Sábado, 27 setembro de 2008. A TV Bandeirantes começa as chamadas da série especial de três reportagens sobre o amianto no Brasil e suas conseqüências à saúde humana e ao meio ambiente, que iria ao ar a partir da segunda-feira seguinte, dia 29, no Jornal da Band. A chamada, veiculada no sábado à noite e no restante da programação, mostra a grave situação em que vive a população de Bom Jesus da Serra, na Bahia, onde funcionou de 1939 a 1967 a primeira empresa mineradora de amianto de porte no País -- a SAMA. À época, era controlada pelo grupo francês Saint-Gobain (proprietário da marca Brasilit, empresa que, após o banimento de todos os tipos de amianto na França, em 1997, anunciou que iria substituir o mineral cancerígeno também no Brasil; hoje, a sua produção é totalmente isenta dele).
O passivo socioambiental deixado pela Brasilit em Bom Jesus da Serra, cerca de 500 quilômetros a sudeste de Salvador, é impressionante. Em 1998, foi assumido integralmente pelo Grupo Eternit, o maior do setor no país, que controla atualmente a SAMA, que desde 1968 está sediada em Goiás. Pior é o abandono em que vivem os ex-empregados da mineradora. Por quase 40 anos, os franceses exploraram o mineral cancerígeno da Fazenda São Félix do Amianto em Bom Jesus da Serra. Hoje, só restam escombros, resíduos, amontoados de pedras, um grande canyon com um lago artificial, doentes e viúvas por toda a parte. São 700 hectares de terra arrasada onde vivem cinco famílias (antigos empregados e seus descendentes).
A repórter da BAND, Eleonora Paschoal, esteve lá dos dias 8 a 10 de setembro e constatou tudo isso. Ouviu ex-empregados com a saúde irremediavelmente afetada, familiares de vários já falecidos, médicos, autoridades locais e moradores. De volta a São Paulo, entrevistou mais ex-empregados do setor do amianto, familiares, médicos, advogados, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), o Grupo Eternit, o Instituto Brasileiro do Crisotila. Seu objetivo: mostrar as graves questões de saúde, trabalho, meio ambiente, desrespeito aos direitos humanos, ambiental e do consumidor relacionados ao amianto.
Segunda-feira, 29 de setembro. Às 19h20, a população de Bom Jesus da Serra e da vizinha Poções está em frente à televisão para assistir à sua tragédia contada na BAND. O jornal termina, e a primeira reportagem da série – A cidade morta – não vai ao ar. Frustração geral. Na boca de todos, só havia uma pergunta: o que aconteceu?
Terça-feira, 30 setembro. A expectativa é de que a série anunciada sobre o amianto finalmente vá ao ar. De novo, nada. Nos primeiros dias, a cidade ainda parava para assistir ao Jornal da Band. Depois, desistiu.
Quarta-feira, 1º de outubro. Na reportagem Perito “suíço” em amianto foi pago pela indústria brasileira do amianto, publicada em 29 de setembro pelo Viomundo, o leitor José Carlos postou às 10h15 o seguinte comentário: “Hoje, dia 1º de outubro, quando me dirigia para o trabalho aqui em Brasília eu ouvia a Band News no carro. No intervalo comercial surgiu um informe publicitário falando dos benefícios do amianto para o crescimento do país, que ele é utilizado nos EUA, Europa e ainda que ele só foi maléfico para os que o manipulavam até o ano de 1980. Destacou-se, também, no informe, que os problemas de saúde daqueles que inicialmente trabalhavam com amianto foi o mesmo caso que ocorreu com aqueles que operavam máquinas de raio-x, que adoeceu uma série de pessoas em seu período inicial pelo uso incorreto da radiofreqüência. Deve ter sido um spot de 1 minuto, com o mais puro lobby. Como não acredito em coincidências, parabenizo o Azenha pelo site e pelo trabalho jornalístico”.
