Em tempos de acirramento da disputa por terras entre fazendeiros e índios Guarani no Mato Grosso do Sul, Terra Vermelha, do diretor ítalo-chileno Marco Bechi, é uma boa surpresa. Foi escolhido para a abrir a 23ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e está previsto para entrar em circuito comercial no dia 28 de novembro, sexta-feira próxima.
O filme Terra Vermelha do diretor ítalo-chileno Marco Bechi, se passa na região de Dourados (MS) e retrata, em forma de ficção, o choque de distintas visões de mundo envolvidas na situação de conflito e violência em que vivem indígenas e fazendeiros. Além dos atores não-índios, Terra Vermelha é protagonizado pelos Guarani e é quase todo falado em sua língua Os indígenas se revelam grandes atores, interpretando com uma naturalidade que impressiona.
A co-produção Itália Brasil traz um olhar distanciado do polêmico conflito entre proprietários rurais e indígenas, conseguindo construir personagens complexos, que escapam de maniqueísmos simplificadores e, assim, encara a questão com suas particularidades e contradições. Outra qualidade de Terra Vermelha é a maneira como consegue adentrar no universo dos Guarani Kaiowá, sem estigmatizar ou tentar formar uma visão romântica do índio.
O filme mostra como os Kaiowá mantém seus rituais, suas crenças e uma relação diferenciada com o mundo, apesar de conviverem há tantos anos e de maneira intensa com a cultura ocidental. Apesar de andarem vestidos como brancos e incorporarem alguns de nossos hábitos, se diferenciam por sua concepção peculiar sobre a terra e seus usos, concepção essa que se mantêm, apesar da enorme pressão exercida sobre sua cultura.
Birdwatchers, como é chamado no original em referência aos turistas estrangeiros que viajam para a Amazônia em busca de paisagens, animais e gentes exóticas, aproveita para polemizar esta fantasia, nutrida tanto fora como dentro do Brasil, dos indígenas como seres primitivos. O filme, que chamou a atenção de público e crítica no Festival de Veneza, foi escolhido para abrir a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e está previsto para entrar em cartaz no dia 28 de novembro.
Terra Vermelha desempenha papel crucial ao chamar atenção para a situação extremamente delicada em que vivem os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Confinados em Terras Indígenas que se tornaram muito pequenas para a quantidade de habitantes que abrigam, enfrentam índices de suicídio e alcoolismo cada vez maiores, o que demonstra a pressão e a falta de perspectiva em que se encontram. Sem terra e vítimas de violência e discriminação intensa, os indígenas apenas sobrevivem das cestas básicas distribuídas pelo governo, pois além de não ter espaço para plantar, os animais que caçavam estão acabando e os rios estão cada vez mais poluídos pelos insumos agrícolas utilizados pelos fazendeiros da região. Muitas vezes, para poderem ter o que comer, aceitam trabalhos em condições precárias, que os obrigam a ficar dias longe da família e os impedem de viver segundo seus costumes tradicionais.
Ao retratar esta realidade tão pouco conhecida pelos brasileiros que vivem nos grandes centros urbanos, o filme permite que o espectador se aproxime um pouco mais da problemática indígena e se sensibilize, ampliando a possibilidade de debate e a reflexão sobre tão complexa situação.
(Por Julia Trujillo Miras Costa e Rogerio Duarte do Pateo, ISA, 24/11/2008)