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roedores conservação da biodiversidade impactos de rodovias
2008-11-27

Roedores com existência estimada desde a Era do Mioceno, período que compreende 5,3 milhões de anos atrás, os tuco-tucos protagonizam hoje uma situação tão frágil quanto bizarra em seu habitat, especialmente na zona Sul do Estado gaúcho. Depois de pesquisas mostrarem os efeitos da mineração de carvão no Rio Grande do Sul sobre esses animais, assinalando danos genéticos de substâncias tóxicas sobre seus organismos e apontando sua condição de  bioindicadores, eles agora voltam à cena como um problema para a pavimentação de estradas.

A batalha entre antropização, ou seja, ocupação humana de áreas de ocorrência comuns dos tuco-tucos, e sua característica de contumaz escavadores de túneis, buscando assegurar sua autopreservação, está tirando o sono de engenheiros responsáveis pelo trecho de aproximadamente 50 quilômetros da BR 101 entre Tavares e Bojuru, via que na região recebe o nome de Estrada do Inferno pela dificuldade de passagem de veículos, em razão do terreno arenoso. Os roedores cavam vias subterrâneas de dezenas de quilômetros de extensão e 40 a 60 centímetros de diâmetro, atravessando a estrada por baixo. E, para piorar, seus túneis são bifurcados e individualizados, isto é, os tuco-tucos realizam esse “trabalho” de forma solitária, cada um com suas “tocas”, o que significa que o subsolo da Estrada do Inferno, mesmo asfaltada, vai se tornando uma espécie de queijo suíço. 

Obras – As obras de asfaltamento, desde Tavares a São José do Norte, começaram há mais ou menos dez anos, mas foram interrompidas em 2003 por falta de recursos. Estão divididas em três lotes, parte cabe à supervisão do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), parte ao Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer RS). Ficaram cinco anos paralisadas. Com o retorno dos trabalhos, os empreiteiros começaram a perceber que o adjetivo “inferno”, neste contexto, pode ter mais de uma versão: se antes era a condição de atoleiro para veículos e motoristas, agora pode implicar desníveis na pista já asfaltada, mas, para os tuco-tucos, pode ser a perda de um espaço importante de reprodução.

O biólogo especializado em mamíferos Adriano Cunha, da empresa de consultoria Biolaw, de Porto Alegre, acredita que a estrada que está no lugar errado: “Ela seccionou a população de tuco-tucos”, diz.

Providências – Conforme o superintendente interino do DNIT no Estado, engenheiro Pedro Lusardo, o trecho mais problemático da “invasão” dos tuco-tucos, que fica entre Tavares e Bojuru, é concessão do Departamento à Sultepa. “A empresa está realizando um estudo para tomar providências”, resume.

O engenheiro Henrique Otto Coelho, auxiliar da Superintendência Regional do Rio Grande do Sul do DNIT, em Rio Grande, confirma a ocorrência de “afundamentos leves” de trechos do asfalto na rodovia. “Mas está ocorrendo em toda a BR 101 entre Mostardas e Tavares, e não só nesses 50 quilômetros”, observa, citando que registra-se a mesma situação no trecho de Capivari a Tavares, de jurisdição do Daer.

Conforme Coelho, a estrada foi projetada para receber três camadas de asfalto, mas quando da interrupção das obras, havia sido implantada apenas uma camada, o que tornou mais visíveis os desníveis causados pela ação dos roedores. Ele garante, porém, que não está havendo ação predatória à espécie: “Para os animais não há problema. Eles não são atropelados nem caçados”, afirma. Segundo ele, os problemas na pavimentação não são acentuados nem comprometem a segurança do tráfego. Ele assegura que estão sendo corrigidos: “Serão feitas obras de engenharia”, resume, sem especificar as providências.

O engenheiro Jaime Barrios da Costa, que coordena a obra pela Sultepa, no trecho Tavares-São José do Norte, explica que a tendência do tuco-tuco é ocupar dunas: “Onde existem cômoros de areia, nas partes mais altas, ele busca se estabilizar”, afirma. “O animal cria deformações no asfalto devido aos túneis que cava sob a via, mas isto não chega a causar transtornos ao tráfego”, reitera.

Ambiente – Além da areia em local elevado – condição preferida para moradia pelos tuco-tucos –, a rodovia teve implantada grama em seus taludes (áreas laterais inclinadas), o que intensificou a atração da espécie, como alimento. Com casa e comida garantidas, os roedores dificilmente se dispersarão dali.

“Estamos elaborando um plano de alternativas para solucionar este problema”, diz Barrios, acrescentando que uma das questões é estudar um outro material a ser colocado no talude. “Não podemos adiantar as providências a serem tomadas, mas vamos apresentá-las ao DNIT”, informa.

Pesquisa –  O professor Thales Renato de Freitas, doutor do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenador do Projeto Tuco-tuco , que realiza estudos sobre o animal, revela que os responsáveis pelo empreendimento de pavimentação do trecho problemático já o procuraram para buscar uma solução: “Uma bióloga e dois engenheiros conversaram conosco no início deste ano”, lembra. Segundo ele, “os animais ocupam a lateral da rodovia, fazendo galerias dali para dentro, buscando passar para o outro lado da estrada. Assim, o asfalto cede”.

Freitas assinala que o tuco-tuco tem um comportamento bastante individual. Quer dizer, cada roedor faz suas próprias galerias, que chegam a 14 quilômetros de extensão e 40 a 60 centímetros de diâmetro. Além disto, pode haver ramificações, o que significa que um mesmo animal abre uma via maior e outras, secundárias.