Domingo, 23 de novembro. A série da BAND sobre amianto ainda não foi ao ar, continua na gaveta. Em Bom Jesus da Serra, a tragédia ecossanitária persiste intocável. “Só recentemente o povo de Bom Jesus da Serra começou a tomar consciência dos males do amianto”, diz ao Viomundo o fotógrafo Inacio Teixeira, que mora lá. “Até então as lembranças que prevaleciam eram as de um ‘Eldorado no sertão’.”
Inacio, como seus 11 irmãos, é cria do amianto. Seus pais trabalhavam na mina e, como as demais crianças da localidade, brincava com cascalhos do mineral e ganhava alguns trocados raspando manualmente a fibra de amianto aderida nas pedras, que as máquinas não conseguiam retirar. Em 1975, veio para São Paulo e começou a fotografar. Há 33 anos faz fotojornalismo. Trabalhou em vários veículos – sucursal do Correio do Povo de Porto Alegre, Estadão, Diário Popular, Associated Press, a agência de notícias onde ficou 12 anos. Hoje, está de volta à sua terra natal.
“Por ser o berço do amianto no Brasil, Bom Jesus da Serra deveria ter sido a primeira cidade no Brasil a banir o amianto em todos os segmentos”, prossegue Inacio. “Isso significa proibir também a utilização dos subprodutos – as pedras e os cascalhos – para construção civil e até mesmo o consumo da água, que preenche a antiga cava de exploração e que formou um lago artificial de quase 150 metros de profundidade, bem como o uso do solo pelos moradores no entorno da mina.”
Idalício Batista dos Santos é uma das muitas vítimas. Por enquanto, tem placas na pleura (membrana que reveste o pulmão) decorrentes da exposição ao amianto. “Placas pleurais geralmente não dão sintomas; indicam apenas que o indivíduo inalou amianto”, explica Ubiratan de Paula Santos, médico e professor colaborador da disciplina de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Incor/HC/FMUSP). “Porém, é preciso avaliá-lo periodicamente, pois as placas pleurais são um sinal de risco aumentado para câncer do pulmão e mesotelioma.”
O irmão de Idalício, Altamiro Batista dos Santos, tem câncer no pulmão. Os dois viveram a maior parte da vida no entorno da mina de Bom Jesus da Serra. Formavam, inclusive, uma dupla sertaneja. Por coincidência ou não, nesses quase dois meses a rádio Band News FM veiculou ininterruptamente uma campanha publicitária a favor do amianto, cujo primeiro alerta nos foi dado em 1º de outubro pelo leitor José Carlos, do Viomundo.
“É lamentável que o poder econômico tenha ingerência na mídia, que deveria ser totalmente independente e um espelho para a sociedade”, diz a engenheira Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego em São Paulo e coordenadora da Rede Virtual Cidadã para o Banimento do Amianto na América Latina. “Eu e muitas outras pessoas preocupadas com o ‘sumiço’ das matérias sobre o amianto mandamos vários e-mails ao diretor de jornalismo da TV Bandeirantes, o jornalista Fernando Mitre, cobrando por que motivo a série não tinha ido ao ar. O Mitre nunca nos respondeu, como se não nos devesse nenhuma explicação, já que não somos patrocinadores de sua empresa; somente meros expectadores.”
ABREA denuncia campanha ao CONAR
A campanha publicitária a favor do amianto é patrocinada pelo Instituto Brasileiro do Crisotila. Na rádio Band News FM, são 12 anúncios de conteúdos diferentes, com seis inserções diárias, de segunda a sexta-feira, com duração de 1 minuto cada. Alguns dos referidos anúncios também estão sendo veiculados na Rádio CBN – Companhia Brasileira de Notícias --, em diversos horários.
“Por conter informações inverídicas e tentar iludir o consumidor, ferindo os preceitos éticos da publicidade, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto protocolou denúncia no Conar [Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária] contra esses anúncios”, informa o advogado Alexandre Lindoso, que representa a Abrea nesta ação. “Queremos a sustação imediata dessa campanha enganosa.”
