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agricultura familiar
2008-11-27

Assessor especial do ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e coordenador nacional da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar no Mercosul (Reaf), Laudemir André Müller afirma, em entrevista exclusiva à Carta Maior, que o Brasil trabalha para que o Mercosul tenha em breve uma política unificada para a agricultura familiar.

Rio de Janeiro – Reunidos até o dia 27 de novembro no Rio de Janeiro para a décima edição da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar no Mercosul (Reaf), representantes dos governos e da sociedade civil de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia e Venezuela discutem em diversos seminários e palestras realizados no Hotel Guanabara os rumos das políticas públicas para o meio rural no continente. Em que pese a diversidade de contextos políticos e sociais nos sete países, a fase progressista vivida pela América do Sul faz com que todos pensem na aplicação de políticas comuns a todo o bloco.

Assessor especial do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e coordenador nacional da Reaf, Laudemir André Müller afirma, em entrevista exclusiva à Carta Maior, que o governo brasileiro trabalha para que o Mercosul tenha em breve uma política regional unificada para a agricultura familiar. Müller fala também sobre a proposta de criação do Fundo da Agricultura Familiar do Mercosul (FAF Mercosul) e sobre a participação da juventude rural nesse processo político, além de fazer um balanço da trajetória da Reaf. Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Carta Maior – A Reaf é uma iniciativa política identificada com os governos progressistas da América do Sul e, já em sua décima edição, pode-se dizer que ela está consolidada. Qual balanço faz o MDA sobre a trajetória da Reaf até aqui?
Laudemir André Müller –
O ministério tem uma avaliação muito positiva sobre o processo e a trajetória da Reaf. Nossa avaliação política é de que nós, da esquerda latino-americana, passamos vários dos últimos anos negando algumas coisas. Negando o livre-comércio, negando a integração mercantil, negando a política neoliberal, negando a ausência do Estado. O processo de criação da Reaf, que se iniciou nos dois primeiros anos do governo Lula, foi justamente, a partir dessa percepção de negar algumas coisas, passar a afirmar outras coisas. A Reaf é um processo de diálogo político entre o governo e a sociedade civil para afirmar ou reafirmar um projeto de integração baseado na solidariedade, na complementaridade, na inserção da agricultura familiar no processo de integração, tudo isso baseado na idéia de diminuição das assimetrias e de convergência da nossa região por meio de políticas públicas. Então, é um processo de afirmação, mas também é um processo de levar para dentro do Mercosul, do ponto de vista de sua instância formal, de sua institucionalidade, o tema da agricultura familiar. Até junho de 2004, quando nasceu a Reaf, a agricultura familiar não participava, do ponto de vista institucional, da integração regional. A agricultura familiar no Mercosul compreende mais ou menos 20 milhões de homens e mulheres - trabalhadoras, trabalhadores, camponeses, indígenas, etc. - que representam mais de 10% do PIB regional e mais de 80% dos estabelecimentos rurais. Tínhamos um processo dito de integração, mas que não incluía 80% do rural da região. Nós percebemos isso, e dentro da visão internacionalista do MDA e do governo Lula, criamos esse espaço dentro do Mercosul.

Os governos dão importância política aos processos desencadeados através da Reaf?
Müller –
A Reaf é uma reunião especializada sobre agricultura familiar que participa da institucionalidade do Mercosul - está vinculada ao Grupo Mercado Comum (GMC) - e é um processo que tem uma densidade política muito forte. Não foi fácil criar a Reaf, não foi fácil trazer a Reaf à sua décima edição regional. Nós já realizamos um trabalho imenso no Brasil, os outros países também estão realizando um trabalho muito forte. A Reaf foi proposta pelo governo brasileiro, por intermédio do MDA e do Itamaraty. Foi elaborada no tempo do ministro Miguel Rosseto e foi difícil de aprovar. Em fevereiro de 2004, nós levamos pela primeira vez ao GMC a proposta de criar um espaço para discutir agricultura familiar. Naquela época, alguns países do Mercosul não tinham a percepção da importância da agricultura familiar. Alguns representantes de governos chegaram a dizer, nessa reunião onde nós apresentamos a proposta, que não tinham agricultura familiar em seus países. Disseram que não conheciam esse assunto e que não tinham interesse. Outros países ficaram desconfiados com a proposta do Brasil, mas se criou todo um ambiente de negociação onde finalmente conseguimos aprovar a criação da Reaf. A partir daí, a gente vem trabalhando nesse espaço de diálogo político.

A Reaf é um dos pouquíssimos espaços institucionais do Mercosul, para não dizer o único, que tem em todas as suas instâncias a participação da sociedade civil. A Reaf é um espaço que nasceu assim. Nossa idéia central foi fortalecer as políticas para a agricultura familiar e facilitar o comércio dos produtos da agricultura familiar, tudo isso com participação da sociedade civil, seja na elaboração de conteúdo, seja no decorrer do processo. Criou-se uma agenda de trabalho que reflete o acúmulo político, as possibilidades políticas. As recentes mudanças políticas na América Latina - a última foi no Paraguai com a eleição de Fernando Lugo - fortalecem a Reaf, e a possibilidade de se ter esse espaço reflete seguramente um novo ambiente político no continente. Mas, todos os governos, com exceção da Venezuela, são governos de composição. Ou seja, as possibilidades são muitas, mas também há muitos limites. A idéia da Reaf é proporcionar essa construção política da agricultura familiar.

