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agricultura familiar soberania alimentar
2008-11-27

A certeza de que a economia mundial passa por transformações profundas e a necessidade de se afirmar um novo modelo agrícola que seja baseado na agricultura familiar e que garanta a soberania alimentar dos povos da América do Sul deu a tônica do debate travado entre ministros e vice-ministros de Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela durante a X Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar no Mercosul (Reaf). O evento, que reúne cerca de 300 representantes de governo e da sociedade civil de diversos países, acontece até quinta-feira (27) no Rio de Janeiro, cidade que também recebe, a partir desta quarta-feira (26), a Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária.

Um dos pontos altos da X Reaf, o debate entre os governos envolveu o ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil, Guilherme Cassel, o ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai, Ernesto Agazzi, o vice-ministro de Agricultura e Pecuária do Paraguai, Henry Moriya, e o vice-ministro de Desenvolvimento Rural e Integração do Ministério da Agricultura e Terra da Venezuela, Gerardo Rojas.

“A Reaf e a feira acontecem num momento muito importante, em que as sociedades do mundo todo estão sendo sacudidas e onde alguns temas voltam de outra forma e com mais força. Há apenas seis meses, vigorava em todo o mundo a lei severa do mercado, era dominante a idéia de que as leis de mercado eram capazes de resolver todos os nossos problemas. Diziam que a otimização da alocação do capital, por si só, dava conta de levar a humanidade pra frente. Esses paradigmas apodreceram completamente, os mercados hoje estão sendo salvos com dinheiro público, por bancos centrais, por dinheiro do povo”, disse Guilherme Cassel.

O ministro brasileiro afirmou que “essas leis que sacralizavam o mercado eram as mesmas leis que determinavam que a reforma agrária era um tema do passado e que a agricultura familiar era uma coisa pobre, ultrapassada, sem importância econômica”. Cassel avaliou que a Reaf acontece num momento de afirmação: “Vivemos um momento em que a agenda da segurança alimentar volta com força. Quem produz os alimentos que a gente consome no dia-a-dia são os agricultores familiares, os assentados da reforma agrária e as comunidades indígenas de nossos países. Nesse momento em que o mundo e os valores estão em crise, cegou a hora da afirmação da agricultura familiar, de afirmar o nosso modelo de desenvolvimento e de produção e dizer em alto e bom som que esse modelo é o melhor para toda a sociedade”.

O momento de mudanças globais e a ruptura de paradigmas econômicos e sociais também foram ressaltados pelo vice-ministro venezuelano Gerardo Rojas: “A América Latina está rompendo paradigmas. O Paraguai e a Argentina estão rompendo paradigmas. O Brasil, como já fez no passado, está rompendo paradigmas com esquemas e modelos impostos de fora. Temos que seguir adiante e construir um novo modelo juntos, mas esse modelo tem que ter normas que devem ser decididas com a participação do povo”, disse.

Rojas saudou a Reaf como um momento político único: “Poder celebrar hoje essa reunião conjunta custou vidas e muito sangue. O que estamos vivendo aqui hoje não seria uma coisa fácil de se aceitar pelos que mandavam em nossos países há dez ou quinze anos. Estamos mudando, e mudando para melhor. Os processos de participação e de tomada de decisão conjunta entre a sociedade civil organizada e o Estado na América do Sul nos fazem vislumbrar o futuro desse continente, que por tantos anos foi explorado e marginalizado. Ainda não conseguimos solucionar todos os problemas econômicos que têm os países, mas estamos tentando”.

Participação
O vice-ministro paraguaio Henry Moriya, afirmou que o fortalecimento da agricultura familiar no país e no continente é uma das prioridades do presidente Fernando Lugo: “No Paraguai, temos uma reivindicação histórica da sociedade civil rural, que sempre reclamou ao governo políticas de Estado, mas, em um processo democrático que durou 19 anos, o país teve 18 ministros da Agricultura. Num ambiente com tanta instabilidade, sempre foi muito difícil construir políticas de Estado. A determinação do presidente Lugo é que este governo, esta administração, vá construir as políticas de Estado tão aguardadas pelo setor rural, com a participação do setor rural”, disse.

Moriya afirmou que o Paraguai pretende se engajar com mais força na busca por políticas públicas continentais: “Temos o mandato do presidente Lugo de escutar, de abrir a participação e fazer uma discriminação positiva dos grupos mais vulneráveis, como os jovens, os indígenas e as mulheres. Nesse sentido, a Reaf é um âmbito que reforça a decisão política do governo paraguaio de construir de forma participativa, com a sociedade civil, as políticas de Estado. Acreditamos que este desejo acalentado por tanto tempo pelo povo paraguaio vai ser reforçado com a Reaf”, disse o vice-ministro, que agradeceu “a solidariedade dos países mais desenvolvidos do Mercosul nesta construção de políticas de integração”.

Elaboração conjunta
O ministro uruguaio Ernesto Agazzi falou da importância da elaboração conjunta de políticas públicas entre os governos e a sociedade civil: “Os governos não podem atuar sozinhos, têm que promover a participação da sociedade, têm que abrir canais de participação nos institutos públicos para as organizações dos agricultores familiares. A democracia não é somente eleger seus representantes, a democracia é organizar a força popular. Se for somente eleger, seguiremos numa sociedade hierarquizada”, disse.

Agazzi quer que o Mercosul viabilize os mecanismos de participação da sociedade, o que, segundo ele, depende dos governos: “Para que a participação popular tenha conteúdo, é necessário um processo de construção social dessa participação. Acredito que estão havendo mudanças muito profundas em nossos países e que todos temos a responsabilidade de fazer com que essas mudanças sirvam para criar estruturas políticas distintas das tradicionais. A educação, por exemplo, deve ser decidida com a participação de professores e estudantes. O mesmo vale para a agricultura familiar. Essa participação não acontece espontaneamente, mas se constrói”.

Mercado justo
Gerardo Rojas afirmou que a Venezuela luta pela unidade latino-americana: “Nesse intento, vamos combatendo as muitas debilidades que surgem nessa missão de desenvolvimento. Acreditamos no que disse Simon Bolívar: a pátria é a América. Vamos agir como uma só pátria, como um continente unido, pois desta maneira seremos menos suscetíveis às grandes mudanças que estão acontecendo no mundo. Somente unidos nós poderemos construir um continente onde haja menos diferença, menos desigualdade, mais equidade, mais justiça e mais oportunidades”.

Guilherme Cassel felicitou a maior participação de Paraguai e Venezuela na Reaf: “É muito importante a participação do Paraguai na Reaf. Todos nós estamos acompanhando com muita expectativa, e com muita solidariedade acima de tudo, esse início de caminhada do governo Lugo. É também muito importante para todos os países aqui presentes a participação ativa da Venezuela na Reaf. Juntos, vamos afirmar um outro modelo de integração, um outro tipo de comércio e de mercado. Queremos um mercado justo e solidário que garanta, acima de qualquer coisa, a segurança alimentar de nossos povos, o acesso à terra e a preservação do meio ambiente”, disse o ministro brasileiro.

(Por Maurício Thuswohl, OEco, 26/11/2008)


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