A denúncia da Abrea foi protocolada terça-feira, dia 18 de novembro. O áudio dos 12 anúncios está na petição. As degravações reproduzidas abaixo estão transcritas exatamente assim na representação da Abrea ao Conar (os grifos são do próprio advogado):
Anúncio 1
(vinheta BandNews)
“Que o amianto brasileiro, o amianto crisotila, é produzido de forma segura e responsável, você já sabe. Que não existe risco para quem trabalha de forma controlada com o amianto crisotila, você também sabe. Que mesmo assim existe uma pressão para proibir o nosso amianto crisotila, isso você também já sabe. O que quase ninguém sabe é que em nenhum outro setor da economia brasileira, a segurança dos trabalhadores avançou tanto como no da extração e industrialização do amianto. Foi uma conquista dos trabalhadores e um reconhecimento das autoridades brasileiras. É isso que assusta o concorrente, ignorando todo o trabalho que foi feito aqui e que serve de exemplo para o mundo inteiro. É o preço reduzido e a qualidade das tradicionais telhas e caixas d’água de amianto crisotila que facilitam o acesso da população de baixa renda a esses produtos. Amianto crisotila: a fibra mineral que ajuda o Brasil a crescer.” (Gravação em voz feminina, na Rádio Band News (DF), em 29/9/2008, das 10h57min21 às 10h58min23).
Observação da repórter: este anúncio foi veiculado no mesmo dia em que a série especial sobre amianto da BAND deveria ter entrado no ar, e não entrou.
Anúncio 2
(vinheta BandNews)
“Mais de 130 países no mundo inteiro usam o amianto crisotila em telhas, caixas d’água e outros produtos. É assim nos EUA, na Rússia e no Canadá,
além do Brasil, é claro. No passado, a exploração do amianto provocou problemas de saúde em trabalhadores e ninguém esconde isso. Naquela época não se sabia como manusear corretamente o amianto, do mesmo jeito como aconteciam com os Raio-X, que contaminaram muita gente. Mas hoje é muito diferente. Existe controle, uma Lei Federal especialmente criada para esse controle. Os próprios trabalhadores fiscalizam cada etapa da produção. Graças a isso, entre os trabalhadores admitidos a partir de 1980 não se tem notícia de novos contaminados. E mais. A mineradora SAMA, que extrai o amianto crisotila no município goiano de Minaçu, foi indicada pela quarta vez no ranking das 100 melhores empresas brasileiras para se trabalhar. Quer prova maior da segurança do nosso amianto crisotila? Amianto crisotila: a fibra mineral que ajuda o Brasil a crescer.” (Gravação em voz masculina, na Rádio BandNews (DF), em 1/1/2008, das 10h54min58 às 10h55min59)
Anúncio 3
(vinheta BandNews)
“Mais de 50% das residências no Brasil usam telhas ou caixas d’água de amianto. No mundo inteiro, 130 países usam o amianto nos mais diversos produtos. O superintendente de Geologia de Goiás, Luiz Fernando Magalhães, explica porque a situação da Europa, que proibiu o amianto, é muito diferente do Brasil. “Então lá eles utilizaram o amianto anfibólio. Aqui tem crisotila, que tem características muito diferentes. Lá praticamente não existe caixa d’água. Eles não usam a telha. Uma aplicação totalmente desordenada, jateamento e tudo, foi extremamente maléfico para quem tava manuseando, utilizando aquele tipo de anfibólio. Nós temos um grande recurso mineral, que a natureza presenteou essa nação e simplesmente está sendo condenado a não valer nada”. A produção do amianto crisotila no Brasil amadureceu para oferecer segurança. Amianto crisotila: a fibra mineral que ajuda o Brasil a crescer.” (Gravação em voz masculina, na Rádio Band News (DF), em 24/10/2008, das 09h47min58 às 09h49min01)
Rebatendo algumas das muitas inverdades dos anúncios
Vamos por partes.
