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inpe
2008-11-26

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) chega aos 47 anos com a legitimidade de uma instituição que consegue transformar conhecimento em benefícios diretos para a sociedade, graças à competência adquirida em áreas como de meteorologia e de sensoriamento remoto. Em tese de doutorado, o pesquisador Guilherme Reis Pereira procurou responder a uma questão central: como o Inpe, ao longo de sua trajetória, conquistou estabilidade para se desenvolver, se consolidar e garantir a sua sustentabilidade em um contexto de instabilidade política e institucional?

Segundo o autor da tese "Política espacial brasileira e a trajetória do Inpe (1961-2007)", o instituto progrediu apesar dos percalços sofridos pelo programa espacial brasileiro devido a conflitos entre seus atores e a mudanças políticas e econômicas profundas nos cenários nacional e mundial. “Com o fim da Guerra Fria, os países desenvolvidos adotaram uma política de controle da comercialização de tecnologias sensíveis – aquelas de duplo uso: civil e militar. No plano nacional houve a redemocratização do país, a crise econômica dos anos 1980 e início dos 90, e a reforma neoliberal que reduziu o poder do Estado, provocando atraso no programa espacial”.

Guilherme Pereira defendeu a tese no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, com orientação da professora Leda Maria Caira Gitahy e co-orientação da professora Sandra de Negraes Brisolla, ambas do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT). Formado em Ciências Sociais pela Unesp, o autor tem mestrado também pelo DPCT e trabalha no Inpe há cinco anos, os três últimos na coordenação de Planejamento Estratégico e Avaliação.

A conclusão do pesquisador é de que o Inpe conseguiu estabilidade diversificando suas atividades, integrando a pesquisa ambiental com a pesquisa espacial e mobilizando atores portadores de competências e recursos para programas e projetos, atendendo assim a demandas científicas, sociais, econômicas e de proteção ambiental. “Foi um meio de justificar a sua existência. A cooperação com instituições nacionais e internacionais trouxe recursos financeiros e humanos. Com isso, o Inpe continuou se desenvolvendo apesar das mudanças de regime e de governos”.

Para chegar a esta conclusão, Guilherme Pereira discute e utiliza os conceitos de arranjo institucional e rede de atores para reconstituir a trajetória do Inpe e analisar o processo de formulação e implementação da política espacial em diferentes períodos. Baseou-se em documentos e entrevistas, associando esta discussão ao contexto político nacional e internacional dos diversos períodos. O autor também levantou a situação atual do Inpe, com foco nas aplicações espaciais, além de promover um estudo de caso da relação entre o programa CBERS e a indústria nacional.

O início

O Inpe surge no contexto da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, tendo como embrião o grupo de organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais, criado por decreto de Jânio Quadros em 1961. Formado por membros da Aeronáutica e por civis ligados à Sociedade Interplanetária Brasileira, o grupo era liderado por Fernando de Mendonça, que abriu mão da insígnia de capitão da Força Aérea para fazer doutorado e se tornar pesquisador. Ele foi o primeiro diretor do Inpe.

Guilherme Pereira informa que na década de 1960 havia grande interesse da comunidade internacional em fenômenos que acontecem sobre território brasileiro, como a Anomalia Magnética do Atlântico Sul. “A Nasa oferecia o foguete e o treinamento para nossos pesquisadores. O Inpe nasceu neste ambiente de redes internacionais de pesquisa”.
De acordo com o autor da tese, desde o início foi se conformando uma divisão de trabalho no programa espacial brasileiro, entre um instituto de pesquisa civil e outro militar: a Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), constituída em 1963 e vinculada ao CNPq, e o Instituto de Atividades Espaciais, do atual Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA).

O pesquisador afirma que são característicos da primeira década do programa espacial os conflitos associados à disputa pela coordenação das atividades e à definição de competências e atribuições entre a CNAE e a Aeronáutica. “A CNAE tinha a competência de formular a política espacial e estabelecer acordos de cooperação internacional com instituições dos Estados Unidos, França, Alemanha e Inglaterra”.

Mudança

Em 1971, a CNAE seria extinta para dar lugar ao Instituto de Pesquisas Espaciais, que não teria as mesmas atribuições. Para definir a política e coordenar as atividades espaciais criava-se a Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (Cobae), presidida por um representante do Estado Maior das Forças Armadas. “Com isso, o Inpe perdia autonomia para realizar cooperação com outros países”.

Guilherme Pereira recorda que, neste período, houve intensa colaboração da Cobae e do CTA com agências internacionais, visando o desenvolvimento dos foguetes Sonda, além de lançamentos da Barreira do Inferno, em Natal. “Também houve cooperação com o Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), a agência espacial da França, para rastreio do lançador Ariane e formação de pesquisadores brasileiros para o desenvolvimento de tecnologias como o sistema de controle de atitude do Sonda IV”.