O tuco-tuco ocupa toda a planície costeira litorânea. “No momento, não está na lista de espécies ameaçadas pelo Ibama, mas esta lista será revisada no ano que vem”, nota o professor. Ele destaca que “existe uma pressão antrópica no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, com a eliminação de áreas por calçadões e habitações, a retirada de areia e a ocupação irregular da primeira linha de dunas. Isto afeta a distribuição da espécie”.

Na avaliação do pesquisador, “o problema maior é a forma como são construídas as estradas”. “Deveriam colocar várias camadas de brita etc, mas colocam o asfalto diretamente sobre o leito de areia ou argila. Se fossem colocadas camadas de brita, haveria maior estabilidade do asfalto”, analisa.

Outra questão importante é a biologia do animal. Ele ocupa áreas arenosas e altas, e justamente o que se faz na construção de uma estrada é elevar o nível (cota), e em aumentando o nível de areia, os animais são atraídos.

Estudos – Em um artigo publicado em 2007 no Brazilian Journal of Biology (67, 4º suplemento, páginas 839 a 847), denominado “O status de conservação dos tuco-tucos, gênero Ctenomys (Roedentia Ctenomydae) no Sul do Brasil”, quatro pesquisadores, entre os quais o professor Freitas, fazem um resgate sobre as quatro espécies de tuco-tucos existentes no Sul do Brasil, na Argentina e no Uruguai. Uma delas é o Ctenomys torquatus, também chamado “tuco-tuco de colar”. Ele apresenta grande variabilidade genética, e pensava-se que existia apenas na Argentina e no Uruguai, mas posteriormente foi detectada sua presença também no Sul do Brasil, coincidindo com a distribuição das reservas carboníferas do Rio Grande do Sul.

Outra é o Ctenomys lami, encontrado desde o norte do Lago Guaíba até a região da Lagoa dos Barros. É uma espécie também com alta variabilidade cromossômica, mas que sofre os efeitos de uma região altamente antropizada.

A terceira espécie descrita no trabalho, o Ctenomys minutus, habita a zona da Planície Costeira, justamente a observada na estrada de Capivari a Mostardas, mas também em toda a faixa que vai de Laguna (SC) a São José do Norte, bem ao Sul do Estado gaúcho. Segundo o estudo, há uma grande similaridade morfológica entre o Ctenomys lami e minutus, razão por que são facilmente confundidos. A última espécie descrita no trabalho é o Ctenomys flamarioni, denominado popularmente “tuco-tuco das dunas”. É um animal mais robusto em relação aos anteriores, localizado em áreas como Arroio Teixeira e Rio Chuí. Apresenta grande variabilidade genética, também, mas estudos recentes apontam para reduções no tamanho de sua população, principalmente devido aos processos de urbanização em seu habitat.

Ágil e frágil – Como guerrilheiros solitários em suas tocas, os tuco-tucos são ágeis, mas mostram fragilidade diante de condições ambientais adversas. Conforme o artigo “Daily movements and maximum speed in Ctenomys talarum (Roedentia: Ctenomyidae) in artificial enclosures”, escrito por Facundo Luna e Daniel Antinuchi e publicado no Journal of Mammalogy (84, 1, páginas 272 a 277, em 2003), um tuco-tuco move-se, mais ou menos, 180 metros por dia, a uma velocidade de 0,75 metros por segundo, o que corresponde a 2,7 quilômetros por hora. As marcas são consideráveis, tendo em vista seu comprimento, de 22 a 25 centímetros, e o fato de passar um bom tempo cavando.

Agitados, esses construtores de galerias vêm tendo a saúde afetada pela poluição, especialmente de veículos automotores. É o que mostra o artigo “Impacto automotivo em populações de Ctenomys minutus na Planície Costeira do Rio Grande do Sul: avaliação do teor de metais tóxicos e medição de lipoperoxidação”. O estudo, assinado por Maria Teresa Raya-Rodriguez, C.J. J. Ferreira e J.C.F. Moreira, do Centro de Ecologia da UFRGS, foi publicado em 2006 no volume 1, número 2, do Journal of The Brazilian Society of Ecotoxicology (JBSE), páginas 177 a 183. Ele afirma que essa espécie, que habita próximo a estradas, sofre dano oxidativo em lipídios, o que é denominado lipoperoxidação e pode ser estimado por meio de testes com sangue, pêlo e fezes dos animais. A pesquisa apontou presença de elevados teores de metais como cádmio, níquel, chumbo e zinco no organismo desses tuco-tucos, indicando ainda que a pressão é maior com a chegada do verão, quando se intensifica o tráfego de veículos.

Apesar de todos esses estudos, o desafio da convivência entre tuco-tuco e humanos (especialmente os motorizados) permanece. A melhoria da Estrada do Inferno é fundamental para a economia e o turismo, mas evitar que o tuco-tuco sofra danos genéticos e perca espaço de habitat é também um imperativo. Fica-se no aguardo da solução dos empreiteiros.

Veja mais: a rotina do tuco-tuco no Litoral gaúcho em vídeos no Youtube:

A fúria do Tuco-tuco – mostra a rapidez com que o animal cava túneis.

Tuco-tuco em Atlântida – mostra mais claramente a ação do animal em dunas litorâneas gaúchas, embora tenha sido editado com uma trilha sonora voltada ao humor.

(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 27/11/2008)


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