1) “O anúncio vende o amianto crisotila como produto inócuo à saúde, só que comprovadamente ele faz mal à saúde; é cancerígeno”, salienta Lindoso.
2) Todo tipo de amianto, inclusive o branco, ou brasileiro, ou crisotila, traz danos à saúde. Pode causar: 1 -- placas pleurais; 2 -- asbestose, conhecida como “pulmão de pedra”. A doença provoca o “endurecimento” do pulmão, levando lentamente à perda progressiva da capacidade respiratória e morte; 3 -- câncer do pulmão; 4 -- mesotelioma de pleura, peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal) e pericárdio (membrana que recobre o coração). São, respectivamente, tumores malignos de pulmão, peritônio e pericárdio. Agressivos, incuráveis e fatais, eles podem aparecer 35, 40 e até 50 anos após o primeiro contato com o amianto.
3) A posição maciça das instituições científicas e/ou relacionadas à saúde do mundo inteiro é de que todo de amianto é cancerígeno para o pulmão, inclusive a crisotila. Entre elas, Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (IARC, sigla em inglês), Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (INSERM), da França, Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional (NIOSH), dos Estados Unidos, e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Brasil.
4) “O anúncio passa a idéia de que a campanha contra o amianto não passa de uma disputa patrocinada pela indústria multinacional de fibras sintéticas”, observa Lindoso. “Não é verdade. A Abrea, que lidera a campanha pelo banimento do amianto no Brasil, não tem qualquer vinculação com qualquer segmento econômico. A Abrea é vinculada estritamente aos ex-empregados e trabalhadores – na maioria, de muito baixo poder aquisitivo. Se não fosse a Abrea, eles não teriam condições de ter uma defesa judicial adequada. Esses ex-empregados são a prova viva dos danos do amianto.”
5) “O anúncio diz que mais de 130 países usam o amianto crisotila, como se houvesse consenso mundial sobre o mineral assassino”, aponta Lindoso. “Só que é omitido que mais de 40 países já o baniram, entre os quais França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Austrália, Japão, Uruguai, Argentina, Chile. E a tendência mundial, especialmente nos países desenvolvidos, é proibir por completo a exploração, comercialização e utilização do amianto.”
Nos Estados Unidos, agora há esperança que isso aconteça num futuro não muito distante. Afinal, Barack Obama, o presidente eleito, em meados da década de 1980 trabalhou em Chicago num projeto chamado Comunidades em Desenvolvimento. Como organizador de comunidades, Obama organizou igrejas negras no bairro industrial de South Side, uma área prejudicada pelo fechamento das usinas de aço e das fábricas. Sua tarefa era mobilizar os residentes a promover mudanças, seja fazendo lobby por um centro de treinamento para empregos, seja exigindo mais parques ou removendo amianto das casas.
6) “Os anúncios dizem que entre trabalhadores que começaram a manipular amianto depois de 1980 nenhum adoeceu. Como é possível garantir isso? É futurologia”, salienta Fernanda Giannasi. Nós trabalhamos com epidemiologia, e os estudos demonstram que as doenças do amianto levam 20, 30, até 50 anos para se manifestar. O mesotelioma do Aldo Vicentin, ex-secretário-geral da Abrea, falecido em julho, levou 44 anos para se manifestar e três meses para matá-lo!” (Aldo Vicentin, mais uma vítima do amianto).
Além disso, há diversos trabalhadores que começaram depois de 1980, adoeceram e morreram. O senhor Manoel de Souza e Silva Júnior, que faleceu em agosto último, é um deles.
7) “O anúncio insiste que não existe risco para quem trabalha de forma controlada com amianto crisotila”, lembra Lindoso. “Só que a própria Lei 9055, de 1995, que assegura a exploração e o uso controlado do amianto no Brasil, mostra o contrário.”
