Os 33 quilómetros de dique que vão roubar sete Manhattans à costa do mar Amarelo já estão construídos. A Coreia do Sul tem um projecto urbanístico com 400 quilómetros quadrados para trazer riqueza económica à região agrícola da Jeolla do Norte, no Sul do país.
A cidade industrial que está por vir tem como objectivo atrair capital, empresas estrangeiras e dar emprego a uma região pobre da Coreia do Sul, que tem servido até agora como celeiro do país. No entanto, a destruição de zonas húmidas que são um local importante de paragem para as aves migratórias pode pôr em risco a sobrevivência de várias espécies.
“Este projecto não tem como objectivo a protecção do ambiente. É feito para o desenvolvimento económico. E vamos fazer isso tendo em conta os cuidados ambientais”, disse Park Hyoungbae, um dos responsáveis pelo desenvolvimento de Saemangeum.
A construção vai custar 2,34 mil milhões de euros e o início está previsto para o próximo ano. As zonas húmidas naturais vão ser substituídas por zonas húmidas artificiais, os rios vão se tornar lagos. Ao longo do dique vai ser construído um parque temático para atrair turistas, um centro para convenções e talvez um casino.
Tudo isto para que indústrias estrangeiras aluguem terrenos durante cem anos com garantias de uma zona económica livre, impostos mais baixos e o conforto de uma cidade moderna.
Empreendimento antigo
A província de Jeolla do Norte está preenchida por pequenas quintas de cereais e de pecuária, e orgulha-se de ter um porto no mar Amarelo que serve a China, situado na cidade histórica de Jeonju.
O novo complexo industrial quer aumentar a indústria na região e dar um empurrão ao país, cuja economia abrandou desde a crise financeira mundial. “Saemangeum vai tornar a Coreia num sítio muito mais feliz”, diz um vídeo publicitário para atrair potenciais investidores.
O projecto nasceu há décadas. Originalmente ficava a 200 quilómetros a Sul de Seul, a capital da Coreia do Sul. Na altura, a alimentação era uma preocupação do país e aumentar a área de cultivo roubando terra ao mar poderia ser uma forma de melhorar as condições.
Mas vários impedimentos e alterações fizeram com o que o projecto só arrancasse em 1999. Centenas de milhares de pedregulhos foram despejados no mar e o dique ficou pronto em 2006.
Segundo a Reuters, muitos criticam o projecto por retirar trabalhadores da área agrícola, numa região que já sofre de défice populacional. Por outro lado acusam a ideia de vingar ao longo destes anos, não só devido à inércia burocrática, mas também pelos postos de trabalho que criou na área de construção e que deram votos ao partido de esquerda que esteve à frente da região entre 1998 e 2008.
O actual presidente conservador Lee Myung-bak, que pertenceu à Hyundai, é a favor do empreendimento, defendendo que vai ajudar o desenvolvimento regional e vai estimular a economia de exportação do país.
Alarme ambiental
Na Ásia, segue-se o empreendimento de Saemangeum com atenção. Os conservacionistas temem que muitos países queiram duplicar a ideia da Coreia do Sul, fazendo projectos para reclamar áreas ao mar.
O Japão fez o mesmo na Baia de Isahaya, no Sudoeste do país, aproveitando zonas húmidas de maré. O resultado, segundo especialistas japoneses, foi desastroso, levando a queda da qualidade da água do mar, e a solos pobres em terra. Em Junho, o tribunal japonês obrigou o Governo a abrir canais de água, que estavam fechados desde 1997, alegando que o projecto tinha tido um impacto negativo na pesca e no ambiente da região.
As zonas húmidas como Saemangeum ajudam a controlar as cheias, previnem a erosão dos solos e podem ajudar a remover e a acumular os gases responsáveis pelo efeito de estufa. “A importância ecológica de Saemangeum parece ser mais valorizada fora do país”, explica Yoon Sang-hoon, do grupo ambiental Green Korea. “O Governo diz que este é um projecto amigo do ambiente, mas plantar umas quantas árvores, que entretanto já morreram, não é pôr em prática um projecto verde”, acrescentou.
Apesar de ainda existir água que corre ocasionalmente através de canais. O projecto já destruiu áreas que eram zonas húmidas, empurrando espécies em perigo em direcção à extinção, dizem os grupos de conservação. As aves migratórias que viajam entre a Rússia e o Alasca, no Norte e entre a Nova Zelândia e a Austrália no Sul, juntam-se nas zonas costeiras do mar Amarelo para se alimentar - muitas vezes são a única paragem.
Um estudo sobre Saemangeum publicado no mês passado pelos grupos conservacionistas “Birds Korea” e “Australasian Wader Studies Group”, registou entre 2006 e 2008 uma redução de 137 mil aves costeiras, e um declínio de 19 das espécies mais numerosas. “Nós antecipamos que o declínio não só vai continuar como vai se tornar mais óbvio em outras espécies”, disse Nial Moores, director do “Birds Korea”.
(Ecosfera, 24/11/2008)