A Cobae, acrescenta o autor da pesquisa, conduziu as negociações de cinco anos entre Brasil e França para a realização conjunta de uma missão espacial completa, envolvendo o desenvolvimento de satélites e veículo lançador. “No entanto, a comissão decidiu pela realização da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), atribuindo a coordenação do programa espacial apenas a instituições brasileiras”.

Em 1979, com a aprovação MECB, também se formalizou a divisão no programa espacial, ficando estabelecido que o Inpe desenvolveria satélites de coleta de dados e de sensoriamento remoto, cabendo ao CTA produzir o veículo lançador de satélites (VLS) e implantar um centro de lançamentos brasileiro (de Alcântara, no Maranhão).

Diversidade

Guilherme Pereira observa que, entretanto, o Inpe já havia se orientado para diversificar as atividades desde o programa Meteorologia por Satélite (Mesa), iniciado em 1966, envolvendo recepção de imagens meteorológicas. Os cursos de pós-graduação no instituto começaram em 1968 e, no ano seguinte, as atividades de sensoriamento remoto. A estação de recepção de dados de satélite de sensoriamento remoto ficou pronta em 1973, em Cuiabá (MT).

Conforme o autor, na área de meteorologia e climatologia, a previsão do tempo é apenas um dos serviços diários prestados à sociedade. “Em sensoriamento, desde a década de 70 são realizados estudos úteis para previsões de safra, identificação de jazidas minerais, prospecção de petróleo e detecção de taxas de desmatamento. Havia ainda o projeto Saci, que tinha cunho social e visava capacitar professores em regiões remotas com os telecursos transmitidos no início dos 70, através de satélite da Nasa”.

Novo recorte

Um dos recortes feitos por Guilherme Pereira em seu estudo vai de 1985 a 1993, período da redemocratização do país e em que houve um rearranjo institucional no programa espacial. “A criação em 1985 do Ministério da Ciência e Tecnologia, ao qual o Inpe acabou vinculado como órgão autônomo, facilitou a retomada da cooperação internacional, desta vez com a China, em 1988, envolvendo o desenvolvimento dos satélites CBERS de sensoriamento remoto”.

Pereira afirma que o Brasil foi o terceiro país a tratar imagens de satélites, desde a época da série Landsat na década de 70. “De lá para cá, o país se tornou o maior usuário de imagens de satélites. Quando começou a pressão pela preservação do meio ambiente nos anos 80, o Inpe já estava capacitado a oferecer conhecimento e serviços aos órgãos de fiscalização e proteção ambiental, atualizando seus programas para esta nova agenda política”.

Hoje já estão disponíveis na Internet as imagens do sistema de monitoramento da Amazônia e o catálogo CBERS, que distribui aproximadamente 100 mil imagens por ano, já superou a casa de 350 mil desde meados de 2004.

As restrições para a construção de foguetes

Em 1994 foi criada a Agência Espacial Brasileira (AEB) para assumir o papel da extinta Cobae na formulação da política e coordenação das atividades espaciais. Segundo o pesquisador Guilherme Pereira, as mudanças institucionais foram condicionadas pelo processo de redemocratização do país e pelo aumento da pressão dos países desenvolvidos para o controle da comercialização das tecnologias que poderiam ser utilizadas também no desenvolvimento de artefatos militares.

Este embargo ocorreu quando o Brasil iniciava o desenvolvimento de um lançador de satélites. “As barreiras internacionais se apóiam no discurso da não-proliferação de armas de destruição em massa. No entanto, o que está em jogo é a conservação das desigualdades tecnológicas e da concentração de poder de um grupo de países desenvolvidos liderados pelos EUA. Ademais, programas como as que envolviam o VLS foram perdendo prioridade”.

Esta perda de prioridade, afirma o pesquisador, ocorreu nos governos neoliberais, mais preocupados com a integração econômica ao mundo globalizado e em implantar reformas para reduzir o tamanho do Estado e para um novo tipo de inserção internacional. “Lembre-se que os programas espaciais nasceram justamente como instrumento de demonstração do poder do Estado. O Brasil aceitou alguns tratados, como o regime de controle de tecnologia de mísseis, que restringiam o acesso às tecnologias de uso dual”.

O Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial tinha obtido sucesso com o programa de foguetes Sonda, iniciado em 1965. Eram foguetes de sondagem utilizados para missões suborbitais, capazes de lançar cargas úteis (do Inpe) compostas por experimentos científicos e tecnológicos. Todo este aprendizado, que vinha sendo utilizado para chegar ao VLS, além do desenvolvimento de mísseis e outras aplicações civis foi o que sofreu mais restrições. Foram realizados três testes, em 1997, 1999 e 2003, sendo que o último resultou na tragédia de Alcântara, em que morreram 21 engenheiros e técnicos.

(Por Luiz Sugimoto, Jornal da Unicamp, 25/11/2008)


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