O artigo 4 da referida lei diz que os órgãos competentes de controle de segurança, higiene e medicina do trabalho desenvolverão um programa sistemático de fiscalização, monitoramento e controle dos riscos de exposição ao asbesto/amianto da variedade crisotila. O artigo 5 afirma que as empresas que manipularem ou utilizarem materiais contendo asbesto/amianto da variedade crisotila terão que enviar anualmente ao Sistema Único de Saúde (SUS) uma listagem dos seus empregados para avaliação médica periódica.
“Então se a crisotila é tão inócua assim por que a lei determina que os trabalhadores sejam monitorados?”, questiona Lindoso. “A Lei 9055 admite a exploração e o uso, mas não chancela a inocuidade do mineral. Ao contrário. Demonstra que ele tem risco.”
8) “O uso controlado é uma ilusão total. Uma falácia!”, alerta Hermano Albuquerque de Castro, professor da Escola Nacional de Saúde Pública e coordenador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. “No máximo, as indústrias conseguem reduzir a dose de contaminação dentro das fábricas. Não conseguem controlar depois que o produto sai das fábricas e vai para o público.”
Há o exemplo da própria construção civil, onde é freqüente a instalação de telhados. Devido à alta rotatividade de mão-de-obra do setor, os operários não têm noção de que aquele produto, que estão furando e cortando, tem amianto. E acabam respirando suas fibras sem qualquer proteção. O mesmo pode acontecer nas suas casas. “As indústrias do amianto têm responsabilidade por toda a cadeia: mineração, produção, colocação no mercado”, afirma Hermano de Castro. “E, aí, como é que elas vão controlar o manuseio desses produtos pela população? É impossível.”
“Desinformar a população e induzir a erro judiciário”
No dia 4 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que a lei 12.684, que proíbe o uso do amianto no Estado de São Paulo, é constitucional. Uma vitória histórica do direito à saúde, à prevenção de doenças e ao meio ambiente equilibrado. O STF, baseado em trabalhos científicos idôneos, foi ao cerne do problema. Considerou de forma muito convicta que todo tipo de amianto, em função da lesividade ao ser humano, não se compatibiliza com uma questão maior que está garantida na nossa Constituição, que é o direito à saúde e à vida.
“Não é por acaso, portanto, que os anúncios estão sendo divulgados preponderantemente em Brasília e por meio de emissoras de rádio com programação de caráter exclusivamente jornalístico, evidenciando o intento de desinformar a população, bem como de induzir a erro o Poder Judiciário Brasileiro”, afirma Lindoso. “Afinal, estão no STF várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). Uma delas pede o banimento completo do amianto no Brasil.”
Em 2004, a indústria do amianto lançou a campanha Amianto Crisotila Respeitando a Vida e fazendo o Brasil crescer. A Abrea denunciou-a também ao Conar, cujo conselho é multidisciplinar. Na ocasião, o oncologista Sérgio Simon, de São Paulo, decidiu pela suspensão imediata da campanha. O Conar acatou.
“Esperamos que isso também aconteça agora”, anseia Lindoso. “Como o lobby do amianto tem muito dinheiro para gastar, exceto com indenizações decentes e recuperação dos ambientes degradados, a publicidade exaustiva e mentirosa é a arma que usam para tentar refrear os nossos avanços”, salienta Fernanda Giannasi.
O setor tem uma rentabilidade de R$ 2,6 bilhões ao ano, segundo Rubens Rela Filho, diretor-geral da mineradora da SAMA, que pertence ao Grupo Eternit. É a responsável pela mina de amianto crisotila de Cana Brava, a única em exploração no País, que fica em Minaçu, norte de Goiás, a 500 quilômetros da capital Goiânia.
