandarão sacrifícios e adaptações penosas, mas vale a pena. Não há alternativa. Resta saber se a humanidade assim o deseja...
(Por Carlos Gabaglia Penna, OEco, 27/11/2008)