A X Reaf deve aprovar a criação do Fundo da Agricultura Familiar do Mercosul (FAF Mercosul). Qual benefício poderá trazer esse fundo para os agricultores familiares do continente?
Müller –
Esse é um tema muito importante para nós do governo brasileiro, e estamos orgulhosos de propor essa medida e conseguir um acordo dentro da Reaf sobre isso. O FAF Mercosul tem, essencialmente, a característica de viabilizar esse espaço de discussão e de fortalecimento das políticas públicas que é a Reaf. Viabilizar, sobretudo, a participação da sociedade civil, porque a gente sabe que as organizações da sociedade civil representativas da agricultura familiar não têm condições de participar, do ponto de vista presencial, de todos os debates e fóruns se não houver financiamento. Nesta reunião, os Estados do Mercosul - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai - decidiram propor ao GMC que esse processo de diálogo político que é a Reaf seja financiado pelos Estados membros do bloco econômico. É uma decisão de governo, uma decisão de Estado, de se criar um fundo onde serão colocados recursos para viabilizar esse processo. O tamanho do fundo vai depender da mobilização que nós conseguirmos fazer, e estará aberto para trabalhar outras questões.

Estamos realizando nesta décima edição, por exemplo, o Curso de Formação de Jovens Rurais do Mercosul, que é muito interessante, mas exigiu uma mobilização de recursos específica. Além de manter a Reaf, o FAF Mercosul vai nos dar a capacidade de ampliar algumas coisas e eventualmente, a depender da decisão dos governos dos Estados membros com a sociedade civil, de avançar para outros projetos. Quem sabe, o projeto-piloto de alguma política pública, etc. Então, o FAF Mercosul é um fundo que está relativamente aberto para outras iniciativas, mas que tem como seu objetivo central viabilizar e dar uma estabilidade de longo prazo para esse processo que é a Reaf, sobretudo no que se refere à participação da sociedade civil. Eu diria que, com este fundo, os Estados membros do Mercosul vão garantir a estabilidade da participação da sociedade civil na construção das políticas para a agricultura familiar no bloco. A ampliação das atividades do fundo vai depender de sua capacidade financeira, de quantos recursos os Estados vão alocar.

Você citou o curso de jovens que está sendo realizado na X Reaf. Qual a importância da participação dos jovens rurais nesse processo político?
Müller –
O nosso tema central é a agricultura familiar, por conta de sua relação com a segurança alimentar, com a estabilidade de nossa economia regional, com o diálogo com a diversidade, o diálogo com o emprego e o diálogo em relação à política econômica. Nós acreditamos no modelo da agricultura familiar, e sabemos que a reprodução desse meio de produção e dessa forma de vida do rural, da agricultura, tem uma relação muito direta com a juventude. Então, devemos não somente formar líderes da juventude, mas também criar condições, a partir da visão dos jovens, para a aplicação das políticas que são necessárias para o rural, incluindo políticas agrícolas e outras políticas relativas à educação, saúde e lazer, para que efetivamente a agricultura familiar tenha continuidade. Nós não pensamos o tema da juventude rural como um tema de futuro. Nós pensamos a juventude rural como um tema do presente que, em sua centralidade, busca criar condições, a partir da visão dos jovens, para que o modelo de agricultura familiar tenha continuidade. Isso, sim, depende dos jovens.

O Brasil implementa algumas políticas públicas - como o Pronaf, o Programa Mais Alimentos e o Programa Territórios da Cidadania - que colocam o país na vanguarda latino-americana em relação à agricultura familiar. As políticas brasileiras exercem alguma influência sobre os demais membros do Mercosul através da Reaf?
Müller –
Claro que sim. A idéia é justamente que o Brasil, com a sua experiência, contribua com os demais países. Mas, também que os demais países tragam contribuições à experiência brasileira. O Brasil tem suas experiências, tem uma condição muito importante devido as suas políticas públicas, desde a política de crédito, financiamento, seguros, comercialização, etc. Temos avançado muito, e queremos fazer com que o Mercosul tenha condições de adotar uma política pública regional com capacidade para influenciar no modelo de produção. Obviamente, a experiência brasileira, até por conta da importância e da responsabilidade que o Brasil tem na região, influencia os outros países. Assim como nós somos e queremos ser positivamente influenciados por outros países.

Na verdade, o Brasil se coloca em uma posição muito parecida com a de outros países: temos nossa experiência, cada país tem sua experiência e estamos justamente promovendo um processo para compartilhar essas nossas experiências e criar uma condição melhor para a agricultura familiar e, eventualmente, uma política convergente. Talvez até, um dia, uma política comum para a agricultura familiar no Mercosul. Essa é a orientação estratégica do nosso governo e do presidente Lula: ter uma política internacional renovada que priorize a América Latina e a América do Sul, com foco no Mercosul. O MDA está fazendo a sua parte dentro dessa visão estratégica geral determinada pelo nosso presidente e pela política externa brasileira.

(Por Maurício Thuswohl, OEco, 26/11/2008)


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