Essa informação foi dada pelo próprio Rela ao presidente do STF, Gilmar Mendes, em audiência, no dia 30 de setembro. Ao encontro ainda estiveram presentes o presidente do Grupo Eternit, Élio Martins, o senador Marconi Perillo (PSDB, GO) e o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB, GO). A reunião foi intermediada pelo senador do DEM de Goiás, Demóstenes Torres. Marconi Perillo, Carlos Alberto Leréia e Demóstenes Torres assim como Ronaldo Caiado (DEM, GO) e Jovair Arantes (PTB, GO) são alguns dos parlamentares da chamada “bancada da crisotila” no Congresso Nacional. Em 2 de outubro, na reportagem O LOBBY DO AMIANTO EM VISITA A GILMAR MENDES, o Viomundo noticiou essa audiência.
Em troca de defender ferrenhamente o amianto, esses parlamentares goianos recebem o apoio financeiro da indústria em suas campanhas. Leréia, proveniente de Minaçu, foi um dos maiores beneficiados pelas verbas da SAMA em sua campanha como deputado federal. Segundo matéria publicada na revista CartaCapital, de junho de 2005, recebeu sozinho 300 mil reais da mineradora.
Ameaças a fiscais do trabalho são rotineiras
A propósito, no próximo dia 27 de novembro, acontecerá na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados uma audiência pública para tratar dos projetos de lei que pedem a proibição do uso do amianto em alguns segmentos, como artefatos infantis, materiais de fricção e outros componentes automotivos e o que altera artigo da Lei nº 9.055, de 1 de junho de 1995, a fim de limitar em trinta horas semanais e seis horas diárias a duração do trabalho nas atividades e operações com asbesto/amianto. Os três projetos de lei são de autoria do deputado Mendes Thame (PSDB/SP).
A audiência pública foi convocada pelo deputado federal ruralista Ronaldo Caiado, um dos líderes da “bancada da crisotila”.
Curiosamente, a mesa foi composta por quatro pessoas a favor do amianto e uma contrária à exploração, comercialização e uso do amianto. A saber:
Milton Nascimento - Médico gerente da SAMA/Eternit; está entre os denunciados pela Abrea ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), em decorrência de reportagens publicadas pelo Viomundo.
Cláudio Scliar - Geólogo, conhecido lobista do setor do amianto, atualmente lotado no Ministério de Minas e Energia; autor do livro Amianto, Mineral Mágico ou Maldito?, patrocinado pela SAMA.
Emílio Alves Ferreira Júnior e Adilson Conceição Santana - Respectivamente, presidente e vice-presidente da Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA). Em vez de atuar na defesa dos trabalhadores, operam em favor do lobby do amianto. Tanto que já foram denunciados à Organização Internacional do Trabalho (OIT) por prática anti-sindical e por serem financiados em suas ações pelo Instituto Brasileiro da Crisotila. Além das funções na CNTA, Emílio é presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário do Estado de São Paulo; Adilson é diretor do Sindicato dos Mineiros de Minaçu (Goiás) e membro do Conselho Superior e da Diretoria Colegiada do Instituto Brasileiro do Crisotila.
Fernanda Giannasi – Engenheira, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego em São Paulo, fundadora da Abrea e símbolo da luta antiamianto no Brasil. É sua bandeira há quase 30 anos. Seu nome só foi incluído por pressão do deputado Chico D’Angelo (PT/RJ), que deu parecer favorável aos projetos de banimento do amianto nos artefatos infantis e componentes automotivos. Do contrário, nem ela seria convidada. Apesar de ser a última convidada, seria a primeira a falar; teria o mesmo tempo que os outros quatro convidados, defensores contumazes do amianto.
Uma farsa. Tanto que Fernanda Giannasi declinou do convite. “O princípio da eqüidade e equilíbrio entre posições favoráveis e contrárias ao banimento da matéria-prima cancerígena não foi mantido”, disse em e-mail enviado aos organizadores no dia 4 de novembro. “No meu entendimento, 4 a 1 fere frontalmente os princípios básicos do estado democrático de direito, que deveriam nortear as ações desta Casa de Leis, já que nem a divisão de tempo será a mesma.”
