Telhados verdes, pavimentos mais claros e autonomia energética são apenas algumas técnicas que podem ajudar a melhorar a qualidade de vida da população urbana
As técnicas sustentáveis começam a dominar o cenário da construção civil por todo o mundo, com arquitetos e engenheiros estudando novas maneiras de reduzir o consumo de energia, aumentar o conforto e tornar as cidades mais harmônicas não apenas em relação à natureza, mas aos próprios habitantes.
O engenheiro civil Roberto Lamberts, membro do Conselho Brasileiro de Construções Sustentáveis, defende a idéia do prédio energia zero. Eficiência e otimização são palavras-chave para esta proposta, junto com a geração local de energia e a conexão com a rede elétrica. Segundo Lamberts, os edifícios têm potencial para a geração de energia elétrica e térmica, que como já é feito em alguns países europeus, pode ser injetada na rede. Essa geração de energia vir de painéis solares térmicos e fotovoltaicos ou turbinas eólicas incorporadas à fachada dos edifícios, como o Bahrain World Trade Centre, que terá 12% de oferta de energia eólica.
No Brasil, o estádio do Maracanã deve receber para a Copa de 2014 a instalação de painéis fotovoltaicos para suprir 100% da demanda por energia. De acordo com Lamberts, geradores de 3,7 MWp serão instalados no estádio, o suficiente para abastecer cerca de duas mil residências.
Ele comenta que um dos desafios para aumentar a confiabilidade do setor é trabalhar ainda sobre as métricas de desempenho e ficar alerta para o uso de tecnologias adaptadas às condições de cada local (bioclimatologia). Como exemplo, Lamberts cita algumas cidades brasileiras que “abusam das fachadas de vidro num clima tropical, que precisa de muita sombra”. O pesquisador cita a necessidade de mudança de comportamento, aproveitando o clima externo, pois “estamos em um país agradável e podemos no verão tirar o terno e a gravata”, o que já acontece em países como Japão, China e dentro dos escritórios das Nações Unidas.
Ampliando um pouco mais o foco para as cidades como um todo, Lamberts revela que existem estudos da NASA que já confirmam, através da análise de imagens de satélite, que há uma redução das ilhas de calor com o uso de telhados verdes, aqueles com ocultivo de plantas. Outras técnicas, como a pavimentação e o uso de telhados mais claros, também ajudam a reduzir o calor das cidades.
ProjetoLamberts salienta a importância de uma mudança na concepção dos projetos, que precisam ser mais integrados. O presidente do Conselho Brasileiro de Construções Sustentáveis, Marcelo Vespoli Takaoka, explora o assunto: “Os incorporadores acreditam que sabem vender, os arquitetos acreditam que sabem construir e os administradores acreditam que sabem administrar”.
Takaoka defende que os administradores devem participar desde o início do projeto dos edifícios, tendo assim uma margem de manobra maior para melhorar a eficiência, reduzir a geração de resíduos e o consumo de água, por exemplo. “O cliente precisa perguntar ‘quanto vai custar o condomínio’ e tem que exigir mais eficiência na administração, assim o processo como um todo se torna mais eficaz”, explica.
Base energéticaTanto Lamberts quanto Takaoka afirmam que a matriz energética brasileira é limpa, mas está sujando. Grande parte da energia contratada nos últimos leilões é de fonte não renovável, o óleo combustível. Os esforços para conceber edifícios mais eficientes pouco vale se o aumento de fontes sujas continuar na matriz energética brasileira.
O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Aloísio Leoni Schmid lembra que na Europa as discussões giram em torno da integração entre a rede de transmissão européia e africana, com projetos enormes de usinas fotovoltaicas sendo desenvolvidas no deserto do Saara, o que pode reduzir em 10% o custo da energia para a região.
CertificaçãoLamberts confirma que o Conselho Brasileiro de Construções Sustentáveis não pretende fazer certificação de edifícios, sendo que já existem vários sistemas, como o britânico LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), o francês HQE (Haute Qualité Environnementale) e o norte-americano Green Building. No Brasil, o HQE foi adaptado e passou a se chamar Aqua (Alta Qualidade Ambiental).
O engenheiro acredita que este tipo de certificação é relevante para um pequeno nicho do mercado e que o mais importante é a postura de cada um, pois o selo pode ser apenas uma fachada. Existem estudos que comparam edifício normais com o outros certificados LEED, e alguns não apresentam diferenças estatisticamente significativas.
Takaoka completa que estes padrões não foram desenvolvidos para o Brasil, e o que é importante na Inglaterra pode não ser aqui. Ele acredita que a certificação valorize os edifícios em cerca de 5% a 15% e cita uma pesquisa feita pelo World Business for Sustainable Development (WBCSD) confirmando que na opinião da população estes prédios ‘verdes’ custam em média 20% a mais. “O selo é importante, mas tem que ser verdadeiro”, precisamos “evitar o greenwashing”, diz o presidente do conselho em relação ao marketing verde.
Setor públicoLamberts defende que o governo brasileiro deveria incentiva a população a tomar a atitude de correr atrás destas novas possibilidades dando o exemplo, através de compras e licitações voltadas para a construção com alta eficiência. Hoje as licitações do governo têm como prioridade o menor custo e prazo de entrega, ressalta o engenheiro.
Takaoka relembra que os investimentos feitos nas construções são rapidamente amortizados durante o uso, exemplificando com o caso do Instituto Butantã que em dez anos economizou R$140 milhões com técnicas como o monitoramento contínuo do consumo de água.
O desafio é realmente repensar a eficiência nas cidades, como por exemplo, “por que dirigir 40 minutos de casa para o trabalho para passar o dia inteiro na frente do computador?”, questiona Takaoka. “O ambiente urbano está cada vez mais voltado para a mobilidade individual”, conclui, ressaltando a necessidade de mudança.
(Por Fernanda B. Müller,
Carbono Brasil, 25/11/2008)