“Será que para se contraporem a mim (1), há necessidade de 4 lobistas pró-amianto?”, continua Fernanda. “De um lado, isso me deixa extremamente contrariada. De outro, bastante lisonjeada sobre o poder de persuasão e de argumentação convincente, que me atribuem, necessitando quadruplicar a força para me ‘neutralizar’.”
“Daí a minha recusa em comparecer a um ‘espetáculo’ promovido pelos defensores do amianto, em especial a bancada da crisotila no Congresso Nacional”, finaliza. “Espero que em breve tenhamos realmente uma audiência pública e não um espetáculo circense, onde todas as posições possam ser ouvidas em igualdade de condições, na qual certamente terei o maior prazer em comparecer.”
Diante desses fatos, esta repórter buscou ouvir nos últimos dias os deputados federais Chico D’Angelo (PT/RJ), Mendes Thame (PSDB/SP), Edson Duarte (PV/BA) e Arlindo Chinaglia (PT/SP). D’Angelo porque integra a Comissão de Seguridade Social e Família e pressionou para que Fernanda Giannasi fosse convidada. Thame, por ser autor dos projetos de lei. Duarte, porque é o relator do Grupo Técnico (GT) Amianto, da Comissão de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável. E Chinaglia por ser o atual presidente da Câmara dos Deputados e médico.
Por coincidência ou não, na terça-feira, 18 de novembro, no mesmo dia em que a denúncia da Abrea era protocolada no Conar, o deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS), em inflamado discurso na Câmara dos Deputados, afirmou que ‘fazendeiros se viram forçados até a matar Fiscais do Trabalho para se livrar de tanta pressão’.
“Essas ameaças veladas são recorrentes para nós que atuamos na auditoria fiscal do trabalho e contrariamos interesses de grandes grupos industriais e seus lobistas, como é o caso do amianto“, denuncia Fernanda Giannasi. “Nada se fez para que pudéssemos trabalhar com segurança após a chacina de Unaí, em Minas Gerais, quando quatro colegas foram assassinados no combate ao trabalho escravo. Continuamos à mercê de nossos detratores. É revoltante ouvir deputados incitarem a violência contra quem defende o direito de trabalhadores hipossuficientes. Esse deputado ruralista deveria ser cassado por falta de decoro parlamentar por apologia ao crime.”
Cinco dias após a chacina de Unaí, em 28 de janeiro de 2004, a própria Fernanda Giannasi, foi ameaçada. Recebeu carta anônima, acusando-a de promover o “banimento branco do amianto” e alertando-a que “extingüiriam” suas ações que traziam grande prejuízo ao estado minerador de Goiás. Agüentou o tranco sozinha. “Pedi ajuda ao então ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini”, relembra Fernanda. “Não recebi nenhum apoio. Além disso, fui punida com quase 40 dias de suspensão na minha atividade de fiscalização. Fortaleceu-se, assim, o lado dos defensores do amianto, que se sentiram contemplados em sua reivindicação antiga de me neutralizar.”
Definitivamente, Fernanda Giannasi é mulher de luta o tempo todo. O povo de Bom Jesus da Serra, que continua sem voz, rodeado de resíduos do mineral assassino por todos os lados, é uma das suas frentes de batalha. “Muitos ainda vivem na escuridão, em total ignorância em relação aos seus malefícios”, vai fundo o fotógrafo Inacio Teixeira. “Aqui, a informação chega de forma acanhada. A questão do amianto não tem muito espaço na imprensa devido ao lobby da Eternit e seus aliados em Brasília e na mídia. É o poder econômico, dos poderosos, se sobrepondo ao dos pequenos.”
(Por CONCEIÇÃO LEMES, especial para o VIOMUNDO, 24/11/2008)